Equidade de gênero

Chile mostra que o feminismo deve integrar toda a política

Cientista política analisa perfil do gabinete ministerial anunciado pelo novo presidente Gabriel Boric e observa que sua chegada ao poder pode significar uma inflexão mais à esquerda na América Latina

Twitter/Reprodução
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Governo Boric terá na pasta da Defesa como ministra Maya Fernández Allende (à direita na foto), neta do ex-presidente socialista Salvador Allende

São Paulo – O primeiro gabinete ministerial com maioria de mulheres na história do Chile, anunciado na última sexta-feira (21) pelo recém-eleito presidente Gabriel Boric, “é um passo importante na direção da transversalização da perspectiva de gênero em distintos âmbitos da política do governo, não só fechado ao ministério da Mulher e da Equidade de Gênero, mas em um processo que busca integrar a perspectiva feminista e de igualdade de gênero em todos os outros ministérios”. A análise é da coordenadora da Rede de Cientistas Políticas do Chile e integrante da Rede Internacional de Politólogas, Nicole Berti. 

Doutoranda em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Nicole detalhou em entrevista à Rádio Brasil Atual o perfil do novo governo chileno, que toma posse em 11 de março, como uma “inflexão” para todos os países da América Latina. 

De acordo com a cientista, “é muito importante a questão da representatividade. De buscar preencher esse abismo entre representantes e representados, de trazer para dentro da política essa diversidade social que representa o povo chileno”. Cumprindo a promessa de campanha, Boric ocupou 14 ministérios com mulheres à frente, ante 10 homens. Elas devem assumir pastas importantes e estratégicas para o governo, incluindo a da Defesa, que terá como ministra Maya Fernández Allende, presidenta da Câmara de Deputados entre 2018 e 2019 e neta do ex-presidente socialista Salvador Allende, deposto durante o golpe de estado liderado pelo general Augusto Pinochet, em 1973. 

Perfil ministerial

Segundo o presidente, seu governo “será diverso como o próprio país”. “É o gabinete ministerial mais diverso da história. Não é pouca coisa que se traga uma maioria de mulheres, pessoas identificadas com a diversidade sexual, e algo intergeracional. Muitos ministros são jovens que nem chegaram aos seus 35 anos. A média desse gabinete é 49 anos, o mais jovem da história”, descreve.

A cientista explica, contudo, que apesar de trazer tantos marcos, o gabinete é considerado de perfil moderado por trazer também uma postura conciliatória. Eleito em dezembro, Boric não conseguiu maioria por sua coligação Apruebo Dignidad. E para ampliar sua base de apoio e garantir maioria parlamentar para seus projetos, o novo presidente reconfigurou a coalizão de governo, incluindo independentes e representantes do Partido Socialista, Partido pela Democracia, Partido Radical, Revolução Democrática, Convergência Social e Partido Comunista. Houve críticas, porém, à escolha do novo ministro da Fazenda, Mario Marcel Cullel, atual chefe do Banco Central do Chile. O que segundo Nicole, seria um aceno para frear a volatilidade do mercado. 

“É uma posição mais conciliatória do governo Boric, mas o Mario Marcel também não impôs condições para assumir a função. Não houve nenhum acordo de que era necessário rebaixar o programa político de Boric, que continua o mesmo. Está mantida a agenda política de promover reformas profundas, inclusive a tributária, aumentar a arrecadação do Estado e investir mais em reformas sociais e implementação de direitos universais”, pondera a cientista política. “Isso faz parte de uma estratégia de buscar amplos acordos e consensos.”

Impactos no Brasil

Nicole conclui que as eleições no Chile devem ter impacto sobre todo o continente, incluindo nas eleições do Brasil. “Pode significar uma inflexão mais à esquerda na América Latina”, garante. Em entrevista à BBC News Mundo, o novo presidente do Chile apontou as mudanças no país como a representação “da força de uma época”. De acordo com a analista, a inovação chilena está em promover uma “política com afeto”. Em que há uma identificação direta entre representados e representantes e soluções coletivas para problemas coletivos. 

“Todo mundo está na expectativa de qual será o resultado das eleições no Brasil. Mas o próprio Gabriel Boric jaádisse que gostaria de trabalhar junto a Lula, reativar os mecanismos de integração regional e de fato buscar construir essas pontes. Porque o Chile sempre esteve muito mais voltado ao Pacífico e não participava ativamente dos fóruns mais ao sul, como Mercosul e Unasul. Mas existe essa vontade de Boric de construir um processo de ação conjunta, que neste momento fica restrita com Bolsonaro, mas que com Lula pode ser diferente”, justifica Nicole Berti. 

Confira a entrevista completa

Redação: Clara Assunção


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