Calamidade em presídios do ES já havia sido alertada por conselho há três anos

Em relatório de 2006, Casa de Custódia de Viana é classificado como lugar que não oferece “condições para porcos criados de maneira primitiva”

Quando foi chamado a Brasília, no mês passado, o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo, Bruno Souza, deixou estarrecidos os integrantes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Ele advertiu a todos que não desejava mostrar as fotos de forte conteúdo, mas cedeu aos pedidos do presidente do órgão, Sérgio Salomão Shecaira. Na quarta imagem feita na Casa de Custódia de Viana, na região metropolitana de Vitória, ninguém mais conseguia seguir adiante com a exibição. Segundo Bruno Souza, muitos integrantes do conselho afirmaram nunca ter visto nada igual. 

Em função disso, dias depois Shecaira desembarcou no Espírito Santo para inspeções que o deixaram ainda mais estarrecido. Ele afirmou que a “situação tem semelhanças com o que acontecia nos campos de concentração da Alemanha na Segunda Guerra Mundial”. Bruno Souza, “guia” da visita, mostrou os contêineres utilizados há anos como “medida rápida” para resolver o problema de superlotação. Do estado, Shecaira saiu com um documento logo depois entregue ao Procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, solicitando a intervenção federal no caso. 

Problemas antigos, mas ocultos

Os problemas registrados nos presídios do Espírito Santo não tiveram início hoje. Eles só vieram à tona agora porque, desde os ataques do crime organizado no estado e do envio da Força Nacional de Segurança, em 2006, os organismos de direitos humanos foram proibidos de fazer inspeções. 

A situação mudou há menos de um mês com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça – antes disso, todas as outras instâncias haviam dado razão ao governo do Espírito Santo. Foi então que voltaram à cena as denúncias sobre a situação dos presídios. Celas sem portas, luz elétrica ou água, o crime organizado comandando o movimento dentro das instalações e os funcionários sem poder exercer o trabalho.
Os mesmos funcionários que, em 2006, pediram a ajuda do CNPCP para que pudessem trabalhar. Com medo de ameaças, eles chamaram os integrantes do conselho, que elaboraram um relatório em que classificam de “grave” a situação do estado e apontam que é necessário tomar medidas antes que o pior venha a acontecer.

Veja aqui o relatório do CNPCP a respeito dos presídios do Espírito Santo

Antes disso, o Departamento Penitenciário Nacional e a Justiça do Espírito Santo já haviam pedido medidas emergenciais para sanar a situação dos presídios do estado. O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar e o Conselho Estadual de Direitos Humanos apontaram que várias prisões simplesmente não tinham condições de funcionamento. Na ocasião, a resposta do secretário da Justiça, Ângelo Roncali de Ramos Brito, foi de que “as melhorias não podem ser feitas da noite para o dia”. 

Durante as visitas realizadas em março de 2006, os integrantes do CNPCP constataram que a situação no Presídio de Segurança Máxima de Vitória era “um verdadeiro caos”. Para surpresa do grupo, não foi possível visitar a Casa de Passagem de Vila Velha porque o efetivo policial não foi capaz de garantir a integridade da comissão.

Mas o relato mais marcante é da Casa de Custódia de Viana, visitada em 14 de março daquele ano. “É difícil, talvez impossível, narrar as condições chocantes que vimos. Trata-se de local degradante, malcheiroso, sujo, propício a doenças que, por acaso enumeradas aqui, dariam margem a várias páginas, já que a unidade prisional não oferece, sequer, condições para porcos criados de maneira primitiva. Uma verdadeira ‘casa de horror’. Ou, como bem disse o promotor de Justiça, doutor Lorival Lima do Nascimento, ‘casa, não, só horror’”, aponta um trecho do relatório. Naquela data, o presídio já estava superlotado, com 581 presos em um espaço construído para abrigar 174.

A situação piorou pouco depois: com a destruição de várias penitenciárias durante uma onda de rebeliões, internos de outras unidades foram transferidos para Viana. Hoje, são mais de 1.200 no espaço que, à época, não servia nem para a criação de porcos. Bruno Souza aponta que foi na ocasião que o então secretário de Segurança Pública, Evaldo Martinelli, teve a ideia de colocar contêineres como solução para a falta de vagas. O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos lembra que “nós denunciamos que isso não daria certo, que isso viola a dignidade humana. Mas ele [o secretário] implantou os contêineres e virou um caos”.

Agora, além dos contêineres, há casos de homicídios e pelo menos dez mutilamentos confirmados na Casa de Custódia de Viana. A reportagem da Rede Brasil Atual teve acesso às fotos tiradas pelo conselho, mas por respeito às vítimas não as tornará públicas. As imagens mostram corpos ensanguentados e caixas de plástico armazenando órgãos humanos.

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