Para analistas, estabilidade e opção política colocam planejamento na pauta do governo

O navio mais recente feito no país, Celso Furtado (Foto: Agência Petrobrás) São Paulo – O Brasil tem pela frente uma década em que sua capacidade de planejamento será desafiada […]

O navio mais recente feito no país, Celso Furtado (Foto: Agência Petrobrás)

São Paulo – O Brasil tem pela frente uma década em que sua capacidade de planejamento será desafiada como nunca. A necessidade de firmar-se entre as maiores economias do mundo, o pré-sal, a proximidade com o bicentenário da Independência e a organização das duas principais competições esportivas mundiais são algumas das demandas no horizonte. Segundo especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, o momento atual e opções adotadas nesta década permitem a discussão de políticas de Estado, de prazo mais longo.

Pedro Paulo Martoni Branco, diretor-executivo do Instituto Via Pública e ex-presidente da Fundação Seade, avalia que a possibilidade de planejamento foi tolhida por muito tempo no país pela imprevisibilidade econômica do país e pelo embate de forças que tinham projetos antagônicos entre si. “Na medida em que continuadamente se atalhou a história por interdições pragmáticas em função de várias circunstâncias, o país foi vivendo uma sucessão de crises que engolfaram o planejamento”, lembra.

Um exemplo da mudança foi a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), definida pelo governo Lula como um dos pilares para o desenvolvimento de uma visão de Estado. A SAE absorveu alguns dos planos elaborados pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), como o Brasil em Três Tempos. Apresentado em julho de 2004 pelo NAE, o programa estabelecia metas para três períodos do Brasil: 2004-07; 2008-15; 2016-22.

Parte desses esforços são retomados pelo Plano Brasil 2022, lançado em julho pelo atual ministro da secretaria, Samuel Pinheiro Guimarães. A intenção é pensar no país que se almeja para o ano do bicentenário, com o estabelecimento de metas amplas (clique aqui para ler mais na edição 50 da Revista do Brasil). “A extensão do papel do Estado é a grande questão que surgiu com a crise de 2008, em que ainda está o mundo imerso, resultado da aplicação extremada da ideologia neoliberal, crise que clama por uma solução”, ponderou recentemente Guimarães.

Ladislaw Dowbor, presidente do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC de São Paulo, pensa que o Brasil 2022, apenas por seu lançamento, já provoca reflexão na sociedade. “Trata-se de uma visão estratégica para o futuro que mostra uma consciência mais ampla: não se pode mais pensar nas ações para o ciclo de um governo de quatro anos”, opina.

Metas próximas

O horizonte brasileiro de médio prazo é exigente. Copa do Mundo e Olimpíada colocam prazos que, no fim das contas, são inegociáveis. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula em R$ 30 bilhões os investimentos demandados pelos dois eventos. “Há muitos investimentos que precisam ser feitos de qualquer jeito, e a Copa do Mundo vai acelerar a tomada de decisões neste sentido”, avalia Ralph Lima Terra, vice-presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em entrevista a uma publicação do Ipea. Mas um dos cuidados necessários é o de garantir que os investimentos não fiquem focados apenas nas cidades-sede, ampliando as desigualdades regionais.

Marcelo Néri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, entende que o desafio é direcionar corretamente os incentivos. “São eventos sem muito conteúdo social, mas carregados de simbologia. Podem ajudar na infraestrutura, mas acho que o principal ganho disso é um capital intangível para as cidades-sede.”

Uma tentativa anterior de descentralizar as iniciativas destinadas à infraestrutura é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, reunindo diferentes ações em energia, saneamento, transportes, urbanização e outros setores.

Uma parte das iniciativas são fruto de estudos de instituições estatais com visão de planejamento a longo prazo, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada em 2004. A companhia tem a incumbência de elaborar planos decenais que são revisados anualmente de modo a incorporar novas demandas – o plano 2011-19 está atualmente em discussão pública (lincar).

“O segundo mandato de Lula tem algumas ‘contradições boas’. Uma delas é o lado pró-gasto, que busca resgatar investimentos importantes em setores estratégicos, muitos deles há muito tempo considerados importantes para resolver gargalos”, lembra Martoni Branco.

Ciclo virtuoso

A entrada do país em um período prolongado de crescimento lança outras bases que possibilitam a continuidade das ações, a geração do chamado “ciclo virtuoso”. O ganho de força do lado “pró-gasto” gerou o aumento das políticas de distribuição de renda, o que fortaleceu o mercado interno. Com isso, alavanou-se o crescimento econômico, aumentando a renda per capita e possibilitando novas mudanças de patamar no planejamento estratégico do Estado.

Nos últimos quatro anos, as metas da área econômica, que tanto haviam incomodado os setores sociais do governo, migraram para os demais campos, como a educação e o combate à pobreza. Embora de maneira informal, os Objetivos do Milênio estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) oferecem uma baliza à área social. O Ipea, em avaliação publicada em março deste ano, lembrava que o Brasil havia atingido com antecedência a principal meta, a de reduzir à metade a pobreza registrada em 1990.

Para o instituto, o cumprimento dos níveis estabelecidos pela ONU foi um dos fundamentos para que a crise financeira internacional fosse mais branda no país que nas nações ricas. “A grande diferença entre a rapidez dessa retomada e a difícil transição observada em cenários anteriores, de contração externa até mais branda, está no papel estrutural assumido pelas políticas sociais na matriz do nosso desenvolvimento”, conclui a entidade. “As condições objetivas estão dadas. Existe um horizonte. Pode-se imaginar hoje em acabar com assentamentos precários, em urbanizar todas as favelas, por exemplo”, avalia Giorgio Romano Schutte, professor da área econômica da Universidade Federal do ABC (UFABC).

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