Serra está privatizando a saúde de SP, diz especialista

Organizações Sociais trabalham com demanda controlada e podem escolher quem e como querem atender, enquanto o SUS tem que atender a necessidade real das pessoas, avalia Aparecida Linhares Pimenta

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Foto: Banco de Imagens do HCFMUSP)

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 62/2008, de autoria do governador de São Paulo José Serra, avança na privatização da saúde no estado, critica a vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e secretária de Saúde de Diadema (SP), Aparecida Linhares Pimenta. Em entrevista à Rede Brasil Atual, ela teme ainda que a proposta se torne modelo para o restante do país, colocando em risco o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Não é cedo para falar de privatização, é hora de falarmos antes que esse modelo de OSs de São Paulo seja adotado no Brasil inteiro”, dispara. “O risco que está se correndo em São Paulo tem que ser debatido. As pessoas não estão sabendo o que pode acontecer quando essa nova lei entrar em vigor”, alerta.

“As OSs trabalham com demanda controlada por um contrato e podem escolher quem e como querem atender, enquanto a saúde pública tem que atender a necessidade real das pessoas” – Aparecida Linhares Pimenta

O PLC, ainda não sancionado, permite a transferência da gestão das unidades de saúde pública existentes para Organizações Sociais (OSs) e destina 25% de leitos e serviços para planos de saúde e atendimento particular. Aprovado no dia 2 de setembro pela Assembleia Legislativa, foi incluída ainda, de última hora, a possibilidade de se terceirizar também equipamentos e serviços de esporte, cultura, lazer, turismo e projetos voltados a pessoas com deficiência.

Aparecida avalia que transferir equipamentos de saúde para a administração de OSs é abrir mão da capacidade de gestão e da responsabilidade do poder público. “Está na Constituição que  saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Eventualmente, se houver necessidade, pode-se até contratar algum serviço terceirizado, mas a gestão de saúde tem que ser de responsabilidade do Estado”, resume.

Para a especialista um dos pontos mais graves do PLC é disponibilizar 25% dos leitos dos hospitais públicos para planos privados e atendimento particular. “É incompatível porque planos de saúde seguem a lógica do lucro e do mercado, enquanto o SUS busca o atendimento da população com foco no direito à vida”.

“É incompatível porque planos de saúde seguem a lógica do lucro e do mercado, enquanto o SUS busca o atendimento da população com foco no direito à vida” – Aparecida Linhares Pimenta

Outro problema levantado pela médica é que o governador autoriza a utilização de equipamento público, construído e custeado com recursos da população, para atendimento de uma parcela usuária de planos de saúde. Por receberem pelo serviço, as empresas deveriam se responsabilizar por hospitais e serviços próprios.

“Repassar a saúde para OSs e principalmente a abertura de leitos privados em hospitais como Emílio Ribas, Hospital das Clínicas, Hospital da Unicamp é um retrocesso muito grande para a saúde do estado de São Paulo”, acrescenta Aparecida.

Erro de avaliação

Segundo Aparecida é incoerente comparar a eficiência de um hospital administrado por uma OS com um hospital público, porque eles trabalham com óticas diferentes.

“As OSs trabalham com demanda controlada por um contrato e podem escolher quem e como querem atender, enquanto a saúde pública tem que atender a necessidade real das pessoas.”

De acordo com a médica, dos 23 hospitais no estado de São Paulo gerenciados por OSs, 90% não têm pronto-socorro e só atendem às vagas e especialidades definidas em contrato.

“Quando um hospital é administrado por uma OS, ela faz um contrato de metas com a Secretaria de Estado: ‘atenderemos tantos pacientes, em tais condições’. Então, na verdade, o hospital trabalha de portas fechadas. Ele não é sensível às demandas da população”, explica a secretária de Saúde de Diadema.

“A saúde tem que ser pública porque trata do direito à vida. E todos têm esse direito”, lembra.

Para exemplificar a diferença, Aparecida cita o problema recentemente enfrentado pela região de Diadema, em relação à Gripe A (H1N1). O Hospital Mario Covas, da rede estadual, mas administrado por uma OS, era considerado referência na região no tratamento à doença. Quando atingiu o limite contratado de atendimentos, “fechou as portas justificando que tinha atingido a meta negociada com a secretaria”, afirma.

“O aumento da expectativa de vida da população, a redução da mortalidade infantil, se deve também ao acesso das pessoas aos serviços de saúde. Muita gente morreria por falta de acesso ao tratamento de câncer, por exemplo, se não houvesse o SUS” – Aparecida Linhares Pimenta

Sem contar com o suporte esperado pelo Hospital Mário Covas, os municípios da região começaram a receber as pessoas que apresentavam sintomas de gripe A nos prontos-socorros municipais. “Tivemos que criar enfermarias, chamar funcionários, pagar horas-extras”, relembra.

“É muito complicado trabalhar com a lógica do plano de saúde e do mercado, quando você pensa na saúde como direito. Nós, do SUS, atendemos pela necessidade das pessoas que chegam aos nossos prontos-socorros. As OSs podem escolher”, critica.

Avanços do SUS

Aparecida relata que dos 120 milhões de brasileiros que não têm acesso a planos de saúde. Boa parte deles conseguiu prorrogar a vida e ter tratamentos de alta complexidade graças ao SUS.

A mídia, segundo ela, destaca as mazelas e deficiências do sistema, mas não dá o mesmo espaço para mostrar a importância e os avanços do SUS. “O aumento da expectativa de vida da população, a redução da mortalidade infantil, se deve também ao acesso das pessoas aos serviços de saúde. Muita gente morreria por falta de acesso ao tratamento de câncer, por exemplo, se não houvesse o SUS”, garante.

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