Negado, desmembramento do processo do mensalão provoca bate-boca no STF

Para Joaquim Barbosa (ao centro) discutir novamente o desmembramento do processo seria ‘irresponsável’ (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF) Rio de Janeiro – Uma questão de ordem apresentada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos logo […]

Para Joaquim Barbosa (ao centro) discutir novamente o desmembramento do processo seria ‘irresponsável’ (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)

Rio de Janeiro – Uma questão de ordem apresentada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos logo no início da audiência do primeiro dia do julgamento da Ação 470, mais conhecida como processo do mensalão, provocou os primeiros embates verbais entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de hoje. Falando em nome de seu cliente, José Roberto Salgado, o advogado utilizou o argumento de que alguns dos 38 réus não têm direito a foro privilegiado e pediu o desmembramento do processo, já que o julgamento conjunto de todos os réus na instância única contrariaria a Constituição. 

Fazendo referência à adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, que dá a todo réu o direito de recorrer a uma instância superior em caso de condenação, Thomaz Bastos defendeu que a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo não fosse estendida ao conjunto dos réus: “O que nós esperamos dessa Alta Corte é que ela decida – como corte constitucional que tem a missão precípua que lhe foi dada de velar pelo cumprimento da Constituição – que esse é um direito estrito [o foro privilegiado] que não pode ser estendido por norma de menor nobreza que a constitucional”, disse. O advogado pediu ao STF que “garanta a aqueles que não têm foro de privilégio o direito, pelo menos, ao duplo grau de jurisdição”. 

Consultado pelo presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, rechaçou prontamente a proposta de Thomaz Bastos e afirmou que a competência do STF para julgar o processo já havia sido argüida como questão preliminar: “Essa questão já foi reiteradamente apreciada e decida por essa corte suprema, que em todas as ocasiões entendeu que não havia qualquer ofensa à sua competência. A Procuradoria Geral da República manifesta-se pelo indeferimento da questão de ordem”, disse. 

Relator do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa também se manifestou de forma favorável ao indeferimento. “Nós tivemos quase cinco anos de instrução processual, ao longo da qual essa questão foi debatida aqui nesse plenário. Eu mesmo trouxe essa questão para debate em plenário e nós gastamos quase uma tarde inteira a debater o desmembramento do processo a pedido do réu Marcos Valério. A instrução chega ao seu fim ao cabo desse longo caminho, são feitas as alegações finais e aguarda-se única e exclusivamente o julgamento. Subitamente, um dos réus se vê no direito a ter essa questão rediscutida. Ora, nós precisamos ter rigor, o mais alto tribunal do país decidiu longamente. Eu não vejo razão e me parece até irresponsável voltar a discutir essa questão”, disse. 

Em seguida, o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, pediu a palavra e se declarou favorável ao desmembramento do processo, já que “a decisão proferida por um órgão incompetente acarreta a nulidade absoluta do processo”. Ele citou o Artigo 80 do Código Penal para afirmar que “o julgamento conjunto de agentes acusados de práticas de ilícitos penais que tenham status processuais distintos não é obrigatório” e que o “excessivo número de réus pode determinar o desmembramento do processo se o juiz reputar conveniente”. 

“Deslealdade”

A posição de Lewandowski irritou Barbosa e deu início a um bate-boca entre os dois ministros: “Me causa espécie Vossa Excelência se pronunciar agora pelo desmembramento do processo quando poderia tê-lo feito há seis ou oito meses. Isso é deslealdade”, disse Barbosa, que em outro momento perguntou diretamente ao colega: “Por quê Vossa Excelência não trouxe essa questão há dois anos? Por quê no dia marcado [para o início do julgamento] e amplamente antecipado? O que está em jogo é a credibilidade desse tribunal”, disse. 

Lewandowski então reclamou da postura de Barbosa, e afirmou que usaria a palavra “sempre que entendesse ser necessário” durante todo o julgamento, já que essa é uma prerrogativa do revisor do processo. “A mim me causa espécie que Vossa Excelência queira impedir que eu me manifeste”, disse o ministro, que se queixou do uso da palavra “deslealdade” pelo colega. “Acho que é um termo um pouco forte que Vossa Excelência está usando, já prenunciando que esse julgamento será muito tumultuado”, disse o ministro. 

Colocada em votação por Ayres Britto, a questão de ordem apresentada por Thomaz Bastos acabou indeferida pelos ministros do STF. Seguiram o voto do relator Joaquim Barbosa os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, José Antônio Dias Toffoli, Cármem Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto, completando nove votos pela derrubada da questão de ordem – Marco Aurélio Mello acompanhou Lewandowski. Após esse julgamento, teria início a leitura da peça de acusação pela Procuradoria Geral da República, que deverá se estender até amanhã (3).

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