‘Comedor de capitalismo’, Lula festeja sucesso da oferta de ações da Petrobras

Presidente e ministros anunciam maior capitalização da história mundial, que leva empresa e Bovespa às posições de maiores do mundo

Lula, ministros e diretor da Bovespa acionam campainha que simboliza início da operação de oferta pública de ações (Foto: Ricardo Stuckert. Presidência)

São Paulo – Com música e festa, foi aberta nesta sexta-feira (24) a oferta pública de ações da Petrobras. A operação é tida como a maior capitalização da história mundial, superando com larga margem os marcos anteriores. Os quase US$ 66,9 bilhões em ofertas visam ao fortalecimento da empresa, que passa a ser a segunda maior petrolífera do mundo, com US$ 220 bilhões em valor de mercado, atrás apenas da Exxon.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante o evento, lembrou do medo com que era tratado em seu passado de sindicalista. Ele afirmou que era visto como “comedor de capitalismo”, mas que, mesmo assim, deixa o governo depois de ter participado do “do momento mais auspicioso do capitalismo mundial”.

“Há dez anos eu passava aqui na porta, as pessoas tremiam de medo. ‘Onde vai o comedor de capitalismo?’ E exatamente esse comedor de capitalismo deixa a Presidência da República depois de oito anos como o presidente que participou de forma honrosa do momento mais auspicioso do capitalismo mundial” – Luiz Inácio Lula da Silva

A operação possibilitará à Petrobras comandar a exploração da camada do pré-sal que, estima-se, tem capacidade de produção de 5 milhões de barris de petróleo. Ao mesmo tempo, a distribuição de 2 milhões de ações ordinárias e um milhão e meio de ações preferenciais transforma a Bolsa de Valores de São Paulo no segundo maior pregão do mundo, com valor superior a US$ 30,4 bilhões. De acordo com a Bovespa, desde a quinta-feira (23) o valor é 25% maior que o de três das principais bolsas mundiais: Nova York, Londres e a eletrônica Nasdaq.

A abertura simbólica do pregão da bolsa, com o tradicional toque da campainha, ocorreu numa festejada operação que contou com a presença do presidente da República, do vice, de ministros e do presidente da Petrobras, todos evidentemente entusiasmados.

“A história da economia brasileira se divide entre antes e depois deste momento”, apontou Edemir Pinto, diretor-presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros e da Bovespa

A gigantesca operação foi tratada como evidência de que o Brasil mudou de patamar. Do lado de dentro do Espaço Raimundo Mariano Filho, no centro da capital paulista, alguns dos principais executivos nacionais festejavam o momento – uns se mostravam até mesmo “neolulistas” em certos momentos. Do lado de fora, centrais sindicais e militantes partidários agitavam bandeiras aos gritos de “Lula, guerreiro, do povo brasileiro.”

A manifestação organizada pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) era de festejo, mas nem por isso deixava de ser crítica. Embora se louve o papel da Petrobras, alguns entendem que é necessário discutir parâmetros da empresa. “A Petrobras é grande, mas mesmo assim (capitalizada), não é do povo. O trabalhador não tem dinheiro para comprar ações”, reclamou o comerciante João Teixeira do Nascimento. O advogado Carlos Teixeira Nunes somou críticas: “A empresa só é uma das maiores do mundo porque vende barato para o exterior e inflaciona os preços internos”.

Davos ou Fórum Social?

“A Petrobras é grande, mas mesmo assim (capitalizada), não é do povo. O trabalhador não tem dinheiro para comprar ações” – João Teixeira do Nascimento

Uma festa que, caso se tenha de resumir em poucas linhas, simbolizava dois universos que, apesar de contrastantes, convergem ao apoiar Lula. Dentro da Bovespa, um cenário compatível com o Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos, cidade suíça onde se reúnem os maiores acionistas do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Do lado de fora, um clima de mini-Fórum Social Mundial, evento que representa um paralelo a Davos, para contrapor ideias ao capitalismo. No centro de São Paulo, Davos e Fórum Social tiveram um raro momento de encontro.

Como aconteceu mais de uma vez, Lula foi festejado dos dois lados: entre os ricos e entre os militantes. Como em outras vezes, o presidente mostrou que não esqueceu de seu passado – e do que diziam dele. “Há dez anos eu passava aqui na porta, as pessoas tremiam de medo. ‘Onde vai o comedor de capitalismo?’ E exatamente esse comedor de capitalismo deixa a Presidência da República depois de oito anos como o presidente que participou de forma honrosa do momento mais auspicioso do capitalismo mundial”, afirmou o presidente, que vestia um colete da Petrobras.

A sessão na Bovespa teve vários aplausos entusiasmados e até ufanistas. Quando se soube que a bolsa atingiu patamar inédito, no momento em que se anunciou o sucesso da operação e no acionamento da campainha. O ato, aliás, ocorreu sob a música “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso.

Apesar da seriedade do momento histórico, o evento foi marcado por otimismo e brincadeiras. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ironizou um dos bordões de Lula – o “nunca antes na história” –, ao comentar a maior capitalização de empresa do mundo. O ministro garantiu que a Petrobras tem agora um caixa de US$ 25 bilhões e que vai utilizar o arrecadado com a oferta pública de ações em novos investimentos, tendo condições de garantir seu plano de injetar US$ 224 bilhões até 2014.

A participação da União na petrolífera passou de 40% para 48% das ações. “Isso mostra que não há risco de doença holandesa. Está afastada a possibilidade de maldição do petróleo. Melhor seria falar em bênção do petróleo”, celebrou

“A história da economia brasileira se divide entre antes e depois deste momento”, apontou Edemir Pinto, diretor-presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros e da Bovespa. Ele considera que o atual momento é fruto do respeito adotado pelo governo à estabilidade econômica e nominou Lula como “um dos principais parceiros da revolução” que se fez no setor financeiro.

Mais de 150 companhias abriram participação na bolsa desde 2004 e a expectativa é de que a operação da Petrobras impulsione a abertura de capital de diversas empresas do setor petrolífero interessadas em participar da exploração do pré-sal.

“O Brasil dá um exemplo de como devem ser tratados os negócios do país. (…) Temos que respeitar determinadas ações do Estado. Porque o Estado é responsável pela existência desta companhia que se equipara hoje às maiores companhias de petróleo do mundo”, acrescentou o vice-presidente, José Alencar.

O presidente também lembrou diversas vezes o papel do Estado. Sem citar diretamente nomes ou partidos, Lula atacou o modelo de Brasil que vinha sendo construído antes de seu governo. “Ao contrário do passado, não estamos aqui para debilitar o Estado ou alienar patrimônio público. Um Estado fraco nunca foi sinônimo de uma iniciativa privada forte.”

Após o acionamento da campainha, o presidente deixou o prédio da Bovespa e, do lado de fora, foi festejado pela militância. “Importante é a Petrobras ser do povo. Vim aqui para ver o Lula”, afirmou a funcionária pública Ilca Carlos Nogueira. Até mesmo José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, foi aplaudido na manifestação.