Analistas criticam Câmara por não mudar marco regulatório do pré-sal

Câmara mantém diretrizes propostas pelo Executivo. Analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual defendem restituição do monopólio estatal

Investimento em tecnologia usada em plataformas como a P-53 precisaria ser acompanhado de pesquisa de fontes de energia limpa, afirma analista (Foto: Agência Petrobras de Notícias/Divulgação)

As comissões especiais da Câmara dos Deputados criadas para discutir os quatro projetos do marco regulatório do pré-sal encaminhados pelo Executivo aproximam-se do final de seus trabalhos. Nos próximos dias, devem ser votados os relatórios apresentados na última semana. Na visão de analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, os deputados não propuseram alterações às diretrizes do texto original. O modelo deve manter avanços em relação à lei do petróleo de 1997, mas mantém um padrão em que o Estado apenas regula a extração.

Houve mudanças na aplicação de recursos do fundo social para a área da saúde e a estados de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Também foi definido que, pelo menos nos primeiros cinco anos, serão investidos recursos do “principal” do fundo e não apenas do rendimento, como ocorre no modelo norueguês. Após esse período, apenas a rentabilidade obtida pelo montante aplicado no exterior é que poderia ser investido. Outra alteração foi a possibilidade de a resolução de, desde já, aplicar no fundo social os recursos de royalties e participação especial que couberem à União pro áreas já licitadas.

João Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP-CUT), lamenta o fato de que o debate levado mais adiante envolve a distribuição de royalties entre estados em vez de discutir questões centrais como a possibilidade de se reestabelecer o monopólio estatal de extração e garantias de controle sobre o petróleo para a União.

“Não houve modificações profundas por causa da correlação de forças no Congresso, que é muito conservador, de direita mesmo”, avalia Moraes, em entrevista à Rede Brasil Atual. “Os principais avanços (em relação à legislação vigente) ficaram restritos ao que o governo puxou. São 230 empresários no Congresso”, analisa.

“O Congresso se comportou de uma maneira submissa”, dispara Wladmir Tadeu Silveira Coelho, especialista em política econômica do petróleo da Fundação Brasileira de Direito Econômico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Essa forma de o Congresso se comportar diante das propostas do governo para a política energética se verifica desde a lei do gás (aprovada em março de 2009), em que o governo envia o projeto e o Congresso tem o papel de homologar, faz mudanças pontuais sem alterar o conteúdo”, lamenta.

O pesquisador acredita que partidos de oposição como o PSDB e o DEM ficam “sem a bandeira da privatização e da regulação econômica”, já que a proposta do governo manteve o mecanismo dos leilões e da concessão. A proposta do governo, na visão dele, incorpora o princípio de regulação e “nivela o debate”, limitando alternativas.

Petróleo tem que ser nosso

A campanha organizada pela FUP junto a movimentos sociais e entidades sindicais “O Petróleo tem que ser nosso” deve continuar mesmo com o avanço da proposta do governo. Segundo João Moraes, da FUP, uma audiência pública está agendada no Senado para esta quarta-feira (4) para apresentar as bandeiras defendidas pelo movimento. “Vamos pressionar, a disputa continua mesmo depois da aprovação na Câmara, quando os projetos vão ao Senado”, avisa Moraes.

Para Diomedes Cesário da Silva, vice-diretor de comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), por envolver muitos interesses, a mudança no marco regulatório do pré-sal deveria contemplar uma discussão ampla. A entidade também defendia modificações mais radicais e o monopólio do Estado como proprietário do bem extraído.

“Os leilões continuam a ser uma herança ruim da lei do petróleo”, analisa Cesário da Silva. Embora enxergue avanços sobre a lei do petróleo, ele aponta como um problema o fato de as vencedoras dos leilões definirem o ritmo de produção e a quantidade prospectada. Com isso, o volume de recursos que o governo receberia estaria nas mãos das empresas.

“Outras companhias internacionais participantes vão levar essas reservas”, acrescenta o engenheiro. “A questão colocada na década de 90, sobre a falta de recursos para a Petrobras, não existe, porque a estatal está capitalizada, em oferta de crédito suficiente e a tecnologia necessária – é a mais avançada na área”, completa.

Tecnologia limpa

Para Coelho, o investimento no pré-sal deveria levar em conta os montantes aplicados por outros países em pesquisa para o desenvolvimento de energia limpa. Os Estados Unidos, por exemplo, devem cortar o subsídio mantido para empresas de petróleo que operam em seu território.

“Os US$ 30 bilhões por ano de subsídios cancelados nos Estados Unidos vão financiar pesquisas de tecnologia de energia limpa. Enquanto isso, a Petrobras vai gastar, segundo seu projeto, US$ 20 bilhões para extrair petróleo”, compara. Na visão do analista, em 30 anos, o Brasil vai ser obrigado a importar tecnologia depois de ter incentivado uma “exploração predatória e colonial do petróleo”.

A preocupação se relaciona ao fato de que a Petrobras terá pelo menos 30% de participação em todos os lotes leiloados. Isso significa, na visão de Coelho, que pelo menos essa parcela de investimento parte da estatal, o que funcionaria como uma garantia para estrangeiros e não como forma de controle sobre a atividade de extração.

Modelo norueguês

A Noruega é uma referência no debate porque é o único país com reservas consideráveis de petróleo e alto desenvolvimento humano. O que foi aplicado do modelo do país escandinavo foi a adoção de um fundo social. Para Wladmir Coelho, a diferença é que, até 2002, o Estado era o proprietário do bem mineral e do bem econômico (já extraído). “Quem ditava a política e a quantidade de dinheiro que entraria nos fundos era o próprio Estado”, explica.

Além disso, o país nórdico usa apenas os rendimentos dos recursos aplicados no exterior. “Mas a Noruega já tem um patamar de desenvolvimento considerável”, compara Cesário da Silva. “No caso brasileiro, é importante ter uma parte do próprio fundo investido diretamente no país, que tem questões sociais não resolvidas e necessidades urgentes”, defende. A mudança foi incorporada no relatório da comissão especial do pré-sal.