Índios querem eleger representantes em até 8 estados em 2009

Marcos Terena afirma em entrevista à Rede Brasil Atual que proposta de fundar partido indígena é fazer com que as etnias sejam ouvidas, o que não acontece nas legendas tradicionais

Marcos Terena durante audiência pública sobre a implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom. Agência Brasil)

A proposta foi anunciada pelo articulador dos direitos indígenas Marcos Terena durante a 8ª sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas da ONU. A intenção é criar a sigla até 2012 dando ênfase ao meio ambiente e aos direitos humanos, dois temas que muitas vezes os índios encontram dificuldades em colocar na mesa de discussão dos partidos tradicionais.

No próximo ano, com alianças suprapartidárias, as diversas etnias pretendem lançar candidatos a deputado (estadual e/ou federal) em oito estados: Brasília, Roraima, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Pará e Bahia.

Hoje, são 800 mil indígenas no Brasil (500 mil em aldeias e pelo menos 300 mil em meio urbano), de acordo com estimativas da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Marcos Terena adverte que há a necessidade de promover uma mudança na relação dos indígenas com os meios de produção. Para ele, hoje as tribos não querem receber uma indenização por uma obra que vá ocorrer no território delas, mas participar diretamente do empreendimento.
Por isso, o articulador aponta que, ao longo dos próximos meses, a ideia é discutir nas Nações Unidas sobre o acesso das populações indígenas às novas tecnologias de informação e a necessidade de medidas frente a novas enfermidades geradas pelo avanço do agronegócio.

Confira a seguir a entrevista dada por Marcos Terena à Rede Brasil Atual.

RBA – Como começou a ser gerida a ideia de um partido indígena brasileiro?

A ONU, em 2007, aprovou a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, da qual o Brasil é signatário. Mas, na prática, os povos indígenas têm sido cerceados por exemplo no direito à representação política. Mostrei na ONU o exemplo brasileiro, que o único deputado federal que nós tivemos foi em 1982 pelo Rio, o cacique xavante Mario Juruna.

Depois dele, nós nunca mais conseguimos eleger nenhum representante na Câmara Federal, nenhum índio nas assembleias legislativas e muito menos no Senado. Então, como está se aproximando o debate sobre as eleições gerais aqui no Brasil, a gente mostrou que a Colômbia, por exemplo, tem senador indígena, deputado, prefeito, a Venezuela e o Equador também. A Bolívia tem ministro de Estado e, no entanto, eles não têm a qualidade étnica que o Brasil tem. São mais de 200 povos no Brasil e não temos nem o direito, nem o convite para debater isso com os partidos.

Daí surgiu a ideia de termos um partido indígena nacional que possa abrigar essa demanda indígena e ao mesmo tempo gerar um tipo de moderamento, de discutir o Brasil.

Marcos Terena, indígena do Mato Grosso do Sul, é autor de livros sobre a cultura das comunidades e desde 2007 coordena o Memorial dos Povos Indígenas no Distrito Federal. Em 1977, fundou o primeiro movimento político indígena brasileiro, a União das Nações Indígenas. Em 1992, foi eleito como o porta voz dos povos indígenas frente aos líderes mundiais reunidos na Eco 92, no Rio. Hoje integrante de programas da ONU, Terena foi coordenador de Direitos Indígenas da Funai e organizou os primeiros encontros para defender os conhecimentos tradicionais dos índios. 

RBA – A previsão é de que pelo menos até 2012 tenham candidatos saindo por essa nova legenda.

A gente está tratando isso com muita tranquilidade porque também não é uma emergência, mas sim um objetivo pontual muito claro. Tem muitos indígenas no Brasil que gostariam disso. Há indígenas no PC do B, no Dem, no PSDB, no PT, mas eles mesmos não conseguem ter sua voz representada dentro dos partidos políticos.

É preciso que a gente se organize, nós vamos ampliar essa conversa por todo o Brasil baseado nas experiências desses outros países para que nas próximas eleições a gente lance candidatos, apoie candidatos, estimule que os jovens indígenas tirem o título de eleitor e possamos ter a quantidade de votos necessários para avançar na eleição de alguns representantes principalmente nos estados em que a população indígena é bem grande ou então naqueles estados que não são preconceituosos ou conservadores em relação ao índio.

E aí sim, na sequência, o debate da representação política através de um partido específico. Isso a gente ainda tem que analisar com alguns advogados, alguns indígenas, para que a gente possa realmente mostrar para a sociedade brasileira que o partido indígena não é um partido de aluguel nem que está apenas divergindo da política nacional, mas sim agregando os valores indígenas, o valor ambiental e principalmente da política de direitos humanos.

RBA – Como garantir que não vá haver problemas da mesma ordem dos partidos tradicionais?

A questão da representação política eu dou o exemplo de que se a gente fosse fazer um time de futebol. A gente não pode chegar na Fifa e falar “olha, vamos jogar diferente. Em vez de 45 minutos, queremos jogar 30 minutos”. O critério é pré-estabelecido. Há as regras, os critérios, os tribunais regionais eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral onde a gente vai buscar a orientação para que a gente não seja apenas um anexo.

O tratamento que foi dado ao longo do tempo para os indígenas foi sempre do coitado, da vítima, do paternalismo. Não é assim. Essa relação, a gente tem que romper com isso. Na questão partidária, a gente vai orientar os pré-candidatos.

Uma coisa que eu percebo, aqui em Brasília, é a falta total de cultura, de conhecimento do papel de um deputado federal, de um senador. A pessoa vem para o Congresso apenas por uma conveniência partidária, mas não com o compromisso de ser um grande deputado defensor do povo. Pelo menos nesse aspecto a gente vai procurar mostrar ao indígena que vier representar no Congresso ou em outra câmara que ele tem compromisso social com os brasileiros.

RBA – O momento vivido em países vizinhos com o governo de Evo Morales e os movimentos no sul do Peru serve de inspiração e, mais do que isso, como um intercâmbio para aumentar a atividade política dos indígenas?

O Brasil sempre está fora dessas alianças latinoamericanas porque é comum que quem nos representa lá fora seja o Itamaraty ou a Funai. Vou dar um exemplo clássico: há o Banco Interamericano [de Desenvolvimento], que tem o Fundo Indígena. Todos os representantes desse fundo são índios, menos o Brasil, que é representado pela Funai.

Na questão partidária, os outros indígenas [de outras nações] não entendem bem porque o índio brasileiro não participa. Existe na Venezuela a sede do chamado “parlamento indígena”, em que estão os deputados e senadores de vários países. O Brasil não participa. Eu às vezes vou lá fazer uma palestra, mas como liderança indígena, e não política. Essas ramificações têm que ser estendidas no Brasil, mas para isso a gente precisa convencer as autoridades, os poderes constituídos brasileiros, de que está chegando a hora de os índios terem voz com toda dignidade, com todo respeito.

A democracia do homem branco nunca contemplou os povos indígenas. Inclusive no caso do Brasil a Assembléia Constituinte [1988] é a única do mundo que não teve a representação dos primeiros povos. Mas também a gente não vai ficar lamentando, vamos partir para a construção.

Um dos exemplos que eu dei no começo, e que a gente quer debater, é o índio membro de uma trade indígena, de uma câmara de negócios, para que o próprio indígena seja o consultor desses projetos em vez de contratar um antropólogo, um sociólogo – sem desmerecer o trabalho deles, mas há indígenas capacitados para conduzir uma negociação em alto nível.

Hoje, os índios não querem mais indenização diante das grandes hidrelétricas, eles querem ser sócios do projeto, querem receber royalties desses empreendimentos. Muita coisa está mudando e às vezes o poder constituído não percebe.
E não existe mais aquela coisa de que “ah, é comunista”, como se dizia nos anos 80, ou “ah, é de direita”. Isso não existe para o indígena. Existe a necessidade, a demanda e o compromisso com o Brasil.

RBA – Ainda no caso da Bolívia, gostaria de lhe pedir que comentasse dois pontos. O primeiro é a reserva de vagas no Parlamento, prevista na nova Constituição. E o segundo é a formação das nações originárias.

No caso da Bolívia, existe uma questão muito especial. O Evo Morales – nos conhecemos há muitos anos – nunca participou do movimento indígena como caracterizaríamos. A Bolívia teve nos anos 90 um índio aimara que foi vice-presidente do país. No entanto, hoje, os dois não se “bicam”, não há um somatório de esforços para manter a condição… Sempre o poder é uma sedução muito forte e os dois indígenas da mesma nação, aimara, estão se digladiando porque entrou no meio deles a relação partidária.

Aqui no Brasil a relação comunitária ainda é muito forte, nem sempre a relação partidária. A gente encontra muitos vereadores – o Brasil conseguiu eleger muitos vereadores indígenas no último ano – que, na hora do diálogo, todo mundo vira índio, não se coloca na mesa falando que é desse ou daquele partido.

Na Bolívia, o que a gente tem visto o Evo Morales fazer é, de um lado, fortalecer o partido dele, o MAS e, ao mesmo tempo, tentar uma nova reeleição. Ele fez uma mudança estrutural, mexeu na Constituição nacional e agregou o valor indígena. Então, alguns ministérios bolivianos têm indígenas trabalhando e, claro, o vínculo maior lá é camponês. É uma situação que a gente está observando, inclusive tivemos um debate na ONU, para mostrar que mais importante que a linha partidária é a representação indígena e o exemplo que a Bolívia pode dar para os outros países, inclusive para o Brasil.