Eleições de 2010 podem formalizar bancada da bola na Câmara

Lançamento de jogadores é visto com otimismo por Túlio Maravilha, hoje vereador de Goiânia. Para professor de ciência política, candidaturas do gênero mostram problema do número excessivo de partidos

O atacante Romário já realizou incursões no Congresso para o lançamento de campanha contra discriminação de crianças com síndrome de Down (Foto: Antonio Cruz. Agência Brasil)

As eleições de 2010 não tiveram início precoce apenas na disputa pelo Palácio do Planalto. Este último trimestre do ano começa com várias candidaturas praticamente definidas entre deputados e senadores. Além de figuras que se encaminham para a renovação de mandato, aumenta o número daqueles que ingressam na carreira.

Uma bancada que pode passar a existir na Câmara Federal é a da bola: são muitos os jogadores que pretendem concorrer no próximo ano. Romário, Marcelinho Carioca, Valdir Bigode, Túlio Maravilha, Vampeta, Élber e Danrlei são alguns dos nomes que tentarão chegar a Brasília. Marques, atacante do Atlético Mineiro, deve tentar a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e Dimba, cigano do futebol, almeja ser deputado no Distrito Federal.

Com a propriedade de mais experiente da turma, Túlio Maravilha quer um avanço na carreira política, passando de vereador em Goiânia a deputado federal por Goiás. Em menos de um ano de atuação, o vereador pelo PMDB apresentou 45 projetos em diversas áreas, número suficiente para que se autonomeie “goleador da política”. Com as metáforas que o passado lhe permite, o atacante do Botafogo do Distrito Federal espera que a “bancada da bola” jogue no ataque.

O jogador, que ainda vislumbra os 1000 gols e está próximo dos 900, conta que teve parentes na política e, quando surgiu a oportunidade de entrar no PMDB, não pensou duas vezes. Agora, considerando que o desafio de mostrar que é possível conciliar política e futebol foi vencido, o atacante aposta em manter suas bandeiras de campanha bastante diversificadas, sempre tendo em vista a qualidade de vida do cidadão.

Já Valdir Bigode, goleador de Vasco e Atlético Mineiro com passagens por São Paulo e Santos, entre outros, afirma que vai focar-se no esporte como mote para atrair eleitores. Dois anos depois de encerrar a carreira, o jogador oscilava entre seguir no futebol como treinador ou tomar o rumo político. Foi o procurador Aurélio Dias quem o convenceu a filiar-se ao PTB para concorrer a uma vaga de deputado federal. O atacante admite que hesitou no começo, mas por fim entendeu que seria um bom caminho.

Agora, ele será um dos boleiros que lançarão a sorte no Rio de Janeiro no próximo ano. “Digo a verdade. Vou entrar para esse mundo como entrei para o futebol. Estou passando a conhecer agora, mas acompanho o mínimo na política. Acredito que agora vou acompanhar um pouco mais”, admite.

O mesmo procurador que convenceu Valdir também dita os rumos do início de carreira política de Marques, atacante do Atlético Mineiro. O jogador deve concorrer à Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo PTB, partido que na opinião do procurador tem uma bela história e gente com ideias novas.

A definição de partido de Marcelinho Carioca foi um pouco mais complicada. Atualmente no Santo André, mas ídolo histórico do Corinthians, ele chegou a ser oficializado pela assessoria do PDT, mas acabou assinando com o PSB, partido que já angariou Gabriel Chalita, vereador mais votado de São Paulo e pré-candidato ao Senado, e Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e que almeja concorrer ao governo local.

Ele deve ser candidato a deputado federal e tem inclusive apoio de Ciro Gomes, possível nome do partido na disputa pela presidência, que em encontro há uma semana pediu ao jogador que tire “algum dos velhotes” da Câmara.

A tática de renovação parece mesmo inspirar a aposta de alguns dos partidos. Além de jogadores, o lançamento de artistas e outras pessoas com grande exposição pública tem se tornado mais comum a cada eleição. “Nós, formadores de opinião, temos dever e obrigação de nos candidatar. Aquele que se sente bem e tem propostas realmente concretas para melhorar a qualidade de vida, pode se candidatar”, define Túlio Maravilha.

Carlos Ranulfo, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, lembra que é preciso tomar cuidado para não apontar como caricaturais as candidaturas de pessoas vindas de fora da política e que a legislação é democrática, portanto permite esse tipo de ingresso. Para ele, no entanto, trata-se de uma candidatura que expõe os problemas do sistema partidário brasileiro. “Acontece que o Brasil tem partido em excesso, então, quem quer se candidatar tem muitas escolhas. Se não tivéssemos uma oferta muito grande de partidos, a pessoa que quisesse entrar no processo político teria de fazer uma carreira na área. No nosso caso, isso fica minimizado”, argumenta.

João Leite

De fato, construir uma carreira parlamentar é algo raro entre boleiros. Não são muitos os casos de gente que saiu dos campos para manter-se por muito tempo ou ter uma atuação expressiva na política. João Leite, ex-goleiro do Atlético Mineiro, do América e da Seleção Brasileira, é uma exceção. Eleito para vereador em 1992, ele ocupou secretarias de gestões municipal e estadual, por duas vezes foi segundo colocado nas eleições em Belo Horizonte e está no quarto mandato na Assembleia Legislativa.

O professor Carlos Ranulfo adverte que casos assim são exceção. Ele considera que eleger-se para o primeiro mandato, no caso de pessoas conhecidas, é mais fácil em parte porque o eleitor brasileiro não se interessa em analisar a fundo os candidatos e acaba votando naquele com quem tem algum tipo de identificação. Mas são poucos os que conseguem fazer um bom mandato para seguirem na política: “O que é um bom mandato varia muito, depende do eleitor, mas digo que são poucas as figuras que surgem dessa maneira que fazem uma carreira.”

No Rio, além de jogadores recém-nascidos para a política, a cartolagem tenta voltar à cena. Eurico Miranda, ex-presidente do Vasco, aposta em uma dobradinha com o ex-atacante Edmundo no PP para garantir vagas de deputado federal e estadual, respectivamente. No PSB, o mesmo de Marcelinho Carioca, Romário desconversa sobre candidatura. “Isso pode vir a acontecer. Sou sincero, falo a verdade e não depois de ser candidato. Meu objetivo maior é trabalhar com todas as minhas forças para ajudar as crianças carentes”, garante o baixinho, que é mais um dos goleadores que podem compor a “bancada da bola”.

Na verdade, são poucos os jogadores de defesa ou mesmo de meio-campo que devem se arriscar no próximo ano. Se formassem um time de verdade, os boleiros-políticos teriam sérios problemas em não tomar gol. Mas como explicar que os atacantes sejam os preferidos para as novas candidaturas políticas? Além da óbvia empatia com a torcida, Túlio Maravilha arrisca uma explicação: “Mostra que a política brasileira precisa de mais ataque, mais atitude, mais projetos reais do que ficar jogando na defesa, aquela coisa que não anda. É uma tendência do eleitorado buscar políticos mais ousados e mais objetivos.”