Garcia: ‘Brasil não quer ser a Alemanha da América do Sul’

Marco Aurélio Garcia, secretário de Relações Internacionais diz que a região deve dar ao mundo um exemplo de integração política e econômica (Foto: © Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) Rio de […]

Marco Aurélio Garcia, secretário de Relações Internacionais diz que a região deve dar ao mundo um exemplo de integração política e econômica (Foto: © Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Rio de Janeiro – O seminário internacional “Governos de Esquerda e Progressistas na América Latina e no Caribe – Balanços e Perspectivas”, realizado entre os dias 30 de junho e 2 de julho no Rio de Janeiro, foi palco de um sensível debate sobre a natureza das relações entre os países da região. De um lado, representantes de governos dos países menos desenvolvidos frisaram a necessidade de se estabelecer uma relação mais justa e igualitária, de forma a permitir um desenvolvimento conjunto satisfatório. De outro, representantes das economias mais fortes reafirmaram seus compromissos com o fortalecimento do bloco regional.

“O Mercosul surgiu em condições muito diferentes das que vivemos hoje”, afirmou Gustavo Codas, que é diretor-geral da Itaipu Binacional pelo Paraguai e defende uma reorientação para algumas políticas econômicas do bloco: “Não estamos travando uma discussão sobre esse tipo de relação assimétrica que o mercado e os Estados nos apresentam. Esse é um elemento muito importante porque somos países assimétricos. Paraguai, Uruguai e Equador não têm sequer um banco de desenvolvimento econômico e social com a capacidade de impulsionar suas economias da mesma maneira que faz o BNDES no Brasil. Nem o mercado deixado ao seu funcionamento resolve, nem os Estados deixados a seus interesses regionais resolvem”, disse.

Ao retrucar, Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, disse que a região deve dar ao mundo um novo exemplo de integração política e econômica. “Nosso critério de integração deve ser diferente desses que estamos assistindo no mundo hoje em dia. As relações do governo brasileiro com a Bolívia e o Paraguai nestes últimos anos se deram de forma democrática, solidária e evidentemente distinta daquela que os conservadores no Brasil queriam que nós fizéssemos”, afirmou. “A economia brasileira é diversificada e grande, mas nós não podemos utilizar isso como um instrumento de opressão. Não haverá uma região presente no mundo se ela for muito desigual, e o Brasil não quer ser a Alemanha da América do Sul”.

Codas pediu especial atenção dos governos da América Latina e do Caribe para a tarefa de construir um maior equilíbrio econômico na região. “Nossos desafios são entender que existe uma nova reconfiguração do poder mundial e que as assimetrias que existem entre os mercados e estados do Sul precisam ser discutidas para que não signifiquem um bloqueio a esse processo tão importante de desenvolvimento político e econômico”, disse o paraguaio.

A priorização das relações Sul-Sul, segundo Codas, “foi o que permitiu aos países da América do Sul atravessar a crise do capitalismo internacional em 2008 e 2009”. A partir dessa relação, diz o paraguaio, “devemos nos fazer novas perguntas” sobre a integração regional desejada. “Em relação ao Norte, tínhamos tudo analisado e mapeado e sabíamos relativamente o que queríamos e o que não queríamos fazer. No Sul, precisamos definir qual relação queremos construir, sobretudo, nas ações de integração regional que vão além do imposto pelo mercado e buscam uma relação mais completa e integrada nos campos econômico, político, cultural e de defesa”.

O diretor de Itaipu citou como exemplos de nova abordagem na relação entre os países da América do Sul as recentes discussões após as quais o Brasil concordou em rever a quantia paga à Bolívia pelo gás natural produzido naquele país e ao Paraguai pela compra do excedente da produção de energia na usina binacional. “No caso da nacionalização do gás boliviano, a resposta do presidente Lula foi dizer que se tratava de um ato de soberania da Bolívia que precisava ser respeitado. A partir dali, foram reiniciadas negociações. Isso é o que vem ocorrendo nas negociações que estamos realizando em torno da Itaipu Binacional, com uma série de dificuldades e demoras, mas no rumo de reconhecer novas relações bilaterais baseadas não exclusivamente no mercado”, disse.

“Opção pela América do Sul”

Marco Aurélio Garcia afirmou que, no que se refere a sua política externa, o Brasil fez claramente uma opção prioritária pela América do Sul. “Essa opção decorre de uma visão que nós temos das transformações pelas quais o mundo estava passando no início do governo Lula e continua passando até hoje. Saímos de um mundo bipolar para um mundo unipolar, e hoje caminhamos em direção a um mundo multipolar”, analisa. “A grande pergunta que se coloca para o Brasil é saber se nós queremos ser um pólo sozinhos ou não. Nós fizemos uma aposta de que precisamos ser um pólo junto com a América do Sul. Queremos associar o nosso destino ao destino da América do Sul porque acreditamos que a região tem um potencial extraordinário de valores materiais e imateriais”.

O brasileiro citou alguns trunfos da região: “Nós somos o maior repositório de energia do mundo hoje, somos também os maiores produtores de alimentos, temos 35% das reservas de água do mundo e temos uma biodiversidade que ainda nem conhecemos suficientemente”, disse. Garcia se diz otimista quanto ao processo de fortalecimento sul-americano. “Somos uma região democrática e sem conflitos significativos de fronteira e temos também um mercado de quase 400 milhões de cidadãos sul-americanos. Com isso, temos a plena capacidade de criar um ciclo virtuoso na região”.