Democracia brasileira tem de enfrentar monopólio da mídia, diz jurista

Gilberto Bercovici, da USP, critica investida contra a 'Revista do Brasil'. Ele avalia que PSDB defende liberdade apenas dos que os elogiam e lamenta falta de equilíbrio nas decisões do TSE

São Paulo – O professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, Gilberto Bercovici, vê exagero na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de proibir a circulação da edição 52 da Revista do Brasil. Ele critica a postura do PSDB e da mídia no período eleitoral e defende a necessidade de os governos democráticos enfrentarem a concentração dos meios de comunicação.

A edição de outubro da publicação, fechada no dia 5 de outubro, já estava impressa e a distribuição já havia sido concluída. O TSE determinou também a supensão da distribuição do Jornal da CUT e, ainda, a não divulgação dos dois conteúdos na internet. Bercovici lamenta que o Judiciário esteja a tratar de maneiras diferentes os temas relacionados ao PSDB e ao PT.

A Revista do Brasil foi proibida de circular por trazer em sua capa uma foto de Dilma Rousseff, candidata petista à Presidência da República. A coligação “O Brasil pode mais”, de José Serra (PSDB), entende que a revista é financiada por sindicatos. No entanto, a publicação mensal é um produto da Editora Gráfica Atitude Ltda., que tem endereço, CNPJ e núcleo editorial próprios. “Por mais que seja distribuída por órgãos sindicais, ela (a revista) não é do sindicato, é um órgão de imprensa, que pode e deve manifestar opinião”, lembra Bercovici.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o professor pondera que Serra é conhecido por não aceitar críticas e tentar interferir em redações e no trabalho de jornalistas. “Isso mostra que embora eles (PSDB) posem de defensores da liberdade de imprensa, não sei se são tão defensores assim. São a favor da liberdade de imprensa desde que a imprensa os elogie.”

Confira a seguir os principais trechos da conversa realizada esta semana no centro de São Paulo.

Rede Brasil AtualQual sua opinião sobre a restrição à circulação da Revista do Brasil?

Gilberto Bercovici – O fundamento da alegação é de que os sindicatos não podem atuar no financiamento de campanha eleitoral de maneira ostensiva, como obviamente a Igreja também não poderia.

Ocorre que a Revista do Brasil é um órgão de imprensa. Por mais que seja distribuída por órgãos sindicais, ela não é do sindicato, é um órgão de imprensa, que pode e deve manifestar opinião. Claro que pode declarar sua opinião, como, aliás, o Estado (de S.Paulo, jornal paulista) fez isso em editorial, como a Veja faz isso em toda capa, a Folha (de S.Paulo) e a TV Globo fazem todo dia.

Houve um exagero na decisão da Justiça Eleitoral sobre a Revista do Brasil. Lógico que há uma linha tênue, mas há exagero nessa interpretação. O que a gente acha estranho é que há tanto rigor para um lado e menos rigor para o outro. Há um certo desequilíbrio em determinados julgamentos, mas depende também de como as coisas são instruídas, como elas chegam para serem julgadas. Ou seja, não necessariamente é culpa do julgador.  Mas, obviamente, um órgão de opinião não pode ser impedido de circular. Uma coisa é o sindicato e outra coisa é a revista.

Rede Brasil AtualO candidato José Serra tem chamado alguns veículos de “blogs sujos” e órgãos a serviço do PT. Até mesmo o Valor Econômico, do Grupo Folha, foi acusado disso. Em que medida essa relação com a mídia e com as críticas por parte do candidato são normais? Isso pode ser entendido como um um sinal de como seria a relação dele com os meios de comunicação caso seja eleito?

Gilberto Bercovici – É lógico que em campanha todo mundo fica com os ânimos exaltados. Mas acho que ele não está acostumado a ser criticado. Passou quatro anos no governo de São Paulo sem que saísse uma crítica contra ele. Claro que tem seus méritos. Agora, parece que fica irritado com qualquer crítica, parece que não está acostumado a isso, o que é um problema. Numa democracia, você tem de se acostumar a ser criticado e não levar para o lado pessoal.

Aliás, é conhecido o caso de ele mandar demitir jornalista da TV Cultura, de tentar interferir em redação de jornal com aquele que eventualmente tenha criticado. Isso mostra que embora eles (membros do PSDB) posem de defensores da liberdade de imprensa, não sei se são tão defensores assim. São a favor da liberdade de imprensa desde que a imprensa os elogie. Quando a imprensa os critica, não gostam tanto assim.

Os grandes meios de comunicação costumam ter essa relação dúbia com o poder. Também não gostam de ser criticados. Qualquer crítica aos meios de comunicação é vista como uma ameaça à liberdade de imprensa. O que não é verdade. É uma retórica para assustar a opinião pública.

Rede Brasil AtualApesar do sentimento de que o cumprimento dos artigos da Constituição de 1988 aumentou, o professor Fábio Konder Comparato ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal sobre a falta de regulamentação no que diz respeito à comunicação social. É possível o Congresso mexer nisso?

Gilberto Bercovici – É um desafio o monopólio dos meios de comunicação. Os governos democráticos, mais cedo ou mais tarde, vão ter de enfrentar esse desafio. A Constituição é expressa em proibir o oligopólio e o monopólio dos meios de comunicação de massa. E nós vivemos esse monopólio.

O que se está vivendo nessa campanha particular é uma coisa escancarada. Os meios de comunicação passaram de todo e qualquer limite no partidarismo e na tentativa de ganhar de qualquer jeito, no tapetão. Criando manchetes falsas, notícias falsas. Abusaram do direito de desinformar.

Talvez isso leve a uma pressão dos setores mais organizados da sociedade civil para repensar como vai ser a relação e regulamentar esses artigos da Constituição. Não se é a favor da censura, do controle do conteúdo da comunicação. Trata-se de impedir que o direito à informação seja negado, manipulado por interesses econômicos e empresariais que são legítimos dentro da lei.

Rede Brasil Atual– O senhor se manifestou neste processo eleitoral a favor de Dilma Rousseff. Por que a opção pela continuidade?

Gilberto Bercovici – Acredito que boa parte da intelectualidade tem se manifestado a favor do presidente Lula porque é um projeto de inclusão social. Primeiro porque valoriza educação, ao contrário do governo de Fernando Henrique, em que a gente viu o desmonte do sistema público de ensino, o privilégio à criação de cursos privados sem nenhum critério. Ninguém é contra a ampliação do sistema privado, mas com critérios.

As (universidades) federais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro chegaram a não ter dinheiro para pagar as contas de água e luz. Era um nível de sucateamento extremo. Não tinha concurso para professor. Aliás, muito do que se diz sobre ampliação dos gastos com funcionalismo diz respeito aos cargos de professores de universidade pública. No governo Fernando Henrique Cardoso cortaram as bolsas de pesquisa.

Além disso, tem toda a questão de uma maior preocupação com as condições da melhoria de vida da população. Há criação de emprego, distribuição de renda. Claro que não é o ideal, e nem sei se algum dia vamos chegar ao ideal, mas houve uma tentativa de diminuir a desigualdade. E foi pela primeira vez desde que se promulgou a atual Constituição.

Além de restruturar o Estado, e não simplesmente destrui-lo, privatizá-lo, como foi no governo Fernando Henrique, em que venderam a Vale a preço de banana e até hoje não conseguiram explicar. Destruíram a Petrobras e o Banco do Brasil.

Rede Brasil AtualHá mesmo abuso na participação do presidente Lula na campanha, como alega a oposição?

Gilberto Bercovici – O presidente pode fazer campanha normalmente. Qualquer governante pode. José Serra, como governador, fez campanha para eleger Gilberto Kassab prefeito de São Paulo. Aliás, contra a decisão do partido dele, que tinha Geraldo Alckmin como candidato. Fernando Henrique fez de tudo para ajudar a fazer José Serra como sucessor. Todo governante tenta apoiar dentro dos limites que a lei permite.

Isso é legítimo. A questão é que o atual presidente é muito popular. Então, ele tem essa vantagem. Que outros também têm, como Aécio Neves em Minas Gerais. Só o que não pode é usar a máquina em termos ilícitos. Tirando isso, pode se manifestar como quiser. É uma democracia. Ou não é?