Marco Civil da Internet deve vir antes de lei penal, diz especialista

Tulio Vianna: 'Temos que atacar a raiz do problema. O criminoso está agindo na vida real. Ele apenas utiliza a internet como meio'

Brasília – Professor de Direito Penal na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Túlio Vianna foi o único especialista na área a ser convidado para a audiência pública que debateu, na quarta-feira (13) na Câmara, o projeto de lei conhecido como “AI–5 Digital”, de autoria do deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que tipifica os crimes cometidos na internet.

Crítico do projeto de lei do deputado tucano, Vianna defende mais discussão com especialistas e com a sociedade civil para a aprovação do Marco Civil da Internet, que deve, na sua opinião, ser aprovado antes da lei penal. “Temos que ter mais especialistas em direito penal, delegados, promotores e militantes da área debatendo. Afinal, trata-se de tecnologia e também de crimes”, afirma Túlio Vianna, em entrevista ao Sul21.

Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Informático, Vianna afirma que, como não há mais condições de alterar o projeto de lei do deputado Azeredo, em razão de já estar retornando à Câmara após alterações do Senado, a alternativa é pressionar o governo para o envio do projeto do Marco Civil da Internet. Para Vianna, o ideal é primeiro regular a internet, para depois considerar o que é crime ou não.

Sul21 – Se não der tempo ou faltar vontade política do governo para enviar o Marco Civil da Internet, já discutido em consulta popular duas vezes, a primeira versão do projeto do “AI-5 Digital” é a que valerá. Isso não é mais grave do que aprovar a versão atual?

Túlio Vianna – Eu não acho. O projeto de lei mudou muito. O texto original era bem melhor que o atual. Foi polemizada demais a questão da guarda dos logs (período em que os provedores de acesso guardam os registros de acesso dos usuários) e acabou que prejudicou a lei como um todo. A redação dos tipos também ficou falha. Mas não quer dizer que o projeto é perfeito. Tem muitas imperfeições. Na redação anterior, não havia a previsão da guarda dos logs, que é o ponto que toca a privacidade dos usuários. Porém, a versão de agora tem um texto evasivo que deixa margem para interpretações duvidosas da lei. A primeira versão do projeto tem maior garantia de segurança jurídica do que o texto atual.

Sul21 – E o Marco Civil da Internet não poderia suprir tudo isso e regular primeiro para depois a lei penal ser executada?

Túlio Vianna – São dois projetos independentes. A sociedade tende a preferir o Marco Civil da Internet porque é possível regular uma série de questões sem o direito penal. Porque existem outros mecanismos para controlar a internet que precisam ser a lei penal, que neste caso não é mesmo o recomendável.

Sul21 – Então, em sua opinião, o melhor é o Marco Civil?

Túlio Vianna – Sim. Por mais que este projeto esteja demorando para ser aprovado, ele ainda é precipitado. O que parece é que ele precisa ser aprovado para que haja lei penal na Brasil. Mas não é assim. Antes precisamos ter a lei civil. Crimes da internet não são crimes de sangue que não possam esperar a regulação da internet. Até porque este projeto de lei é muito parcial, sempre foi o mesmo relator, o antes senador e agora deputado Azeredo. Temos que ouvir outros relatores, não sempre o mesmo. E também ouvir a sociedade civil. Veja nesta audiência, pouquíssimos professores de direito penal vieram. Eu creio que fui o único. E isto é um equívoco. Temos que ter mais especialistas em direito penal, delegados, promotores e militantes da área debatendo. Afinal, trata-se de tecnologia e também de crimes.

Sul21 – Os argumentos da urgência são os crimes de pedofilia na internet. O senhor concorda?

Túlio Vianna – Não. Nós temos que atacar é a raiz do problema. O criminoso está agindo é na vida real. Ele apenas utiliza a internet como meio para praticar seus crimes. Eu estranho esta preocupação com a pedofilia na internet porque na vida real tem pedofilia em vários cantos do País e não há um debate tão contundente.

Sul21 – O projeto se baseia em uma legislação internacional, aprovada na Convenção de Budapeste. Isto foi considerado por alguns parlamentares como inconstitucional.

Túlio Vianna – Não tem porque adotarmos um tratado que não iremos ganhar nada com ele. Uma legislação estrangeira é ideal quando tem dupla cooperação. Não é o caso. Adotar uma lei internacional para dizer como será a lei no nosso país? Não tem sentido nenhum. O Brasil é soberano e decide a legisla conforme achar melhor para o país.

Sul21 – Como avançar no controle equilibrado da internet?

Túlio Vianna – O Marco Civil foi aberto a muita discussão e é bem democrático. Ele é uma porta. Mas, se a lei penal precisar ser revista, que seja feita de forma democrática. Em tempo de a sociedade e os demais envolvidos neste tema participarem. Esta audiência pública ocorrer sem termos mais tempo de mudar nada no projeto não tem cabimento. Viemos aqui dizer se concordamos ou não, e não para propor nada. Quando foi o momento adequado para isso, esta turma de ativistas, professores e especialistas não foi chamada.

Fonte: Sul 21

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