Analista vê resultados tendenciosos nas pesquisas eleitorais

Especialista sustenta que, assim como os veículos da mídia, o viés é facilmente percebido. Célia Retz defende que os levantamentos de intenção de voto são retratos de momento, mas erros muito grandes podem comprometer credibilidade

São Paulo – Para a socióloga Célia Retz, os resultados de intenção de votos divulgados por institutos de pesquisa sugerem viés ideológico. Ela compara a percepção dessa tendência de favorecer um ou outro candidato ao que acontece em jornais e veículos de imprensa que se dizem isentos, mas têm posição. Diferenças na seleção de amostras e na confecção do questionário podem favorecer um ou outro candidato.

Em abril e em julho, divergências entre dados do Vox Populi e do Datafolha deram origem a bate-bocas por meio da imprensa entre os diretores de institutos de pesquisa. Além disso, o Movimento dos Sem Mídia, uma ONG de São Paulo, teve uma representação acolhida pelo Ministério Público, que pediu investigação da Polícia Federal sobre os levantamentos eleitorais. Na semana passada, o candidato à Presidência, Levy Fidelix (PRTB) ganhou na Justiça eleitoral o direito de obter os questionários de pesquisas dos institutos.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, a professora da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp) defende que as pesquisas são o único instrumento para se obter uma foto de um determinado momento. Além disso, ela descarta um peso excessivo dos resultados das pesquisas sobre a opção do eleitor. “Vários outros fatores vêm antes”, calcula.

Embora não explicite quais instituos estariam mostrando viés em seus resultados, Célia Retz alerta que há benefícios indiretos para os candidatos mais bem posicionados. “Os levantamentos têm muito mais poder para amparar os partidos em alianças e na busca de recursos para campanha. Pode ainda ajudar a mobilizar ou desmobilizar a militância de um partido”, sustenta.

Confira os principais trechos da entrevista:

Rede Brasil Atual – As pesquisas eleitorias têm apresentado variações grandes entre institutos diferentes. Isso pode comprometer a credibilidade das empresas?

Célia Retz – A única pesquisa censitária que pode comprovar o resultado é a eleição. Mesmo numa pesquisa sobre o produto, não há como confirmar os dados, mas a votação sim. Um instituto não pode errar muito, se favorecer um candidato, será um ex-instituto. Faltando seis meses para a eleição, a ideologia pode até contribuir para algum candidato. Assim como jornalismo não é isento, o instituto também não. Quando é pago por um candidato, a empresa pode fazer o levantamento favorável, pode fazer um questionário que conduza para um lado ou outro. Para minimizar esses problemas é que o Tribunal Superior Eleitoral exige que seja informado quem paga pela conta. Assim, a pesquisa é divulgada por interesse de quem encomendou.

 

Como a senhora vê o “bate-boca” entre diretores de institutos de pesquisa na mídia?

As diferenças levam o debate para a imprensa. Assim, pessoas que entendem de amostragem e metodologia podem, então, esclarecer o eleitor. Uma empresa brigando com a outra permite isso de modo ainda melhor, porque cria um corpo teórico na mídia que dá um entendimento melhor também para o eleitor. Cabe a quem acompanha avaliar se acredita ou não nos dados. É simples perceber a tendência do instituto, como se percebe no caso de um jornal.

Pesquisa faz o eleitor mudar o voto?

As pesquisas não influenciam tanto o eleitor, vários outros fatores vêm antes. A própria campanha, a família que indica, o patrão e outros aspectos têm uma ponderação muito maior. Principalmente na população menos escolarizada, as pessoas não acreditam em pesquisa, porque não sabem como é feita, porque dizem que ninguém nunca lhes entrevistou etc. Os levantamentos têm muito mais poder para amparar os partidos em alianças e na busca de recursos para campanha. Pode ainda ajudar a mobilizar ou desmobilizar a militância de um partido. De forma indireta é que se dá o impacto maior.

O tratamento dado pela imprensa aos dados das pesquisas é adequado?

A margem de erro e a confiabilidade de pesquisas são obtidas por meio de cálculos que envolvem o número de entrevistados em relação ao universo da população e outros fatores. Enquanto a margem de erro indica o quanto de variação pode ocorrer, a confiabilidade aponta o cumprimento da metodologia proposta. Normalmente, o índice de confiabilidade é superior a 90%, o que significa, por exemplo, que a cada 100 estudos realizados da mesma forma e no mesmo período, 90 dariam o mesmo resultado.

Nem sempre. É comum divulgar a confiabilidade e os erros estimados, que pouca gente sabe o que significam. Mas na hora de montar um gráfico, alguns jornais retiram os indecisos e recalculam os percentuais. Isso muda completamente a margem de erro. Com isso, reduz-se a base da amostra, é cálculo de porcentagem sobre porcentagem, o que aumentaria a margem de erro. Nas divisões por estados, ocorre o mesmo, mas a margem de erro maior não é informada.

Há uma disputa de mercado colocada entre Vox Populi e Datafolha?

O Vox Populi pega mais a região central do país, enquanto o Datafolha está mais concentrado em São Paulo. Eles têm de defender suas metodologias, porque é aquilo que eles empregam. É difícil dizer qual está certo, mas a gente pode pegar os resultados e analisar, discutir questionários…

Uma das críticas do Vox Populi ao Datafolha é de que seriam entrevistados apenas eleitores com telefone, para poder se fazer a checagem. O Datafolha nega. Existe alguma restrição nesse sentido?

Ao fazer a pesquisa, é normal perguntar um número de telefone e um endereço para se fazer a reentrevista. Mas na hora dessa verificação, é comum que se priorizem os questionários com problemas. Por exemplo, se há uma questão mal respondida ou com contradições entre perguntas, esses formulários são priorizados na checagem, para já se completar as informações. O ideal seria que, no caso das pessoas sem telefone, um supervisor fosse até o endereço do entrevistado. Mas isso é mesmo difícil em uma pesquisa nacional. Os entrevistadores sabem disso, por isso, se tiverem de burlar alguma coisa ou completar respostas, alterar o gênero ou a escolaridade, ele vai preferir fazer isso no questionário de alguém que não tenha telefone. Além disso, boa parte dos institutos usam sistemas eletrônicos para registrar as respostas e, depois de enviar os dados, o pesquisador não pode corrigir, ainda que perceba ter cometido algum erro. Nem sempre se treina adequadamente o pessoal para entender a importância de se garantir as cotas de homens e mulheres, de faixas de renda e de estudo. A reentrevista é um dos procedimentos para evitar esse viés do pesquisador.

Diferenças metodológicas explicam a diferença de resultados?

Fazer uma representação fidedigna da amostragem é o grande desafio da pesquisa de opinião. Não é como açúcar no café, em que se mistura e, depois de provar, dá para saber se está doce. A seleção da amostra é uma coisa importante. Muitos institutos fazem ponderação, entrevistam eleitores em cidades pequenas e ponderam com um valor menor para dar pesos diferentes aos tamanhos das cidades. Outros institutos fazem entrevistas em vários municípios. Isso pode fazer diferença. Ao ouvir 3 mil pessoas no Brasil, é preciso escolher cidades pequenas e médias, para representar a quantidade total. Cada instituto tem um método. Como são poucas amostras em cada lugar, pode haver variações. Ao fazer entrevistas na rua, por exemplo, para fazer recortes de renda, um cartão é apresentado para que a pessoa situe em que faixa está. Mas uma pessoa que ganha até dois salários mínimos e trabalha no centro de uma cidade média é diferente de outra com o mesmo rendimento que trabalhe em uma área periférica. Muda a escolaridade e outros aspectos.

Que outros fatores explicariam as diferenças?

Há ainda a temporalidade da pesquisa, porque variáveis chamadas de independentes são incontroláveis e podem deturpar a visão dos eleitores. Nas eleições, uma quantidade grande de indecisos vai se definindo. Quanto mais perto do dia, mais borbulha o clima eleitoral, mais fatores influenciam. Em uma semana em que ocorrem enchentes, a avaliação do prefeito da cidade piora. Em um momento de férias escolares, por ter menos gente nas ruas, menos trânsito, há aprovação maior.

Os questionários podem influenciar?

Sim. As perguntas podem ser contaminadas pelas anteriores. Fizemos estudos para mostrar isso. Ao questionar sobre aborto, por exemplo, depois de fazer perguntas sobre religião, as posições contrárias aumentam, provavelmente porque essa estrutura leva a pessoa a lembrar que a religião impede a prática. Então, dependendo da ordem, isso pode mudar os resultados.

Seria desejável que houvesse uma uniformidade nas metodologias?

Seria complicado se todos os institutos usassem a mesma metodologia, por causa da situação diferente em cada lugar do país. A pesquisa ainda é o único instrumento para se avaliar um determinado cenário político. O que temos de lembrar é que é uma fotografia do momento e não o que vai acontecer nas eleições. Antes, só o Ibope tinha esse know-how, era quase um monopólio. Quanto mais institutos de qualidade, melhor.