Maria Victória Benevides: censura a RdB é substituir debate democrático por ‘tapetão’

Historiadora critica judicialização da política mas vê ação do PSDB coerente com baixo nível da campanha eleitoral

São Paulo – Maria Victoria Benevides, uma das intelectuais mais respeitadas do país, não precisa de muitas palavras para definir a restrição imposta, a pedido do PSDB, à circulação da Revista do Brasil: “É censura pura e simples.”

Na última segunda-feira (18), o ministro Joelson Dias, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concedeu liminar solicitada pela coligação “O Brasil pode mais”, de José Serra, com a finalidade de impedir a distribuição da edição 52 da Revista do Brasil. A publicação mensal, fechada no dia 5 de outubro, já estava impressa e a distribuição já havia sido concluída. O TSE determinou também a supensão da distribuição do Jornal da CUT e, ainda, a não divulgação dos dois conteúdos na internet.  A atual edição da RdB traz em sua capa a foto da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, com a chamada “A vez de Dilma”.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) questiona por que o Judiciário se prestou a essa decisão e coloca em xeque a defesa que tucanos fazem da democracia e da liberdade de expressão. Benevides avalia que os tucanos trocaram o debate democrático pelo “tapetão.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

RBA – O que a senhora pensa dessa restrição à circulação da Revista do Brasil?

É censura pura e simples. Está de certa forma coerente com o nível da campanha eleitoral, a exemplo do que ocorreu com Carta Capital, que a procuradora fez levantamento sobre a publicidade de estatais e do governo na revista depois que declarou sua posição a favor de Dilma. Reflete também como o Poder Judiciário se presta a esse tipo de censura, a esse tipo de ação quando, justamente, vários membros da campanha do PSDB-DEM estão fazendo manifestos públicos reclamando por mais democracia e mais liberdade de expressão.

Essa questão da liberdade de expressão, que parece apenas uma frase de efeito, sem um raciocínio mais profundo em torno disso, tem grande penetração entre alguns setores da sociedade.

Não tem um raciocínio desenvolvido. Foi o tipo de crítica e oposição cerrada ao 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, que levantou a mesma questão sobre o suposto totalitarismo do plano, de tentar controlar a imprensa. No PNDH, nos inspiramos no que existe de mais moderno nos países democráticos, nos países europeus, que têm uma legislação muito clara a respeito dos limites da imprensa dentro da evidente premissa da democracia que exige a liberdade de imprensa.

Defendemos isso, mas defendemos também que haja um controle sobre a imprensa no que diz respeito única e exclusivamente à responsabilização por aquilo que é punível na nossa própria legislação. Eles costumam identificar isso como medidas totalitárias. É por tudo isso que é mais chocante ainda quando censuram uma publicação porque essa publicação manifestou preferência por uma candidatura. Que liberdade é essa que se deseja?

Quando uma coligação e um partido partem para a via judicial é sinal de que sentiram que se esgotou o caminho natural, que é o convencimento pela via do debate?

Claro. Mas essa procura de uma saída pelo Poder Judiciário está ocorrendo em todas as instâncias da sociedade. A judicialização da política me parece um caminho, em muitos momentos, bastante equivocado. Porque há certamente outros caminhos que não precisam chegar a uma disputa judicial que pode ser sufocante. Neste caso específico é realmente substituir o debate democrático por um tapetão.

Nessa judicialização da política, acaba sendo deixada de lado a importância do Congresso?

Não apenas o Congresso, que terá a última palavra quando se chegar ao nível de uma legislação, mas toma o lugar também da disputa livre. Nos próprios meios de comunicação, nos partidos políticos, na sociedade civil organizada, nos movimentos sociais, na universidade. O debate, sem dúvida alguma, tem de se dar na sociedade antes que chegue à via judicial.

Dilma Rousseff tem recebido um apoio bastante expressivo da intelectualidade brasileira. Por que esse projeto, a continuidade, atrai tantos intelectuais?

A intelectualidade brasileira sempre se manifestou nesses momentos de uma luta caracterizada por projetos muito diferentes. Houve um momento nessa campanha em que até espantávamos um certo silêncio, quando havia ainda candidaturas que de alguma maneira sensibilizavam uma parte do público acadêmico: Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio.

Havia também uma convicção, que foi crescendo, de que a candidata Dilma venceria no primeiro turno. Tudo indicava essa possibilidade. Como isso não ocorreu e com o aperto numérico das pesquisas de intenções de voto, essa intelectualidade, junto com artistas que sempre se manifestaram em outras ocasiões, foram tocados pela necessidade de tomada de uma posição.

É um momento delicado em que todos se sentem obrigados a tomar posição. Inclusive já há no meio intelectual um tipo de crítica a Marina e a Plínio no sentido de que tinham obrigação de dar alguma mensagem. Essa votação, gostando ou não, é plebiscitária. Há uma parte que vê que é muito mais para eliminar um do que eleger outro.

Uma outra linha dos apoios vem de funcionários públicos, inclusive os de universidades federais, sempre se manifestando a favor de Dilma. Serra tem sempre defendido a ideia de aparelhamento. A senhora discorda.

Os funcionários públicos tiveram, sob certos aspectos, ganhos reais no governo Lula. No governo FHC havia aquela proposta de enxugamento do Estado, que decorre da visão de Estado mínimo. A privatização concorreu para o enfraquecimento da burocracia do Estado e do funcionalismo em geral.

É interessante lembrar que essa crítica de que a máquina é ocupada pelo partido que vence, essa crítica de aparelhamento, isso é uma hipocrisia total. Porque essa é a norma de todos os governos, de todos os partidos. Existe inclusive uma legislação que permite uma série de concessões, como cargos de confiança.

Dois episódios têm sido muito comentados, em especial na internet, a respeito de Serra. O primeiro é a presença em repetidas missas e atos religiosos. A segunda é a bolinha de papel no Rio. Como a senhora analisa essa maneira de se apresentar à sociedade brasileira?

Acho um acinte, um escárnio. Quem conhece minimamente a trajetória e a vida pública de José Serra sabe perfeitamente que ele nunca precisou de apoio religioso para defender suas ideias. Como ministro da Saúde, ele jamais ousaria ser contra o cumprimento da lei em relação ao aborto.

E nunca se soube do seu lado igrejeiro explícito. Nem Dilma nem Serra jamais tiveram engajamento explícito em práticas de missas. Me sinto profundamente incomodada com essas cenas de exploração de Serra comungando, a esposa de Serra segurando a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Isso vale para qualquer candidato. Mesmo que tenha fé religiosa, temos claríssima separação constitucional entre igreja e Estado. A religião de cada um é de foro íntimo. Serra, que afinal de contas é culto e inteligente, entende perfeitamente isso e tem esse comportamento com objetivos clarissimamente eleitorais.

Sobre a bolinha de papel, qualquer um que veja o filme percebe claramente. É evidente que esse assunto só interessa a ele, que quer se fazer de vítima. Se houvesse uma agressão real, teria de ser rigorosamente denunciada, averiguada e punida.