Lula afirma que conquistas das trabalhadoras não foram “bondade empresarial”

Presidente afirma que homens têm medo de perder espaço e alerta que licença-maternidade de 180 dias deve ser acompanhada por mecanismos que evitem obstáculos à contratação de mulheres

São Bernardo do Campo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira (25) que os direitos das mulheres trabalhadoras não são fruto de “bondade empresarial”. Discursando “em casa”, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o presidente relembrou que na década de 1970, quando esteve à frente da entidade, a relação de homens e mulheres era muito autoritária.

O discurso voltado à questão de gênero foi realizado durante a abertura do 2º Congresso da Mulher Metalúrgica do ABC – a primeira edição ocorreu há 32 anos, justamente quando Lula era o presidente do então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Ele não perdeu a oportunidade de “dar um puxão de orelhas” naqueles que comandaram a entidade ao longo das últimas três décadas por não terem dado sequência à discussão.

O atual presidente, Sérgio Nobre, arriscou uma explicação para o intervalo entre a organização dos debates. “Em 1978, e até 1985, o foco era derrubar a ditadura. Depois disso veio a era do neoliberalismo, e nós precisávamos lutar para manter nossos trabalhadores nas fábricas. Foi só no seu governo, presidente, com distribuição de renda, que pudemos pautar outras discussões”, afirmou.

Lula não ficou satisfeito. À vontade por discursar na sala onde iniciou sua carreira política, o presidente lançou outra hipótese. “Porque se tivessem feito os congressos de 1980, 82, 84, até agora, quem sabe só tivesse mulher na presidência desse sindicato. Na verdade, o que está por trás disso é medo de perder lugar para as mulheres. Não é o meu caso. Antes de perder, já indiquei logo”, brincou, referindo-se à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A pré-candidata do PT à Presidência da República também foi alvo das brincadeiras do presidente, que afirmou que “a Dilma tá falando mais que a mulher da cobra.” Discursando antes de Lula, a ministra focou nos pontos de encontro entre a derrubada da ditadura, durante a qual foi militante de esquerda, e as conquistas das mulheres no campo sindical.

Dilma Rousseff fez questão de lembrar o papel histórico do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e citou dona Lindu, mãe do presidente, ao lembrar o ensinamento de que apenas com teimosia é que se conseguem as coisas.

Mesmo sem referências abertas à campanha, a candidata pontuou as vantagens de uma mulher no comando. “Nós sabemos que os gestos de discriminação e preconceito não acabam assim. (…)  A mulher é capaz, sim, de tomar decisões (…) Por que? Porque as mulheres são sensíveis. Porque elas têm de entender sua família, e isso é uma qualidade. A mulher, se você for olhar, ela é muito objetiva. Porque, se não for muito objetiva, se ficar fazendo muita confusão, ela não consegue dar conta dos filhos nem do trabalho”, afirmou.

Durante o evento, foi anunciado que a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ser anunciada na semana que vem, vai incluir creches no plano de obras. Além disso, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC lançou a campanha para que, em três meses, todas as empresas incluídas em sua base tenham aderido à licença-maternidade de 180 dias. 

Lula manifestou apoio à luta pela ampliação dos direitos das trabalhadoras, mas alertou que é preciso criar mecanismos para garantir que isso não sirva como pretexto para que empresários deixem de contratar mulheres.

O presidente contou que, quando chegou ao sindicato, muitas mulheres eram desencorajadas a ir ao banheiro para que não perdessem tempo de trabalho, e chegavam a urinar nas próprias roupas, temendo a perda do emprego. E que as empresas evitavam contratar trabalhadoras casadas, por considerar a gravidez um verdadeiro problema.

Novamente ressaltando a importância da vida sindical, Lula pontuou que sua esposa, Marisa Letícia, começou a romper com atitudes machistas graças às discussões geradas em sua época de líder dos metalúrgicos. “Um dia eu cheguei em casa às dez horas da noite e pedi a comida. Ela falou: ‘está lá no fogão, é só pegar’. Aí descobri que o mundo estava mudando”, confessou. Baseado nisso, Lula reforçou que, se a negociação não começar dentro de casa, as mulheres não terão espaço.

O presidente considera que as discussões realizadas no Congresso das Mulheres Metalúrgicas podem mudar a vida das trabalhadoras e pede que todas as propostas sejam encaminhadas a Brasília para que se transformem em projetos e, se possível, em leis. “Às vezes, a gente manda para o Congresso um projeto que parece um pônei, um cavalinho bonito. E quando sai de lá é um camelo, todo deformado, e aí prejudica as pessoas”, alfinetou.

Lulamaníacos

O evento em São Bernardo do Campo foi um daqueles no estilo “todos os olhos no presidente”. No geral, quando Lula está “em casa”, ou seja, na presença de sindicalistas ou movimentos sociais, a segurança fica mais frouxa, os protocolos são quebrados, o discurso flui no improviso e dá espaço a brincadeiras.

No Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula encontra alguns dos representantes da enorme fatia da população que aprova seu governo, e a admiração e a amizade de antigos companheiros fazem com que ele seja o centro das atenções durante absolutamente todo o tempo.

Obviamente, um presidente jamais passa desapercebido, mas nada se compara a um evento deste gênero, em que Lula fala de um “governo que trabalha del pueblo para el pueblo” ou que brinca com o colega que era carregado para casa “cheio de cachaça”.

Para que se tenha uma ideia, entre a chegada de Lula e o começo do evento, foram mais de dez minutos de insistência dos organizadores para que as pessoas sentassem. Logo depois da exibição de um filme sobre as conquistas das metalúrgicas, a formação da mesa de convidados levou novamente para a frente do palco alguns grupos ávidos por uma foto, um beijo, alguma lembrança com o presidente.

Uma senhora pequenina, de menos de um metro e meio, vestido colorido, chinelo de dedo, ganhou aplausos ao arrancar um beijo do presidente. Daí para a frente, foram outros e outros. Uma outra senhora saiu dançando depois do feito. Enquanto isso, discurso comendo solto: as palavras do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e da ministra da Secretaria Especial das Mulheres, Nilcéa Freire, não conseguiam roubar a atenção dos “lulamaníacos”. 

O repórter de um programa humorístico tentava, do mezanino, a muitos metros do palco, um aceno do presidente – um “jóia” com o polegar bastava para sua reportagem, aparentemente. Lula, em meio a um dia cheio, que ainda teria um jantar e uma viagem ao Nordeste, usava lenço atrás de lenço para enxugar o suor provocado pelo lugar abarrotado.

Os discursantes, por assim dizer, chamavam a atenção e recebiam aplausos apenas quando falavam das conquistas do governo do protagonista. E o eterno “Olê, olê, olá, Lulá, Lulá” era entoado diversas vezes, agora dividindo espaço com o “Olê, olê, olá, Dilmá, Dilmá”. Como era de se esperar, a ministra-chefe ganha aos poucos o carinho dos admiradores de Lula. Mas não há dúvidas sobre quem é o dono da festa.