Legado de Celso Daniel se mantém vivo há dez anos

Ex-prefeito de Santo André, sequestrado e assassinado em 2002 será homenageado nesta sexta na cidade

Para Klinger, ex-secretário na segunda gestão de Celso Daniel, a herança política que o prefeito deixou foi vasta (Foto: Luciano Vicioni/ ABCD Maior)

São Bernardo do Campo – Celso Daniel (PT) morreu há exatamente dez anos, quando exercia o terceiro mandato como prefeito de Santo André, no ABC paulista, mas ainda está presente nas políticas inovadoras que implementou em seus três governos (1989/1992, 1997/2000 e 2001/2002) e que se expandiram para vários cantos do país. Nesta sexta-feira (20), a partir das 18h30, ele será homenageado em ato por sua memória no prédio do Centro de Estudo, Pesquisa, Prevenção e Tratamento em Saúde (Cepes) da Fundação Municipal de Ensino do ABC, em Santo André.

“Celso representava inovação e empreendedorismo, em uma época em que esses conceitos ainda eram de domínio exclusivo do setor privado. Como gestor público, colocou Santo André no protagonismo nacional e internacional ao implementar políticas públicas inovadoras em vários segmentos e que vieram a ser reconhecidas dentro e fora do país, o que permitiu atrair investimentos para a cidade”, disse o arquiteto Klinger Luiz de Oliveira Sousa, ex-vereador (2001 a 2004) e ex-secretário de Obras e Serviços Públicos na segunda gestão de Celso Daniel.

Klinger também destacou o trabalho regional desenvolvido pelo petista, idealizador do Consórcio Intermunicipal, entidade que engloba os sete prefeitos da região. “Em termos regionais, foi o grande idealizador e impulsionador das várias entidades que asseguraram a institucionalidade de uma gestão regional ao ABC”.

Para o ex-secretário, a herança política que o prefeito deixou foi vasta. Klinger destaca a articulação de programas sociais em um único pacote de atenção e inclusão social com o propósito de elevar a renda e as condições de cidadania das pessoas em vulnerabilidade social. “Posteriormente, isso foi adaptado e aproveitado com grande êxito pelo governo Lula sob a denominação do Bolsa-Família”, disse.

Outra marca do prefeito foram novas ações no paisagismo e nos programas de iluminação pública, além de parques e praças que se multiplicaram.

O ex-superintendente do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) Maurício Mindirz, hoje presidente da Fundação ABC, também se recorda dos projetos idealizados por Celso. Ele destacou o Projeto Eixo Tamanduatehy e a construção do modelo de saneamento integrado implementado no Semasa. “Esse modelo foi implantado parcialmente em vários locais do Brasil e serviu de base para a área de saneamento do Ministério das Cidades”, disse o ex-superintendente da autarquia de Santo André.

Para Maurício Mindrisz, é difícil encontrar um político como Celso. “Celso é, no meu entender, a exceção da frase ‘ninguém é insubstituível’. Ninguém conseguiu substituí-lo na formulação de políticas publicas arrojadas.  Uma pessoa estudiosa, com pés no chão, com uma ousadia que jamais se viu”, afirmou.

O mesmo pensa um dos fundadores do PT de Santo André, o vereador José Montoro Filho, o Montorinho, um dos líderes do governo Celso na Câmara. “O Celso deixou ensinamentos profundos. É insubstituível”, disse.

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que também atuou no primeiro escalão nos dos dois últimos governos do prefeito, disse que Celso influenciou em sua história. Ele contou que Celso estava cotado para participar da equipe de governo do ex-presidente Lula, em 2002. Celso foi escolhido como coordenador da campanha, mas participou apenas de uma única reunião, menos de dez dias antes de ser sequestrado e morto, em 20 de janeiro. 

Irmãos Mindrisz

Os irmãos Maurício e Michel Mindrisz marcaram a vida do prefeito Celso Daniel. A amizade de Maurício com o petista durou quatro décadas, enquanto a de Michel, mais de 20 anos. “Minha amizade com o Celso deve ter começado lá pelo ano de 1963, a partir de amigos comuns. Jogávamos bola, íamos ao futebol juntos”, disse Maurício.

A paixão pelo futebol era uma só. A única divergência era com relação ao time de coração. Celso era um ferrenho corintiano, enquanto Maurício torcia para o São Paulo. “Íamos juntos para os estádios assistir a partidas de futebol, em uma época em que não havia divisão de torcidas”, lembrou. 

Também gostavam de passear na rua Oliveira Lima, principal Centro comercial de Santo André. Era ali que Celso comprava uma de suas guloseimas prediletas: pipoca.

No fim da década de 60, também gostavam de ir à Padaria Central comer pizza e ao cinema.

Na área política, Maurício foi um dos coordenadores do programa de governo de Celso na disputa de1982, onde foi derrotado por Newton Brandão.

Em 1998, atuou na coordenação da campanha vitoriosa de Celso. No primeiro governo, Maurício foi diretor de Informação e Planejamento e também atou como assessor no gabinete de Celso.

No segundo e terceiro mandatos, trabalhou como superintendente do Semasa. 

Já seu irmão Michel atuou no segundo escalão na Secretaria de Saúde no primeiro governo, sendo chefe de gabinete no segundo e secretário de Saúde no terceiro mandato.

Ivone Santana, companheira do prefeito, conheceu Celso ainda na adolescência. “Conheci o Celso em 1977, na Oliveira Lima, quando eu tinha 14 anos e ele, 26. Eu, estudante, lá trabalhava, ele, atleta da Pirelli, militante engajado e mestrando na FGV, “boulevardeava” com seus amigos, cuja amizade compartilhei e que perdura até hoje”, disse  Ivone.

Condenação

A morosidade na punição dos assassinos de Celso Daniel é motivo de questionamentos de amigos e familiares. A companheira do petista, Ivone Santana, mãe da única filha do prefeito, Liora Santana Daniel, é crítica com relação ao fato. “As investigações levadas a efeito pelas polícias de São Paulo, até onde posso enxergar, tendo acompanhado os depoimentos na medida em que os integrantes eram presos, cotejaram e comprovaram fatos, oito seres inomináveis foram presos. Uma segunda investigação ocorreu e nada de significativo surgiu e, desde então, a Justiça, por incompetência, julgou apenas um dos envolvidos”, afirmou Ivone.

Em uma década, dos oito membros da quadrilha, apenas Marcos Roberto Bispo dos Santos foi condenado, em novembro de 2010, a 18 anos de prisão por participação na morte do então prefeito de Santo André, em 20 de janeiro de 2002. Ele foi considerado culpado pelo crime por motivo torpe e impossibilidade de defesa à vítima – pelos jurados (cinco mulheres e dois homens), no Fórum de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, onde tramita o processo, porque foi naquela região onde o então prefeito foi assassinado.

Marcos Bispo foi julgado à revelia, já que não compareceu ao julgamento. Foragido da Justiça, ele já era procurado pela polícia antes do júri. O criminoso foi o responsável por levar Celso de carro para um cativeiro, onde o político foi morto a tiros. Ele foi condenado em novembro de 2010, mas só foi preso em 1º dezembro do mesmo ano, em sua casa, em Diadema.

Para Ivone Santana, são dez anos sem justiça. “É ultrajante, vergonhoso para todas as instituições que existem para dar suporte a que se faça justiça, doloroso em demasia para seus familiares, mas também para todos os cidadãos comuns. No fundo, reflete o que não funciona para a maioria e o que precisa urgentemente mudar na sociedade”, disse.

O MP (Ministério Público) também fez investigação paralela. Enquanto a Polícia Civil apurou crime comum, o MP aponta para uma execução do prefeito porque ele teria descoberto um esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André. De acordo com o promotor Roberto Wider, um dos responsáveis pelo caso, o culpado pela morte teria sido o empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sérgio Sombra, amigo de Celso. Ambos foram jantar juntos em São Paulo, em 18 de janeiro de 2002, e na volta para Santo André, a Pajero, dirigida pelo próprio empresário, foi abordada pelos bandidos que efetuaram o sequestro.  

Ivone também questiona as investigações do MP. “O Ministério Público levantou teses, fez vários recortes da realidade e suposições que, não comprovadas, permanecem no campo das hipóteses e alimentam a luta política, que nada tem a ver com o Celso”, disse.

Maurício Mindrisz, amigo de Celso Daniel por quase 40 anos, e integrante da equipe de governo nos três mandatos, também acredita que o viés político impede que se avance nessa questão.

“Do ponto de vista pessoal, pelo que li do processo e pelos envolvidos, estou absolutamente convencido de que o Celso foi vítima de um crime urbano”, afirmou.

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