Senado aprova MP que facilita grilagem de terras na Amazônia

Ambientalistas criticam texto aprovado no Senado que ratificou as emendas inseridas na Câmara que alteraram o sentido original do texto

Os setores da sociedade brasileira que defendem os interesses do agronegócio e dos grandes projetos de infra-estrutura têm um novo motivo para comemorar. Em mais um capítulo da ofensiva da bancada ruralista no Congresso, o Senado aprovou na noite de quarta-feira (3) a Medida Provisória 458, que facilita a legalização de terras griladas na Amazônia. As movimentações recentes desse grupo no Legislativo federal tem sido voltadas a reverter alguns dos principais pontos da legislação ambiental do país.

“A aprovação da MP 458 abre as portas para a grilagem na Amazônia, e a grilagem é o carro-chefe do desmatamento. Ao liberar a regularização também para pessoas jurídicas, a medida favorece aqueles que ocupam a Amazônia não para viver e produzir, mas para degradar e especular”, afirma Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). A organização também critica os critérios que permitem, por exemplo, que uma empresa ou grande proprietário adote “laranjas” para burlar a lei e adquirir grandes extensões de terra.

“A aprovação da MP 458 abre as portas para a grilagem na Amazônia, e a grilagem é o carro-chefe do desmatamento. Ao liberar a regularização também para pessoas jurídicas, a medida favorece aqueles que ocupam a Amazônia não para viver e produzir, mas para degradar e especular”, afirma Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA)

Da forma como foi aprovada, a MP 458 permitirá a regularização e posterior venda de terras de até 1,5 mil hectares, desde que ocupadas até 2004, nos nove estados da Amazônia Legal – Amazonas, Pará, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Acre, Amapá, Tocantins e Maranhão. A intenção inicial do governo ao editar a medida era permitir a regularização fundiária de pequenos agricultores e posseiros que, por estarem ilegais, não conseguiam acesso a crédito para financiar sua produção.

No entanto, desfigurada pelas emendas ruralistas aprovadas na Câmara dos Deputados e agora ratificadas pelo Senado, a MP 458 se transformou no que ambientalistas qualificam como o maior incentivo recente à grilagem, à concentração de terra e ao desmatamento da Amazônia. A ex-ministra do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva (PT-AC), que teve duas emendas à MP 458 rejeitadas pelos colegas, lamentou o rumo que as coisas estão tomando: “Tudo o que se lutou nos últimos 30 anos pela Amazônia foi por terra abaixo”, disse.

“Tudo o que se lutou nos últimos 30 anos pela Amazônia foi por terra abaixo”, disse.

Tramitação

O texto da MP 458 nasceu no gabinete da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, comandada pelo ministro Mangabeira Unger. A medida, da maneira como foi inicialmente pensada, tinha significativo cunho social ao privilegiar a regularização do pequeno agricultor e parecia ser um passo à frente na solução do caos fundiário da região da Amazônia. Por isso, recebeu o apoio de boa parte das organizações do movimento socioambientalista e também dos ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Carlos Minc (Meio Ambiente).

Ao chegar à Câmara, no entanto, o texto original da MP 458 foi alvo de diversas modificações introduzidas pelo relator, deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), e por outros parlamentares da bancada ruralista. A principal delas foi permitir que o processo de regularização fundiária, originalmente restrito a pessoas físicas, fosse estendido a pessoas jurídicas.

Outra mudança muito criticada por ambientalistas permite que terras regularizadas com área superior a 400 hectares possam ser revendidas apenas três anos após a regularização (para as menores, o prazo é de dez anos). Além disso, o texto aprovado abre brechas na exigência de que o ocupante de terras públicas na Amazônia não seja proprietário de imóvel rural em qualquer outra parte do território nacional.

A derrubada da exigência de comprovação prévia e averbação da Reserva Legal em cada propriedade regularizada também é uma mudança encarada como desastrosa. No texto, aprovado por deputados e senadores, ficou estabelecido somente o “compromisso” dos proprietários em realizar essa averbação, sem a estipulação de prazos. Enquanto a comprovação da Reserva Legal não for realizada, o proprietário não poderá ter seu título de propriedade rescindido, mesmo que ocorra desmatamento ilegal.

Após a aprovação no Congresso, resta agora aos ambientalistas recorrer ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pedir o veto aos artigos considerados nocivos. O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), confirmou que, nos próximos dias, levará a Lula um apelo nesse sentido, em nome da bancada da legenda.