EBC realiza primeira audiência pública

Debate reuniu cerca de 150 pessoas e colheu sugestões e críticas à construção de um novo modelo de comunicação social no Brasil

Rio de Janeiro – Criada há dois anos e meio pelo governo federal e considerada a principal iniciativa da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para desenvolver um novo paradigma de comunicação social no país, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou sua primeira audiência pública este ano, na última terça-feira (1º).

Prevista na lei que criou a EBC, a audiência foi convocada pelo Conselho Curador da empresa e aconteceu no histórico auditório da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. O debate reuniu cerca de 150 pessoas, representando diversos setores da sociedade.

O objetivo – colher sugestões, contribuições e críticas à TV Brasil e às rádios da empresa – foi alcançado, com as diversas intervenções realizadas por oradores indicados pelo Conselho Curador e sorteados durante a audiência.

Com a presença dos ministros Juca Ferreira (Cultura), Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) e Franklin Martins (Secretaria de Comunicação), a audiência pública foi dividida em duas partes, uma dedicada exclusivamente à discussão sobre a TV Brasil e outra sobre as rádios Nacional e MEC.

A presidente da EBC, a jornalista Tereza Cruvinel, fez um balanço do que foi realizado até aqui nos veículos e apresentou planos de ação para 2010.

Durante o debate, além das críticas e sugestões sobre a programação, foram abordados temas como a busca por um maior público, a regionalização da produção, o formato do jornalismo e as possibilidades de interatividade com os espectadores.

Vários foram os pedidos levados à direção da EBC, que prometeu estudar e responder a todos. Entre os pedidos, um sinal de transmissão mais forte, o aumento das produções independentes, a contratação de mais correspondentes no exterior, o aproveitamento do horário ocioso (durante a madrugada), a criação de mais programas musicais, a realização de parcerias com outras emissoras da América Latina e o estabelecimento de regras para os programas religiosos.

Também foi pedido o fortalecimento de nichos da programação voltados a públicos específicos como crianças, jovens, idosos, negros, indígenas e membros das Forças Armadas, entre outros.

Álvaro Neiva, representando o Coletivo Intervozes, criticou os programas religiosos difundidos pela EBC: “A TV Brasil tem três programas religiosos, dois evangélicos e um católico. Acho que isso é bastante ‘complicado’ e o Conselho Curador tem que enfrentar essa questão o mais brevemente possível. A gente vive em um estado laico e a tevê pública tem que se posicionar corretamente quanto a isso”, disse.

Uma alternativa, segundo Neiva, seria a criação de “um programa informativo, educativo e cultural que dê espaço para todas as religiões e mostre o sincretismo religioso do Brasil”.

Presidente do Conselho Curador da EBC, Ima Vieira afirmou que a questão dos programas religiosos será tratada de forma pública em breve: “Tivemos uma longa e muito interessante discussão sobre o conteúdo religioso, e a Câmara Temática de Meio Ambiente, Ciência, Educação e Cidadania da EBC produziu um documento que será aperfeiçoado a partir das discussões de hoje e tornado público para que a gente possa ter mais manifestações sobre o conteúdo religioso da TV Brasil e das rádios”, disse.

Novos formatos

Editora da Revista Movimento, publicada pela UNE, Renata Miéle afirmou que “a comunicação brasileira não pode estar baseada em um modelo exclusivamente comercial” e citou o que considera como principais desafios da EBC: “a constituição da rede, o financiamento e a recuperação das instalações e da infraestrutura. O maior desafio é a busca por uma programação diversificada e plural, que deve fugir das fórmulas prontas das tevês comerciais e dar voz aos que não têm voz”.

Renata, assim como outros oradores, também pediu que a TV Brasil lute por uma maior audiência: “Muitos dizem que a tevê pública não deve estar pautada pela busca de audiência. Mas, não queremos falar pra nós mesmos e sim disputar a opinião e pautar a sociedade brasileira. Para isso, temos que construir uma programação que consiga atrair as pessoas. Temos que testar novos formatos”, disse.

A representante da UNE criticou especificamente o jornalismo da TV Brasil: “A maior debilidade da programação da TV Brasil está no jornalismo. Aí, eu acho que a gente ainda não conseguiu encontrar um caminho para construir um jornalismo alternativo ao que é praticado pelas emissoras comerciais. O Repórter Brasil não apresenta essa alternativa e ainda é pautado pelo que é feito nos outros telejornais. É mais do mesmo, não só na programação, mas até no tratamento das pautas”.

Tereza Cruvinel saiu em defesa do jornalismo da emissora: “É verdade que o nosso jornalismo precisa buscar novas fórmulas, mas não é fácil. A gente tem tentado. Agora, não dá para dizer que ele é igualzinho ao das outras emissoras, não. Nenhum outro telejornal tem o ‘Outro Olhar’, tem uma ‘Pergunta do Dia Educativa’, um ‘Repórter Brasil Explica’, que são quadros muito próprios da tevê pública. Não é muito fácil inventar”, disse a presidente da EBC, que anunciou uma novidade: “Vamos criar a Central de Pautas do Cidadão”.

Interior e exterior

A importância da regionalização da programação e da criação de redes em todo o Brasil foi mencionada por Roger de Renor, o Rogê, presidente da TV Pernambuco: “A tevê que estou dirigindo fala para 120 municípios do interior. Temos que pensar urgentemente em um novo marco regulatório para as tevês dos estados. É difícil a gente tentar colocar a programação nacional e pretender ser uma rede quando uma tevê no Acre é fundação, quando outra tevê em Pernambuco é uma autarquia, etc. Isso dificulta muito”.

Cruvinel concordou com a observação: “Se não houver o marco regulatório das tevês estaduais, não teremos rede. Se as emissoras estaduais não tiverem o mesmo marco regulatório da EBC, não vai dar certo”, disse. Sobre a expansão internacional da empresa, objeto de diversos pedidos durante a audiência pública, a presidente da EBC afirmou estar fazendo o que é possível: “O Canal Internacional da TV Brasil foi lançado na semana passada em 49 países da África e chegará brevemente ao Japão. Agora, correspondente no Japão, só quando pudermos”.

Em relação às produções, foi pedido na audiência pública tanto o aumento de parcerias com produtoras independentes quanto o incremento da produção própria da empresa pública: “É importante não tirar a possibilidade de o trabalhador fazer seu trabalho dentro da EBC. É preciso também ver se tanto as produtoras independentes quanto as pessoas contratadas estão respeitando a lei que regulamenta a profissão de radialista”, disse Miguel Valter Costa, presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro.

Representando a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e o Núcleo de Jornalistas Afrobrasileiros, Sandra Martins da Silva pediu atenção especial aos grupos historicamente discriminados.

“Todos merecem respeito no trato da informação pelos veículos de comunicação social. É preciso desenvolver uma programação especial voltada ao público infanto-juvenil, especialmente os grupos negro e indígena, que não se vêem retratados de uma forma positiva pelas televisões. Poucas produções trabalham com essa perspectiva. Temos que aprender a lidar com nossas diferenças de gênero e etnia”, disse Sandra. Ela também propôs a criação de uma política de igualdade racial na EBC: “Quantos profissionais da empresa são negros? Há um único negro no Conselho Curador da EBC”.

Cláudia Alvarez, representante da Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pediu mais atenção aos idosos: “Não há na grade nada falando sobre o idoso. A TV Brasil deve nos dar a possibilidade de criar um programa para a terceira idade, com finalidade educativa, informativa, artística e cultural”, disse.

Numa reclamação repetida por quase todos os presentes, a professora e escritora Eliane Pimenta estranhou a não renovação do programa ABZ do Ziraldo: “O ABZ do Ziraldo é um programa único, que coloca a criança em contato direto com o livro”, disse.

Rádio

Ao final da primeira etapa da audiência, todos felicitavam a sua realização, caso do cineasta Osvaldo Feliciano Mota: “Esse processo é salutar. É importante a gente conversar aqui. A TV Brasil tem que ser cada ver mais forte e mais vigorosa”, disse Mota, que pediu “um sinal tão poderoso quanto o da TV Globo, por exemplo”.

Durante a audiência, Tereza Cruvinel desabafou: “É muito difícil fazer televisão em uma empresa pública sob o jugo da Lei de Licitações. Não estou me lastimando. Estamos aqui para fazer, mas estamos fazendo as coisas sobre os escombros. Se fosse fácil, alguém teria feito antes de nós, antes dessa primeira e desbravadora diretoria”, disse.

Na segunda parte da audiência pública, voltada às rádios do sistema EBC, o diretor da empresa Orlando Guilhon comandou uma exposição sobre a presença e estrutura das rádios Nacional e MEC na Região Sudeste, em Brasília e na Amazônia.

Tereza Cruvinel lembrou que, assim como no caso da TV Brasil, as rádios que formaram a atual rede pré-existiam: “Elas tinham naturezas muito diferentes e eram administradas por entes muito diferentes. Parte era administrada em Brasília e outra no Rio. Essas emissoras também foram sucateadas, passaram anos sem receber investimentos, e isso se refletiu naturalmente não só na qualidade de transmissão de seu sinal como também na própria programação”.

Segundo a presidente da EBC, no entanto, a criação da empresa mudou esse rumo: “Constituída a EBC, nós criamos a Superintendência de Rádios para administrar o conjunto das emissoras e fizemos, apenas no ano passado, investimentos que elas não tiveram nos últimos 30 anos, para que elas voltem a ter capacidade competitiva”, disse. Cruvinel também prometeu a criação de uma rede nacional de rádios: “Essa é nossa prioridade depois de feita a rede de televisão”.

Diretoria

Também na terça-feira, o Conselho Curador da EBC deu posse a seus dois novos membros, que ocuparam vagas destinadas à sociedade civil. Nomeados por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalista Mário Augusto Jakobskind e o engenheiro elétrico Takashi Tome assumiram as vagas que pertenciam à Rosa Magalhães e a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

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