Oposição dá lugar à mídia na campanha de estreia de Dilma

Apesar de a candidata governista não ter disputado eleições antes, concorrentes de oposição tiveram dificuldade de lidar com aprovação do governo e do presidente Lula

Dilma logo após votação neste domingo (31) (Foto: Roberto Stuckert Filho)

São Paulo – A campanha eleitoral foi marcada por uma radicalização de discursos e pelo papel de destaque para a mídia. Na primeira eleição presidencial sem Luiz Inácio Lula da Silva como candidato desde a redemocratização, as empresas mobilizaram seus meios de comunicação para fazer frente à candidatura governista, já que as lideranças de oposição demoraram a encontrar seus discursos. Outro papel de destaque coube aos boatos e informações falsas circulando por e-mails e em panfletos apócrifos, em volume superior a outros pleitos.

O contexto forjou uma campanha diferente. De um lado, Lula abraçou o papel de protagonista. Cabo eleitoral mais desejado do pleito – especialmente no primeiro turno dos estados. Esteve ainda ao lado de Dilma em quase todos os comícios e em boa parte das edições do horário eleitoral, especialmente em períodos mais intensos de críticas contra Dilma Rousseff (PT). A candidata, que estreiou em disputas eleitorais, foi beneficiada pela popularidade do governo e conseguiu conquistar votos e manter a ponta.

A Rede Brasil Atual separou alguns dos principais momentos da campanha em uma breve retrospectiva.

Saúde e PNDH

Antes mesmo de ser lançada oficialmente como candidata, Dilma Roussef já  havia passado por duas situações difíceis. Em abril de 2009, ela descobriu que estava com um linfoma (câncer no sistema linfático) e iniciou um tratamento que envolvia quimioterapia. Como seu nome já era contado para a sucessão presidencial, Dilma foi personagem de matérias de jornal e capas de revista que questionavam a possibilidade de ela ser candidata por conta de sua saúde.

A revista Veja de 6 de junho daquele ano trazia uma foto da então ministra da Casa Civil e a chamada “A candidata e o câncer”. Na matéria, a revista acusava o PT de tentar explorar positivamente a doença da candidata. O tema voltaria às vésperas do segundo turno, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou entrevistas dos médidos de Dilma, informando que seu estado é bom.

Ainda durante o tratamento, no dia 22 de dezembro, Dilma assinou terceiro Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3). Por coincidência, foi a primeira aparição da ministra sem o uso de peruca desde o início do tratamento. A assinatura não gerou repercussão imediata, mas no início de janeiro a mídia “descobriu”o documento. Apesar de ser uma continuação da política brasileira de direitos humanos – a primeira versão do PNDH foi assinada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso – a mídia passou a fazer críticas sistemáticas ao plano.

O principal ponto criticado era a possibilidade da criação de uma instância de controle social da mídia. Outros pontos atacados foram a possibilidade de legalização do aborto, a proibição de símbolos religiosos em repartições públicas e a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da adoção de crianças por casais homossexuais.

O plano foi considerado por Antonio Augusto Queiroz, assessor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como uma versão para a esquerda do que foi a Carta ao Povo Brasileiro, divulgada por Lula em 2002, para a direita. “Esse decreto é uma forma de o governo sinalizar para um setor mais à esquerda que criticava seriamente as concessões do governo à direita”, acredita.

O apoio de entidades da sociedade civil não foi suficiente para conter a pressão – que contava até com setores do governo – falou mais alto. Dilma, muito criticada pela imprensa por assinar o plano, chegou a dizer que assinou o documento sem lê-lo por completo. A pressão conservadora fez com que o governo recuasse e retirasse do texto os pontos mais polêmicos.

Candidata

No dia 20 de fevereiro, Dilma finalmente apareceu oficialmente como a pré-candidata do PT para a presidência. Ela foi aclamada como representante à corrida presidencial no Congresso do partido. Na ocasião, Lula discursou afirmando que Dilma era a candidata de uma grande coalizão de partidos. No seu discurso, Dilma seguiu a mesma linha, defendendo um governo de coalizão.

Em maio, enquanto José Serra (PSDB) lidava com problemas para compor sua chapa, Dilma aproveitava para tornar-se mais conhecida do eleitorado. O esforço, que envolveu diversas aparições públicas e discursos ao lado de Lula, foi muitas vezes considerado excessivo. A Justiça Eleitoral puniu a chapa com diversas multas por propaganda eleitoral antecipada. Os candidatos adversários, José Serra e Marina Silva, acusavam a ação de constituir uso da máquina pública para a eleição de Dilma.

Campanha

No dia 9 de agosto, mais um ponto marcante na trajetória eleitoral de Dilma Rousseff. A candidata foi entrevistada ao vivo no Jornal Nacional pelos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes. A virulência dos âncoras deu a tônica de toda a cobertura envolvendo a candidata. Dilma foi interrompida diversas vezes e teve dificuldade para completar suas respostas.

A reação do eleitorado, no entanto, foi positiva. Antes da entrevista, Dilma aparecia com 39% das intenções de voto na pesquisa Ibope, contra 34% de José Serra. Depois, A candidata governista ultrapassou o tucano e manteria a curva ascendente, enquanto seus adversários permaneciam no mesmo patamar. Assim como nas disputas anteriores à Presidência da República, a chapa que estava à frente nas pesquisas no início da propaganda eleitoral gratuita, permaneceu na posição até o fim.

Oposição “lulista”

Em 17 de agosto, teve início o horário eleitoral gratuito. A avaliação de que a população queria continuidade nas políticas adotadas pelo governo levou a campanha de Serra a adotar uma estratégia de poupar ataques a figura de Lula, mas se esforçou para colar à candidata a imagem de autoritária. O jingle de campanha dizia que “depois do Lula da Silva é o Zé que eu quero lá”. O lema durou pouco diante de críticas até de aliados

O 3º PNDH voltou à cena – Serra explorou a ideia da candidata que assina sem ler e que pretende controlar a imprensa. Duas semanas antes da votação, um grupo de juristas produziu um manifesto em Defesa da Democracia, em que acusava o governo Lula de ser autoritário e de ameaçar a liberdade de imprensa. Na semana seguinte, outros advogados como Dalmo de Abreu Dallari e Márcio Thomaz Bastos publicaram uma resposta rechaçando os riscos e taxando os ataques como político-partidários.

Mídia é a oposição

Os ataques ficaram muito mais fortes na reta final da campanha. No dia 11 de setembro, a revista Veja publicou a denúncia de que o filho de Erenice Guerra, que assumiu o a chefia da Casa Civil no lugar de Dilma, fazia a intermediação entre empresários e o ministério para a assinatura de contratos e cobrava uma taxa por isso. Apesar de não incluir provas, a denúncia derrubou Erenice. Ela pediu demissão para poder defender-se das acusações.

Três semanas depois, a Controladoria Geral da União (CGU) concluiu quatro processos de investigação sobre os casos, concluindo não ter ocorrido irregularidade nos casos.

Outra denúncia grave, feita no início de setembro e até agora não explicada, foi a de que o PT teria violado o sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de Verônica Serra,  filha do candidato José Serra e de outras pessoas ligadas ao partido. As declarações de renda de fato foram acessadas indevidamente em computadores da Receita, mas ainda não está claro quem foi o mandante.

Aborto e religião

Esses escândalos povoaram a campanha de José Serra e os jornais até o final do mês de setembro – recuperados também em outubro. Apesar da ofensiva, ela sofreu quedas apenas na última semana antes da eleição, com expressivo avanço de Marina Silva (PV), que acreditava que uma “onda verde” poderia mudar a história do pleito. O fator apontado como decisivo para haver segundo turno foi outro.

Sem capacidade de entusiasmar o eleitor com bandeiras e propostas alternativas aos adotados pelo governo, uma campanha de boatos contra Dilma adiou a definição. Panfletos assinados por três bispos e produzidos pela Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) distribuídos em igrejas católicas e nas ruas defendiam voto anti-PT, em função do PNDH e de diretrizes aprovadas em congressos da legenda a respeito do aborto.

A discussão sobre interrupção de gravidez ganhou força com a circulação de e-mails que atribuíam frases falsas à candidata e outras posições sensíveis a setores religiosos. O cenário levou a campanha a produzir uma “Mensagem da Dilma” a esse eleitorado, com compromissos de não fazer mudanças na legislação sobre aborto.

Apesar do susto inicial do adiamento da definição para o segundo turno, a campanha de Dilma conseguiu frear a perda de votos. Além de uma central antiboatos montada para desmentir e-mails caluniosos na internet, denúncias contra Serra – envolvendo Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, e sobre um suposto aborto nos anos 1970 feito por Monica Serra, esposa do candidato – abalaram a ascensão do tucano.

Com Lula presente na campanha, participando de comícios e do programa de rádio e de TV, e temendo uma reviravolta, movimentos sociais reforçaram ações de campanha. A radicalização do discurso conservador favoreceu à retomada de organização, ajudando a garantir a vitória da primeira mulher ao cargo de presidente da República.

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