Eleições chilenas

Candidato da extrema direita no Chile surfou onda de insatisfação política

Segundo cientista política, voto em José Antonio Kast não foi apenas antissistema, mas levou em conta a politização de temas como a migração e segurança. Candidato progressista terá de ampliar alianças para vencer o segundo turno

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"Talvez o Kast tenha algo que seja mais perigoso que Bolsonaro, porque ele, por pertencer às elites chilenas, tem o trânsito muito fácil por elas", avalia a cientista

São Paulo – O resultado das eleições presidenciais do Chile, no domingo (21), que levou ao segundo turno, com 27,91% dos votos, o candidato de extrema direita, José Antonio Kast, da Frente Social Cristã, impressionou cientistas políticos que acompanharam o ciclo de protestos no país em 2019, o chamado “estallido social”. Uma forte mobilização popular que acabou resultando na convocação de um processo de constituinte para enterrar de vez o conjunto de leis instituídas pela ditadura de Augusto Pinochet. Mas que, apesar da revolta, acabou levando em primeiro lugar o filho de um ex-oficial das Forças Armadas da Alemanha nazista, que reivindica o legado de Pinochet. 

A avaliação é que a escolha por Kast foi um voto antissistema, mas não apenas. Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, a professora do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Talita Tanscheidt observa que há de fato de um componente anti-establishment nos resultados eleitorais. O candidato da extrema direita vai ao segundo turno contra o representante da esquerda, Gabriel Boric, da coalizão entre a Frente Ampla e o Partido Comunista, que somou 25,3% dos votos. 

Antissistema

Ex-líder estudantil das manifestações de 2011, Boric foi eleito para o Congresso chileno em 2013 por meio de uma candidatura independente. E, em 2017, ele e outras lideranças formaram essa nova coalizão de esquerda que buscava superar o que era a esquerda convencional à época. Desde então ele vem surpreendendo na corrida eleitoral.

Durante o pleito, outra surpresa ficou por conta da posição do economista Franco Parisi. Considerado atípico, ele ficou em terceiro lugar na disputa, com 12,9%. Franco apostou em um discurso populista e antipolítico em uma campanha feita toda nos Estados Unidos, sem qualquer visita ao país. Enquanto as coalizões tradicionais, que estruturam a política chilena nas últimas três décadas, representadas por Yasna Provoste, da centro-esquerda, e Sebastián Sichel, da centro direita, obtiveram o quarto e quinto lugar. 

Talita pondera, contudo, que o resultado de Kast também pode ser explicado por sua desenvoltura em politizar temas que não estavam sendo tratados desde o estallido social. O que também explica o primeiro turno chileno.

Medo e esperança

“Ele tratou de temas que se tornaram relevantes, como migração. Um milhão de pessoas migraram nos últimos cinco anos. O tema da lei da ordem pública, como a violência e criminalidade, ele soube entrar enquanto os outros candidatos eram omissos. E tem a questão da estabilidade política e econômica. Não podemos desprezar o cansaço das pessoas depois de dois anos de manifestações na ruas, com toque de recolher e barricadas. Foi uma combinação de votos anti-establishment com temas que estão no debate público”, comenta.

A cientista política observa a ascensão da extrema direita, porém, com preocupação. De acordo com ela, o candidato da esquerda, que obteve pouco menos de 2% dos votos – uma diferença de 150.000 – terá de aumentar a capacidade de convocação e mobilização, uma vez que o voto no Chile não é obrigatório e abstenção foi bastante elevada no primeiro turno. A taxa de comparecimento foi próxima a 47%. Para Talita, Boric terá também que fazer acordos e ampliar as alianças, inclusive com outros espectros para vencer. 

“É extremamente preocupante (o resultado do ultradireitista). Talvez o Kast tenha algo que seja mais perigoso que (Jair) Bolsonaro, porque ele, por pertencer às elites chilenas, tem o trânsito muito fácil por elas (…) Ele fala muito bem, cresceu nas eleições participando dos debates, e desde domingo ele vem apostando no discurso de união, e não fragmentação. O que é esperado. Ele precisa de 20% para vencer as eleições, então ele precisa atirar para qualquer lado. Mas do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos, a gente sabe o que uma candidatura desta significa”, adverte a cientista. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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