‘O Rio de Janeiro precisa erradicar a miséria’, diz candidata do PV à prefeitura

Aspásia Camargo analisa que o Rio é uma cidade pobre, onde 4 milhões de pessoas – mais de 60% da população – vivem com até dois salários mínimos, o que julga muito comprometedor

Aspásia defende “o cardápio completo da sustentabilidade” que o PV pretende oferecer aos cariocas (Foto: Marlon Falcão/Fotoarena/Folhapress)

Rio de Janeiro – A candidata do PV à prefeitura do Rio de Janeiro, Aspásia Camargo, teve esta semana um encontro com o ex-deputado Fernando Gabeira, principal figura pública do partido no estado. Com apenas 2% nas pesquisas eleitorais até aqui, Aspásia conta com uma maior participação de Gabeira – e também da ex-ministra Marina Silva, atualmente sem partido – para tentar alcançar o segundo turno. Para isso, além das críticas à administração do prefeito Eduardo Paes (PMDB), a candidata verde também bate forte em outro adversário, Marcelo Freixo (PSOL), a quem qualifica como “justiceiro” e “personagem de filme”. 

Na entrevista concedida à Rede Brasil Atual, Aspásia diz também não se sentir abandonada por Marina e Gabeira, se coloca como uma pessoa de esquerda e defende “o cardápio completo da sustentabilidade” que o PV pretende oferecer aos cariocas se chegar à prefeitura.

A RBA solicitou entrevistas também com Otávio Leite (PSDB), Marcelo Freixo (PSOL) e Rodrigo Maia (DEM).

Leia a íntegra da entrevista: 

Por que a senhora quer ser prefeita do Rio? Se vencer as eleições, qual marca imagina que sua gestão à frente da prefeitura deixará na cidade?

Eu quero ser prefeita porque o Partido Verde tem uma tradição nessa cidade, uma tradição de vanguarda, de trazer sempre as melhores ideias para o processo eleitoral. Estou aqui defendendo a sustentabilidade, um Rio sustentável, porque as cidades são as grandes agentes de mudança no mundo inteiro, são elas que estão tendo o protagonismo. Eu vejo o Rio de Janeiro muito fragilizado e com muitas carências que impedem esse processo e nós precisamos resolver isso rapidamente, com muita determinação e sentido estratégico. Minha marca será a de um Rio de Janeiro sustentável.

Vivemos um momento de grandes transformações – previstas ou em curso – na infraestrutura da cidade. Essas transformações são suficientes para colocar o Rio no caminho do desenvolvimento sustentável? Qual legado um evento como a Rio+20 pode deixar de fato para a cidade? Como um prefeito pode aproveitar esse legado?

É exatamente por isso que eu estou nesse páreo, estou lutando pelo legado da Rio+20. O primeiro grande legado que a Rio+20 nos deixa é o desafio da erradicação da miséria. Esse é um compromisso internacional previsto para acontecer até 2050, mas o Rio de Janeiro tem condições de antecipar. O Rio é uma cidade pobre, onde 4 milhões de pessoas – mais de 60% da população – vivem com até dois salários mínimos, o que é uma coisa muito comprometedora. Um terço da nossa mão de obra não tem o nível fundamental completo. Então, precisamos erradicar a miséria.

Outro legado fundamental é o da economia verde, sobretudo da nova economia que precisa de Tecnologia da Informação, precisa das indústrias criativas. Esse pacote de nova economia e de economia limpa, da reciclagem e da ecoeficiência, é também uma coisa fundamental para o Rio de Janeiro, que sempre foi uma cidade-estado e que nunca deu muita importância à economia.

Finalmente, a Rio+20 deve nos deixar um legado ambiental, porque a cidade está nadando no esgoto. Nós temos o pior sistema de esgotos do Brasil, que é a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), da qual todos os municípios estão se libertando. Eu estou propondo que o Rio municipalize esse serviço, porque realmente é uma fria ficar com uma empresa dessas – que não tem capital ou capacidade, está sem recursos e é mal preparada – conduzindo o saneamento da cidade. 

Muitos cariocas se queixam da falta de opções culturais, sobretudo nas áreas mais pobres da cidade. Como mudar essa realidade?

Na questão cultural, o problema é grave porque a cidade não tem o que eu chamo de CPF: ela não tem um Conselho de Cultura organizado (ele é provisório), não tem um Plano Municipal de Cultura e não tem um Fundo de Fomento. Essas três falhas fazem com que o Rio esteja fora do sistema nacional de cultura. Precisamos reverter isso e precisamos financiar essa rede. Existem, por exemplo, teatros na Zona Oeste e em vários outros pontos da cidade que são considerados carentes, mas eles estão abandonados e não funcionam porque o prefeito gosta muito de obras novas, mas não gosta de manter as verbas de custeio e as atividades para que os espaços culturais funcionem. Precisamos corrigir isso. 

Eu tenho uma proposta forte para fazer um grande centro cultural na Zona Oeste (na Praça do Canhão) e um grande centro cultural-ambiental no Parque da Misericórdia, que é o maior da Zona Norte e fica junto ao Morro do Alemão. Lá, existe uma pedreira que tem de ser desativada rapidamente e pode criar uma combinação perfeita entre uma proposta ambiental de reconstituição daquela paisagem linda e um teatro, uma biblioteca. Há um projeto da PUC que já existe e é magnífico. 

O deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ) tem afirmado que a senhora tem chance de crescer nas pesquisas se mobilizar o eleitorado feminino. Concorda com essa tese? Qual a estratégia traçada por sua candidatura para a reta final da campanha?

Eu sou a única candidata mulher, e as mulheres, como foi publicado hoje (ontem) no New York Times, são muito talhadas para os processos de mudança. A mulher está entrando no mercado de trabalho tardiamente, e ela não tem nenhum comprometimento com aquela velha ordem que foi criada ao longo de cem anos, essa ordem industrial que agora está decadente. Então, nós entramos com uma visão nova, a visão da sustentabilidade, holística, dos projetos integrados de governança e de participação. Temos o coração generoso, e acho que o olhar da mulher humaniza a cidade. Porque, essa história de o prefeito ser só um tocador de obras não leva a nenhum lugar. É preciso ter também a dimensão de cuidar e de investir nas pessoas, mais do que nas obras novas que fazem sucesso, mas não criam raízes na cidade nem melhoram a vida das pessoas.

Como a senhora acredita que serão distribuídos nestas eleições os 31% de votos que o povo carioca deu a Marina Silva e ao PV nas últimas eleições presidenciais? Como pretende avançar sobre esse eleitorado?

Eu acho que isso já está acontecendo, eu sinto muito isso na rua. O grande problema é que em uma eleição municipal existem outros fatores que interferem. O clientelismo é muito violento porque ele trabalha muito com a compra do voto e com as lealdades cobradas pelo que as pessoas receberam. Acho que isso complica um pouco as coisas. De qualquer maneira, eu estou no filão da sustentabilidade, mesma bandeira que a Marina defendeu. Eu defendo a educação pelas mesmas razões que ela, já que ela foi professora e eu sou. Enfim, eu acho que há muitas afinidades entre nossos projetos, e os eleitores veem em mim uma figura que também faz a política diferente e que não é comprometida com esse esquema antigo de clientelismo e troca de favores. Isso dá uma confiança muito grande. As pessoas – eu vejo isso pelos depoimentos na rua e também na internet – confiam em mim, e isso é uma coisa importante.

O desempenho de sua candidatura nas pesquisas até aqui está aquém do esperado. A senhora se sente abandonada por figuras importantes que estão no PV ou já foram do partido, como a própria Marina ou Fernando Gabeira?

Eu tenho conversado muito com o Gabeira e tenho certeza que ele está mesmo comigo. O Gabeira foi à convenção, eu uso as fotografias em que apareço com ele nas campanhas que fizemos juntos. Ele nunca se aborreceu comigo. Ao contrário, sempre me apoiou. Eu acho que não há esse problema [do abandono]. Mas, vamos ver como as coisas se desenrolam. Eu acredito que vai me dar uma ajuda maior agora nessa reta final porque ele está me procurando para conversar comigo. Acredito que o Gabeira possa me ajudar muito nessa reta final de campanha.

A chapa do PV é puro-sangue, o que torna escasso o seu tempo de propaganda na televisão e dificulta sua candidatura. Hoje, o partido no Rio parece espremido entre as forças de situação – que apoiam o atual prefeito – e as legendas de esquerda. Qual caminho deve seguir o PV no Rio para sair dessa “prensa” e aumentar o leque de alianças do partido no futuro?

Nós temos a proposta melhor e com mais grandeza. Nem somos a política tradicional que o prefeito representa com essa coligação de interesses e o fisiologismo político nem somos o radicalismo intransigente que tem um forte teor stalinista e que é representado pelo PSOL nestas eleições. O programa do PSOL é extremamente intransigente, e não estou querendo dizer radical, mas intransigente mesmo. Essa imagem do justiceiro, que a gente não sabe se é um político ou personagem de filme, é tudo o que a gente não quer na vida. Esse messianismo político e essas estruturas burocráticas autoritárias que acham que vão salvar a humanidade e essa coisa do justiceiro que lembra mais Robespierre do que a Revolução Francesa em seu melhor estilo. 

Eu me considero uma pessoa altamente comprometida com mudanças de esquerda, tanto é que eu sou a única candidata que está defendendo com grande competência a regularização fundiária para poder criar a legalização da moradia das pessoas. Isso é uma coisa inédita. Fiz uma aliança com grandes economistas e advogados para poder resolver esse problema da população carioca. É uma dívida social imensa que o Rio tem e eu estou apoiando a regularização fundiária, desde que não seja em áreas verdes ou áreas de risco.

Qual o perfil do PV no Rio?

Prevalece essa visão do Partido Verde social, contra essa mazela do saneamento que não se resolve, pela coleta seletiva que não temos (0,5% na cidade do Rio), por um transporte de massas que não seja esse que está aí invertido. Você tem 500 mil pessoas andando de trem e 600 mil andando de metrô e, de outro lado, 1,4 milhão andando de carro e 1,2 milhão andando de van. É todo um sistema tortuoso que precisa se tornar sustentável para garantir a mobilidade urbana na cidade. 

Então, acho que o nosso programa é um programa muito pra frente e altamente radical socialmente, porque nós queremos erradicar a pobreza no Rio de Janeiro no prazo mais curto possível, investindo na educação e na cultura, para melhorar a qualidade do ensino, e fazendo a evolução da saúde. O meio ambiente será encarado não só como preservação da natureza, mas também a partir de uma visão nova de cidade. A economia da natureza é importante e nós não podemos destruir o nosso maior ativo econômico. O desenvolvimento do consumo e da produção sustentáveis vai desenvolver também uma grande classe média, com menos contrastes sociais, e a erradicação da pobreza. Eu me sinto muito feliz e confortável em estar propondo para a minha cidade o cardápio completo da sustentabilidade.

Já se fala em um “partido do futuro”, que reuniria independentes, com destaque para o grupo de Marina, e setores do PV, do PSOL e da esquerda do PT. O que a senhora acha da ideia? Acredita numa mudança no tabuleiro partidário brasileiro?

Olha, é muito difícil dizer isso. Eu estou em uma campanha eleitoral, eu sou do PV e o PV me deu a confiança de representá-lo nesta eleição. Não desejo me distrair pensando nessas coisas que estão muito distantes da minha realidade, que é o processo eleitoral, é discutir com a população, é honrar as bandeiras do partido e fazer bonito nessa eleição, ganhar a eleição.

No segundo turno, o melhor para a cidade do Rio de Janeiro não é o radicalismo intransigente. O prefeito – que ninguém dúvida que estará no segundo turno – precisa de um adversário à altura e que não faça propostas que são irrealizáveis ou propostas que no fundo não vão contar com apoio definitivo porque não foram feitas para governar, foram feitas com objetivos mais ideológicos do que pragmáticos.

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