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Partido Verde alemão traz mudança climática ao centro do debate

Terceira força política do país e com grande popularidade entre os eleitores mais jovens, verdes serão decisivos na formação de uma nova coalizão para governar o país e têm teste de fogo a respeito do alcance de suas propostas na área ambiental

Leonhard Lenz/Creative Commons
Leonhard Lenz/Creative Commons
Manifestação dos verdes em Berlim, em 2019: de coadjuvantes a protagonistas no cenário político do país

São Paulo – O Partido Verde alemão saiu das urnas em 26 de setembro com o melhor resultado de sua história. Em terceiro lugar, chegou a 14,8% dos votos, dobrando sua participação no Parlamento e alcançando 118 assentos. Na última terça (28), seus líderes fizeram uma primeira reunião com representantes do Partido Democrático Liberal (FDP), já que as duas legendas são chave para a formação do novo governo, sob comando ou dos social-democratas (SPD) ou do bloco conservador (CDU-CSU).

O desempenho da sigla tem estreita relação com a emergência de sua pauta principal, a defesa do meio ambiente. Um relatório divulgado em agosto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), atestou, pela primeira vez sem deixar margem a qualquer dúvida, que os humanos são responsáveis diretos ​​pelo aquecimento observado na atmosfera, terras e oceanos.

Sua ascensão também desnuda uma divisão geracional no país. Enquanto quatro em cada dez pessoas com menos de 30 anos apoiaram os verdes e o FDP nas eleições, 70% daqueles de mais de 60 votaram no SPD ou na CDU/CSU. A legenda é a mais popular entre os eleitores alemães de 18 a 29 anos, e conta ainda com um apelo forte entre aqueles que ainda são jovens demais para votar, a chamada “geração Merkel”, que nunca conheceu outra liderança à frente do país.

“O apoio dos jovens aos verdes foi parcialmente alimentado pelo apoio a causas ambientais, enquanto outros votaram no FDP por causa de suas críticas ao rigor das restrições sanitárias durante a pandemia na Alemanha”, destaca a doutoranda em alemão e política na Universidade de Leeds, no Reino Unido, Chantal Sullivan-Thomsett, em entrevista à RBA. “Tanto os verdes quanto o FDP são percebidos como partidos que clamam por mais digitalização. A pandemia evidenciou o quão inadequada é a infraestrutura digital na Alemanha e o quanto a burocracia ainda depende de aparelhos de fax, por exemplo. Este será um ponto chave da política no novo acordo de coalizão, seja com o SPD ou o CDU.”

Mesmo com seu melhor resultado, alguns meses atrás havia a perspectiva, de acordo com as sondagens, de que o Partido Verde poderia vencer as eleições. No fim de abril, seis de dez sondagens colocavam a legenda à frente, mas diversos fatores levaram a uma queda no apoio do eleitorado.

Ataques e dificuldades dos verdes na campanha

“A certa altura, havia esperanças de que os verdes pudessem até ganhar a eleição, mas, à medida que a eleição se aproximava, eles perderam eleitores. Parte disso foi a campanha de medo do CDU e do FDP, dirigida aos eleitores mais velhos”, explica o professor de História Internacional da Universidade Flinders, Matt Fitzpatrick, à RBA. “Esta campanha argumentava que Annalena Baerbock era muito jovem, muito inexperiente e que ela empurraria a Alemanha demais para a esquerda, economicamente, e empreenderia reformas ambientais caras. Ela também foi atingida por algumas acusações exageradas de plágio para seu livro. Fez uma campanha muito boa nessas circunstâncias, mas acho que eles (verdes) provavelmente estão um pouco decepcionados com o resultado.”

O episódio de plágio a que se refere Ritzpatrick diz respeito a uma autobiografia lançada por Baerbock, que já estava em elaboração antes de ela ser candidata, mas que teve sua finalização antecipada por conta da campanha. No processo, trechos sobre política foram ampliados e os da vida pessoal reduzidos e pessoas responsáveis por colaborar com o texto entregaram outras partes em cima da hora, com citações e fontes sem identificação.

“A candidata a chanceler cometeu alguns erros no início, especialmente em relação a um livro de memórias político produzido às pressas e editado de maneira inadequada, e sua incapacidade de lidar com as consequências quando a questão do plágio foi levantada”, avalia à RBA o diretor do Centro de Estudos Alemães e professor associado de Estudos Alemães na Universidade de Waterloo, James M. Skidmore.

O sexismo na política alemã

Mas o livro não foi o único fator que resultou em perdas eleitorais para a legenda. “Deve ser mencionado, também, que algumas das histórias sobre ela na imprensa tinham implicações misóginas. Seu vigor juvenil, que tinha sido um ponto positivo, tornou-se um símbolo de inexperiência, e os eleitores reagiram de acordo. Mas não devemos esquecer que os verdes foram o único partido que conquistou eleitores de todos os outros partidos principais. O apoio a eles está crescendo, eles simplesmente não tinham um candidato que pudesse capitalizar isso”, aponta Skidmore.

“Annalena Baerbock foi certamente a mais atacada dos três candidatos a chanceler da Alemanha. A cobertura sobre as imprecisões em seu currículo, acusações de plágio em um livro que ela lançou no início da campanha e o atraso no pagamento de impostos sobre seu bônus de Natal foram gafes/escândalos que eram identificáveis ao eleitorado o suficiente para fazer com que questionassem sua capacidade de governar”, explica Chantal Sullivan-Thomsett.

Ela lembra que os outros dois candidatos homens tiveram seus próprios escândalos ou gafes, mas, no caso de Scholz, o chamado escândalo Wirecard era um episódio financeiro de difícil explicação para o público em geral e não tão fácil para os jornalistas noticiarem. E mesmo com o país tendo à frente do governo por 16 anos uma mulher, o sexismo pesou para a líder dos verdes.

“Eu diria que houve algum elemento de sexismo nos ataques que Baerbock enfrentou durante a campanha. Em uma entrevista durante o verão para a TV, a última pergunta feita à candidata foi de que forma ela explicaria a seus próprios filhos como, por causa de seus erros, ela foi incapaz de tomar medidas adequadas contra a mudança climática. Esse tipo de pergunta não foi feita para seus concorrentes do sexo masculino, nem são feitas de forma mais geral para os políticos do sexo masculino na política alemã. A posição de Baerbock como mãe de dois filhos pequenos e política de centro-esquerda certamente fez com que fosse tratada de forma diferente em relação aos concorrentes”, analisa Chantal Sullivan-Thomsett.

A jornalista Emily Schultheis, em matéria publicada no site Politico, também avalia que o preconceito de gênero pesou contra a candidata, destacando que ela teve que responder perguntas sobre como ela equilibraria o cargo de primeira-ministra com “ser mãe”. “Na política, as pessoas reagem muito mais agressivamente às mulheres. Especialmente nas mídias sociais, onde você não precisa usar nomes reais para se expressar, realmente tenho a sensação de que há uma diferença”, disse Annalena Baerbock em entrevista ao site.

Os verdes em um novo governo

O Partido Verde já fez parte de uma coalizão com o SPD entre 1998 e 2005, tendo um de seus fundadores, Joschka Fischer, como vice-chanceler no governo de Gerhard Schröder. Contudo, tratava-se um parceiro menor, que teve que engolir a contragosto medidas como o primeiro apoio da Alemanha a um ataque militar, com envio de soldados, depois da Segunda Guerra, por conta da invasão dos Estados Unidos no Afeganistão, em 2001. Agora, contudo, não só o poder dos verdes é maior como suas bandeiras estão em evidência no país.

“Certamente, os verdes dos anos 1990 e 2000 eram uma força política relativamente nova e que ainda havia muita divisão interna. Embora ainda existam algumas ligeiras divisões ideológicas dentro do partido, eles são hoje uma legenda muito mais unificada e profissionalizada do que era há duas décadas, e um partido que continuou a ganhar experiência de governo em nível estadual durante seus 16 anos de oposição no governo federal nível”, explica Chantal Sullivan-Thomsett.

A pesquisadora observa que os verdes da década de 2020 são geralmente mais pragmáticos e abertos à união com a CDU e o FDP, bem como com o SPD, o que seria improvável no anos 1990 e 2000. “Um estudo do Centro de Ciências Sociais de Berlim mostra que o manifesto partidário dos verdes para as eleições de 2021 tem um objetivo claro em direção ao centro político na Alemanha, em vez de se limitar apenas à centro-esquerda. Além disso, a coalizão entre 1998 e 2005 era uma coalizão de dois partidos com um SPD muito mais dominante.”

A atuação do Partido Verde pode também ser um parâmetro para outras siglas que tem como principal causa a questão ambiental na Europa. Para Chantal, isso vai depender do quanto eles serão capazes de consolidar as medidas de proteção climática, já que eventuais parceiros hesitam em seguir políticas que possam ter um impacto negativo sobre os empregos (SPD) ou que exijam maior tributação ou aumento da dívida pública (FDP). Além disso, ela lembra que é necessário ainda realizar uma conferência da sigla para ratificar o acordo e saber o quão influente a Alemanha continuará a ser dentro da União Europeia após a saída de Merkel e com uma protegida sua, Ursula von der Leyen, no cargo como presidenta da Comissão Europeia.


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