Lula promete mutirão para destinar prédios da União a moradores de rua

Em clima de fim de mandato e com muitas quebras protocolares, o presidente anunciou a criação da política nacional para população em situação de rua, com atendimento de demandas do movimento social. Em entrevista exclusiva, ele comemora geração de empregos e avisa sindicalistas: 'tô voltando'

Lula descata conquistas durante encontro em São Paulo (Foto: Gerardo Lazzari/Sindicato dos Bancários SP)

Pelo sétimo ano consecutivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou-se com catadores de materiais recicláveis e movimentos de pessoas em situação de rua para a celebração de Natal, além de ouvir reivindicações do setor. Em seu discurso, Lula prometeu um mutirão do governo federal para garantir prioridades de moradia para a população que vive nas ruas das grandes cidades. Ao final do evento, em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual, ele mandou um recado ao movimento sindical.

Apesar de ainda ter um ano de mandato pela frente, o tom do discurso teve certo clima de despedida, já que o encontro com os catadores é o último antes da eleição – e o penúltimo de seu mandato. Lula reforçou a importância do compromisso assumido desde 2003 com os movimentos. “O que me traz aqui é um sentimento de comunhão humana e de solidariedade política que resume o caráter social do nosso governo”, discursou. Para o presidente, seu governo foi o que mais deu atenção aos movimentos sociais e à população pobre.

O presidente ganhou um samba, composto em sua homenagem, uma camisa do Corinthians comemorativa dos 100 anos do clube, além de uma camisa e uma bandeira do movimento Nacional do Povo de Rua. Como em anos anteriores, ouviu reivindicações, atendeu parte delas, prometeu solução para outras. Entre elas, o compromisso de impedir o avanço de incineradores e consequente redução de aterros sanitários – o que poderia reduzir o espaço de trabalho dos catadores.

O evento marcou a assinatura da política nacional para a população em situação de rua, que estabelece um comitê interministerial com 18 membros (metade de governo, metade da sociedade civil) para monitorar as ações públicas na área. O plano também prevê a inclusão da população de rua em contagens oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o fortalecimento da rede de albergues. 

Lula conversa durante encontro em São Paulo

Um centro nacional de defesa dos direitos humanos da população de rua, subordinado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, deve garantir a instalação de núcleos de observadores em todos os estados. As unidades receberão denúncias além de dar apoio ao grupo interministerial. Ainda foi assinada a compra de dois prédios no centro de São Paulo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para a Secretaria do Patrimônio da União para destinar as edificações à moradia de interesse social.

“Demos um salto institucional”, comemorou. Com a política para a população em situação de rua, os catadores de material reciclado passaram a ser reconhecidos como parte da cadeia produtiva da reciclagem. Também será garantido um incentivo fiscal, por meio de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para indústras que adquirirem matéria-prima reciclada de cooperativas de catadores. O objetivo é estimular a cadeia produtiva e reduzir variações de preço, como a ocorrida durante a crise econômica de 2008.

Ele pediu ajuda dos movimentos presentes para garantir a efetiva implantação da política. “Precisamos ter uma combinação entre nós de que garantir denúncias (de irregularidades) no ato, para podermos intervir no ato. Também precisamos garantir os direitos humanos, direitpos políticos, econômicos e sociais da população de rua”, declarou.

Por fim, ele prometeu destinar imóveis da União para moradia popular. “Não tem explicação para a minha consciência nem para a de ninguém deixar um prédio quebrado, sem uso, para ratos morarem”, afirmou. “Vamos fazer um mutirão com prioridades para resolver as doações de prédios públicos”, detalhou. Disse ainda que pretende incluir a construção de casas para os sem teto no Programa de Aceleração do Crescimento de 2011 a 2015.

Lula assegurou que pretende garantir, nos próximos três meses, mapear os entraves e superar a burocracia que impede o uso de edifícios e áreas pertencentes ao Estado e avaliar se haverá recurso hábil para a destinação social. “A burocracia foi feita para que a máquina não funcione”, pregou. “E parte da sociedade não quer vocês morando no centro”, acusou. Ele qualificou a superação dessa “teia de aranha” dos processos jurídicos como uma “briga política boa”.

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Inteligência da imprensa

Com três horas de atraso em relação ao programado, Lula fez uma crítica sutil aos jornalistas. “É importante que nossa querida imprensa possa adentrar na realidade das pessoas que estão no anonimato, porque às vezes uma pessoa de rua tem tanta inteligência ou mais do que a que está olhando”, analisou. A alusão foi a críticas sofridas pelo presidente quando sugeriu que os jornalistas se ocupassem com participantes da Expo Catadores, em outubro.

“É preciso entender por que a pessoa está naquela situação. É fácil dizer que é um louco ou um lumpen, mas é difícil perceber que é uma pessoa que talvez não tenha tido as mesmas oportunidades que nós tivemos”, declarou.

Sindicatos

Ao final do evento, Lula mandou um recado ao movimento sindical em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual. “Eu acho que o movimento sindical brasileiro está vivendo um momento muito importante em que a classe trabalhadora não está tendo prejuízo salarial”, disse. Ele lembrou dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) que mostram reajustes acima da inflação para 87% das categorias.

“É importante que nós vamos ter um ano de geração de empregos de forma extraordinária no Brasil em 2010. Neste ano de 2009 que teve uma crise econômica nós geramos 1,413 milhão empregos com carteira assinada”, completou. E mandou um recado aos sindicalistas: “Só quero dizer ao movimento sindical para me esperar que meu mandato está terminando e eu estou voltando”.

Sobre o reajuste de aposentados e pensionistas, o presidente justificou a necessidade de cuidado na definição para manter a saúde das contas da Previdência Social. “O problema é que as pessoas precisam compreender é que eu não sou o dono da Previdência e eu não posso quebrar a Previdência Social”, disse. Apesar disso, prometeu solucionar a questão.

Marcolino: SP não pode mais esconder moradores de rua

O evento foi realizado na Quadra dos Bancários. O presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Luiz Cláudio Marcolino, explica que a entidade mantém a questão da moradia e da população em situação de rua como uma prioridade há bastante tempo. “O sindicato já vem acompanhando o trabalho dos moradores de rua, a partir da referência com o projeto Travessia, que trabalha com crianças e adolescentes nesta situação. Faz parte do papel do sindicato cidadão atuar na sociedade”, disse Marcolino.

“Foi um prazer pelo segundo ano consecutivo receber os catadores e o presidente Lula. As reivindicações dos catadores são justas e as denúncias sérias”, avaliou. Para ele, o problema tem de ser resolvido nos âmbitos municipal, estadual e federal. “Não dá mais para a cidade de São Paulo simplesmente esconder seus moradores nessas condições”, completou.

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