Com vice empresário, Marina quer ser terceira via

Discurso teve elogios a Lula e a FHC e confirmou Guilherme Leal, dono da Natura, como parceiro de chapa do PV. Senadora rechaça acusação de estar fazendo 'jogo de Serra' na campanha

Marina reconheceu avanços dos últimos 16 anos, mas tenta se diferenciar com busca de desenvolvimento sustentável e críticas a rumos do PT (Foto: Divulgação/Flickr)

Rio de Janeiro – Em uma festa com centenas de militantes em uma casa de shows em Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense, o PV lançou no domingo (16) a pré-candidatura da senadora Marina Silva (AC) à Presidência da República. O nome do empresário Guilherme Leal, dono da Natura, foi confirmado como vice na chapa verde. Prestigiada por artistas, empresários e lideranças nacionais da legenda, Marina demonstrou em discurso a estratégia de sua campanha, que consiste em reconhecer o “círculo virtuoso que o país vive nos últimos 16 anos” sob os comandos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, mas também se colocar como uma terceira via “para além do desenvolvimentismo clássico ao qual o PT e o PSDB estão atados”.

“Minha candidatura representa um jeito novo de governar e a busca por um desenvolvimento sustentável que não seja baseado apenas na sustentação econômica, mas também na sustentação ambiental, social, cultural, política e ética. Propomos uma gestão pública comprometida com a transparência, a competência e o uso correto dos recursos públicos. Queremos uma nova sociedade e pós-modernidade”, disse Marina. Ela também qualificou seu projeto pela busca da “economia de baixo carbono”.

Houve um momento em que Marina, dirigindo-se às filhas presentes na platéia, chegou a embargar a voz. “Não é verdade quando as pessoas dizem que a Marina está fazendo o jogo do Serra ou de não sei quem. Eu tenho muito respeito, e até mesmo carinho, pelo Serra e pela Dilma, mas não estamos fazendo o jogo de ninguém. Estamos fazendo o jogo que o Brasil e o mundo têm que fazer”, disse.

A candidata do PV citou de passagem alguns pontos de seu programa de governo, ainda em fase de detalhamento, em áreas como transportes, saneamento básico e segurança pública, entre outros. “É preciso reinventar a maneira de fazer política e criar um novo tipo de liderança”, defendeu. Marina afirmou também que desenvolvimento sustentável não se aplica somente às florestas. “A sustentabilidade na zona urbana é não ter 60% das ruas sem pavimentação adequada, sem ciclovias, sem leis para que as pessoas tenham melhor mobilidade. É a gente não ter as ocupações de terreno que fazem que, quando chove e tem deslizamento, as pessoas venham a morrer”.

Marina, que citou por mais de uma vez sua “militância de muitos anos no PT e na CUT”, elogiou os programas sociais desenvolvidos durante o governo Lula, como o Bolsa-Família. “Os programas sociais vêm passando por uma evolução. O velho sacolão ou cesta-básica era uma esmola que, como diz aquela música do Luiz Gonzaga, matava de vergonha e destruía o cidadão. Colocavam numa mesma cesta leite, fubá, óleo, açúcar, sal e um feijão que não cozinhava nunca. Isso era levado para as pessoas em todas as regiões do país, sem olhar a culinária de cada região e os gostos e paladares diferentes dos brasileiros. Era uma politicagem eleitoral da pior qualidade”, criticou.

Ela qualificou de “programa social de segunda geração” a inovação estabelecida na gestão Lula com transferência direta de renda que, em sua visão, não é assistencialismo por exigir contrapartidas da população atendida. Para receber Bolsa-Família, é necessário que as crianças em idade escolar estejam matriculadas, além de exames pré-natal para mulheres grávidas e outros atendimentos de saúde. “São contrapartidas simples, mas muito importantes”, acrescentou a pré-candidata do PV.

Marina elogiou o fato de os programas sociais de transferência de renda movimentarem a economia local. “Eu vi muitas comunidades agrícolas que foram aquecidas com o Bolsa-Família. Durante a crise, foi graças a essa renda nas mãos das pessoas que no Nordeste brasileiro nós tivemos uma grande fronte para ajudar a debelar a crise. Eu estou dizendo isso por uma questão de justiça”, reconheceu.

Ciro, polarização e FHC

Lula e o PT, no entanto, não mereceram somente elogios de Marina Silva, que se mostrou particularmente indignada com a saída de Ciro Gomes (PSB) da corrida eleitoral. “É muito fácil falar de valores como democracia e, quando for confrontado com ela na primeira oportunidade, a gente dar uma rasteira na democracia totalmente incoerente, como foi feito com Ciro Gomes, que teve sua candidatura interditada”, lamentou.

“Nosso desafio é fazer uma campanha que não ache que, para ganhar voto, vale tudo, sem se preocupar se estou sendo justa com a Dilma (Rousseff), o (José) Serra ou o Plínio (de Arruda Sampaio)”, prometeu.

A candidata do PV também reclamou do que considera “uma polarização forçada” da campanha eleitoral, com acusações a “quem ‘divide’ o Brasil”, em referência a críticas feitas à pré-candidata petista, e a “quem ‘entrega’ o Brasil”, em alusão a Serra. “As necessidades do planeta são maiores que nossos passados e currículos. É com essa nova visão que nós estamos aqui chamando as pessoas para discutir”, sustentou.

Minutos após elogiar Lula, Marina fez o mesmo com Fernando Henrique. “Só foi possível termos incluído 25 milhões de pessoas que estavam abaixo da linha de pobreza em função do círculo virtuoso que temos nos últimos 16 anos, desde o Plano Real. Com estabilidade econômica, com o controle da inflação, com o superávit primário e o câmbio flutuante, nós conseguimos uma base para fazermos os investimentos que estamos fazendo hoje, ainda que insuficientes. Dei o crédito ao presidente Lula e agora vou dar ao presidente Fernando Henrique que foi capaz de, não sendo economista, fazer o Plano Real”, explicou-se.

“Jogo do Serra”

A candidata lembrou o passado político recente para justificar sua opção política de ter deixado o PT. “O pessoal da esquerda dizia que o Lula estava fazendo o jogo do Golbery (ao se negar a votar no Colégio Eleitoral), mas o Lula estava fazendo o jogo da democracia, de um partido popular e com outra característica. Mas, infelizmente esse partido perdeu sua capacidade de se conectar com as utopias do século XXI. Eu estou fazendo, no presente, o jogo que o futuro precisa”.

Em outro momento, Marina criticou aqueles que apontam como falha política suas opções religiosas: “Eu sou uma mulher de fé. A mesma fé que alguns usam para deturpar quem eu sou, querendo me passar como uma pessoa fundamentalista e intolerante, coisa que minha vida testemunha que eu jamais fui”, disse a candidata, que é evangélica.