Para analistas, uso de episódio da Receita não define eleição

Avaliação de cientistas políticos é de que caso tem pouco apelo ao eleitor, que já desconsiderou problemas parecidos em pleitos anteriores

Candidatos à presidência José Serra e Dilma Rousseff (Foto: Janine Morais/Roberto Stuckert Filho/Montagem)

São Paulo – Analistas políticos ouvidos pela reportagem da Rede Brasil Atual acham pouco provável que o caso de violação de dados fiscais de pessoas ligadas ao candidato à Presidência da República José Serra (PSDB) mude de maneira significativa os rumos das eleições presidenciais. Os resultados da tentativa da oposição de trazer o tema ao debate eleitoral serão percebidos com precisão nas próximas pesquisas.

Nos últimos levantamentos eleitorais apontavam ampliação da vantagem de Dilma Rousseff (PT). Ela já aparecia com pontuação suficiente para vencer em primeiro turno. Na tentativa de reverter o cenário, além de mudar de lema de campanha – de “Brasil pode mais” para “É hora da virada” – Serra levou o caso ao horário eleitoral.

Ele declarou se sentir “indignado” pela quebra de sigilo fiscal de sua filha, que ele afirma ter sido realizado para beneficiar a candidata governista. “Minha filha é mãe de três crianças pequenas, uma mulher honrada, que trabalha muito para manter a família. Ela nunca se meteu em política, nunca teve negócios com o governo”, afirmou, ainda na quinta-feira (2).

O cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, pensa que o tema tem pouco apelo ao eleitor e é taxativo sobre o que poderia alterar drasticamente o cenário: “Um desastre. Uma catástrofe do ponto de vista de quem está na frente”. Para Dantas, para abalar o cenário eleitoral, seria preciso “ser uma coisa um tanto quanto maior do que isso” em termos de percepção do eleitor.

Apesar de considerar o episódio da quebra de sigilo de dados na Receita Federal bastante grave, ele acredita que o caso servirá, como muito, para levar a disputa ao segundo turno. Dantas acrescenta que o passado recente, do episódio dos “aloprados” pode ter levado a disputa presidencial ao segundo turno e colaborado para a vitória do tucano em São Paulo ainda na primeira rodada de votação. Mas o caso não alterou o resultado principal.

“Em 2006, tentou se debater o mensalão, de 2005, e não se conseguiu. E se tratava de desvio de dinheiro, roubo, que incomoda mais o eleitor do que essa questão de quebra de sigilo. É pouco provável que o eleitor comum vá considerar esse episódio da Receita em seu voto”, pondera.

Para Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB), apenas a prova de uma conexão direta de Dilma com o caso da Receita poderia ter algum impacto.

Sem Serrinha paz e amor

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) arquivou na quinta-feira (2) o pedido de impugnação da candidatura de Dilma Rousseff feito pela coligação de Serra. A ação atrelava à ex-ministra e ao governo o comando da operação de violação, mas o TSE entendeu não haver elementos para aferir essa conexão nem de que a candidata do PT havia se beneficiado do caso.

Nesta sexta-feira (3), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembrou que vazamentos de dados da Receita Federal ocorreram em outros períodos e que não há sistema inviolável. “A gente detecta, coíbe, pune e muda o sistema. Infelizmente, depois os contraventores conseguem achar uma maneira de furar isso. E aí nós temos que fazer um novo sistema e punir rigorosamente aqueles que o violam”, descreveu.

O PSDB, por outro lado, aposta na estratégia de colar ao PT a reincidência na questão. José Serra, ainda no horário eleitoral, aparece falando que “todos seremos Francenildos”, uma referência a Francenildo Costa, que teve o sigilo bancário violado. Há outros dois episódios no horizonte tucano. O primeiro é o caso da montagem de um dossiê nas eleições de 2006, conhecido por “aloprados”.

O outro, mais emotivo, apela para a campanha de 1989, quando Fernando Collor de Mello usou o caso de Lurian, filha de Lula com Miriam Cordeiro. Na ocasião, o candidato que se sagraria vitorioso acusava Lula de ter pedido para Miriam fazer um aborto.

“A política é o espaço do exagero”, explica Barreto. “Claro que (os casos) são coisas absolutamente diferentes”, resume. Ele aponta que Serra adotou a chamada “campanha negativa”, que é exatamente o que diz o nome: tentar desmerecer o adversário por meio de ataques para ganhar o voto dos indecisos e o daqueles que já haviam optado pelo oponente.

O analista lembra que o próprio Serra já teve êxito com esse tipo de estratégia em 2002, quando ganhou o lugar de Ciro Gomes (então no PPS, atualmente no PSB) e disputou o segundo turno contra Lula.

Parte dessa mudança de rumos é a própria troca do slogan. “Antes era a ideia do ‘pós-Lula’, um Serra propositivo, que estava na frente; podemos até chamar de um Serrinha paz e amor. Agora isso não é possível”, destaca Barreto.