Cobiçadas e palco de disputas políticas, comissões ditam ritmo do Congresso

Definida a Mesa Diretora, embate é pelo comando de comissões que garantem poder para fazer andar ou parar projetos de lei

Como todos os projetos de lei passam pela CCJ, comissão é a mais disputada (Foto: Leonardo Prado/Agência Câmara)

São Paulo – Nem bem encerrou a disputa pelo salário mínimo, a Câmara dos Deputados já aquece os ânimos para uma batalha igualmente complexa. A portas fechadas, a escolha dos integrantes das comissões parlamentares é o momento mais tenso no que se segue à escolha do presidente da Casa. Pautada por interesses variados, a distribuição alimenta egos e pode selar a sorte de determinados projetos.

“Na verdade, as coisas acontecem mesmo nas comissões”, explica o senador Delcídio Amaral (PT-MS), escolhido para presidir a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). “Plenário é ditadura de líder. Quando vão para o plenário, as coisas estão mais ou menos encaminhadas. É nas comissões que cada um coloca sua posição, é ali que o jogo é jogado”, resume. O Senado concluiu na última semana, não de todo livre de mal-estar, o processo de escolha dos presidentes das comissões.

A CAE, como sempre, figurou entre as mais disputadas, ao lado da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A explicação é simples: todo projeto protocolado na Casa é avaliado pela Mesa Diretora, que define a quais comissões cabe a avaliação do caso. Nenhuma proposta escapa à CCJ, responsável por analisar a constitucionalidade das matérias. Raras são as propostas que escapam à CAE, cujo equivalente na Câmara é a Comissão de Finanças, porque nelas é analisada a adequação financeira do projeto.

Na prática, as comissões definem o ritmo de tramitação de uma proposta. “O presidente de uma comissão tem o poder de definir o que vai ser votado. Se quiser segurar algum projeto, é soberano”, avalia Edson Sardinha, analista do site Congresso em Foco. “(Ele) pode criar embaraços quando pauta um projeto que, por exemplo, o governo não quer ver aprovado”, exemplifica.

Para Sardinha, o papel das comissões é subestimado no acompanhamento cotidiano do Legislativo, já que a maior parte das pessoas que prestam alguma atenção ao Congresso limita-se ao plenário. Há projetos que tramitam em caráter conclusivo e, a menos que haja alguma discordância mais complexa pelo caminho, sequer chegam à avaliação do conjunto completo dos parlamentares, transformando-se em lei a partir da avaliação exclusiva das comissões.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), atualmente em seu quinto mandato, acredita que parte da imprensa e dos colegas de Casa não dá valor à possibilidade de aprofundar o debate nas comissões. Ele concorda com a avaliação do petista Amaral de que em plenário há menos chances para promover uma discussão bem embasada. “Mas como tem muitos que vivem em função da lógica da governabilidade, clientelista, fisiológica, atrás de emendas, esse tipo de coisa esvazia muito as comissões.”

Proporcionalidade

O PSOL é um dos partidos que se sentem afetados pelo atual critério de escolha de cargos em comissões. A distribuição se dá segundo o tamanho das bancadas. O partido com representação mais numerosa tem a prerrogativa de escolher qual comissão quer presidir – via de regra, a CCJ. Depois disso, a segunda maior bancada assegura seu quinhão, e assim sucessivamente, até que não reste uma migalha sem dono.

Às legendas menores sobram poucas perspectivas de exercer um papel de protagonista na legislatura. “Isso cria exclusões. Quem quer participar às vezes não tem a possibilidade de (integrar) uma comissão mais importante, de uma relatoria, de uma presidência”, lamenta Valente.

Entre os queixosos à regra de proporcionalidade há até mesmo figuras de partidos donos de bancadas maiores. “Temos a compreensão de que o critério deveria ser calculado por blocos, mas é o que foi possível. Essa regra foi estabelecida pela Mesa e nos resta cumprir”, lamentou à Agência Senado o líder do PT, Humberto Costa (PE).

A principal lamentação do partido de Dilma Rousseff foi não ter garantido o comando da Comissão de Infraestrutura. O PSDB, por contar com a terceira maior bancada, já havia bicado a comissão. “Isso seria uma declaração de guerra, que tem suas consequências. A reação seria proporcional à ação e, apesar de sermos minoria reduzida, temos instrumentos para dificultar os interesses do governo no Congresso”, ameaçou o líder da sigla, Álvaro Dias, que por fim venceu a disputa.

Tamanha disposição se explica. No ranking de comissões do Senado, a de Infraestrutura viu sua cotação subir com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e explodir com Copa do Mundo e Olimpíada.

Holofotes

Nem só de interesses econômicos se faz um Congresso. As comissões são uma oportunidade para ganhar projeção e atrair segmentos da sociedade. Em termos de audiência, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), de caráter temporário, costuma garantir algum grau de acompanhamento da imprensa. As CPIs do primeiro mandato de Lula foram uma vitrine para muitos parlamentares, mas boa parte dos expoentes de então amargamente descobriram, mais tarde, que a vitrine podia não trazer louros eleitorais.

Na legislatura que ora se inicia, a Comissão Especial sobre a Reforma Política mostra-se com o maior potencial de atração de holofotes. O tema é clamado por parte da opinião pública e por boa parte das bancadas no Congresso.

No Senado, os membros já estão definidos. Ela será composta por dois ex-presidentes – Itamar Franco (PPS-MG) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL) –, um provável candidato ao Planalto – Aécio Neves (PSDB-MG) –, ex-governadores – Eduardo Braga (PMDB-AM) e Roberto Requião (PMDB-PR) – e tradicionais figuras do mundo político – como Francisco Dornelles (PR-RJ).

O caráter de palco para disputas e acenos é resumido por Delcídio Amaral. “Política é uma disputa de egos”, diz. Questionado se haveria espaço para propostas e ideias nesse embate, ele descarta a dicotomia: “As propostas têm os respectivos egos embutidos. Uma coisa atrai a outra”.

 

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