Ofensiva continua

Sob cessar-fogo, Israel mantém ofensiva e colonos invadem mesquita palestina

Entidade denuncia continuidade do “plano de limpeza étnica contra a Palestina”. Observatório condena ataques e diz que conflitos são provocados por Netanyahu, que tenta reverter desaprovação de seu governo

Mostafa Alkharouf/Ag. Anadolu
Mostafa Alkharouf/Ag. Anadolu
Polícia israelense segue com operações de prisões de massa de cidadãos palestinos que vivem em territórios ocupados por Israel

São Paulo – Apesar do acordo de cessar-fogo entre o estado israelense e o Hamas declarado na última sexta-feira (21), após 11 dias seguidos de ataques, Israel continua a ofensiva contra a Palestina, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) apela por ajuda humanitária à Faixa de Gaza. No mesmo dia do início da trégua, a polícia de Israel atacou grupos palestinos na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém. Ao menos 15 muçulmanos foram feridos por balas de borracha e gás lacrimogêneo, segundo a agência palestina de notícias Wafa

No terceiro dia do cessar-fogo, o veículo independente Middle East Eye (MEE)O Olho do Oriente Médio, em tradução livre – divulgou uma nova investida de colonos israelenses contra palestinos na mesquita Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do islamismo. O ataque ocorreu sob a proteção das forças de segurança, que validaram a violência sob alegação de motim. De acordo com as agências de notícias, nesta segunda (24) a polícia israelense segue com operações de prisões de massa de cidadãos palestinos que vivem em territórios ocupados por Israel. 

Ao todo, 500 pessoas podem ser presas pelas autoridades, que dizem ter “casos com evidências de infração à lei e à ordem”. A Wafa já confirmou a morte de um jovem palestino hoje na cidade da Cisjordânia. Segundo testemunhas ao jornal, foi alvejado pela polícia perto de um assentamento da região. 

Netanyahu força ataques

Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual, o historiador e jornalista Nathaniel Braia, diretor do Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil, avaliou que a continuidade dos atos contra os palestinos pode ser uma forma de provocá-los para novamente reagir e Israel colocar suas forças em campo.

Pelo valor simbólico, os episódios de ataques na Esplanada das Mesquitas têm potencial para levantar um novo conflito armado. Como já fez o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu há duas semanas. Braia lembra que antes do Hamas disparar cerca de quatro mil foguetes que atingiram, em 11 dias de conflito, 12 israelenses, esses ataques foram precedidos pela mortes de três comandantes do grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza, ordenadas pelo primeiro-ministro de Israel. 

Naquele momento, segundo o diretor do Observatório Judaico, se formava em Israel uma grande unidade nacional para tirar Netanyahu do poder, que se mantém há 12 anos no cargo, evitando assim sua prisão. Apesar dos elogios à sua campanha de vacinação contra a covid-19, uma das mais rápidas no mundo, desde o ano passado os índices de aprovação do primeiro-ministro vêm despencando por conta da forma, como mostra reportagem da CNN Internacional. O cargo, no entanto, é o que blinda o premiê de responder formalmente à Justiça pelas acusações de corrupção, que podem levá-lo a até 10 anos de prisão. 

Judeus repudiam atos de Israel

Para evitar sua queda, diz Braia, Netanyahu “fez toda essa provocação (matou os comandantes) e praticamente obrigou o Hamas a contra-atacar. Se o Hamas não tivesse respondido, haveria um novo ataque até que eles respondessem. E Netanyahu foi para o centro das operações para passar o recado aos israelenses, de que apenas ele é capaz de garantir a segurança de Israel contra a Palestina. A provocação teve endereço certo. Quando começou a tensão, foi cobrado o despejo das famílias que estão, desde 1942, (em Jerusalém Oriental) e já são refugiadas palestinas. E ele (primeiro-ministro) declarou que Israel ia continuar construindo casas e assentamentos judaicos nos territórios palestinos.”

Uma das vozes da comunidade judaica no Brasil, o diretor condena as atitudes de Israel. E diz que o estado trata de forma “absurda” e “desumana os palestinos”. Um exemplo é a exclusão dos palestinos da vacinação contra a covid-19. Assim como ataques aéreos recentes que bombardearam o principal centro de testes para a covid-19 em Gaza e a sede da Cruz Vermelha. A ONU alerta que a situação pode levar à disseminação da doença na região palestina. 

O antissionismo

Ao Jornal Brasil Atual, o secretário geral da Confederação Palestina Latinoamericana e do Caribe (Copal), Emir Mourad, confirmou que não há unanimidade da comunidade judaica sobre o apoio ou o repúdio aos ataques de Israel contra a população palestina; “Conheço vários judeus e árabes que dialogam justamente porque a libertação de um povo não se dá à custa da prisão do outro. É essa compreensão e base que pode nos levar à paz”, destaca Mourad. Desde a fundação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1969, há o entendimento que difere o judaísmo – religião – do sionismo. Esse último é o movimento que defende a expulsão forçada dos palestinos para a expansão do estado de Israel.

Ele explica que a religião nesse caso é “usada para manipular mentes e corações”. Mas na verdade, sob Netanyahu, “Israel promove seu plano histórico de limpeza étnica da Palestina”, afirma. “Ocupa territórios palestinos reconhecidos desde 1947 pela comunidade internacional, usando a morte e a expulsão para se expandir”. O secretário lembra que, em 2008, no suposto confronto entre as regiões, a operação que foi chamada de Chumbo Fundido por Israel matou 1.440 palestinos, mas um total de 13 israelenses. Em 2012, 167 palestinos foram mortos, ante seis israelenses, dessa vez na operação Pilar Defensivo. E em 2014, até então o conflito mais letal, quase 2.200 palestinos foram vitimados nos conflitos, enquanto que 73 pessoas morreram do lado israelense. 

Não é guerra, é massacre

A desproporcionalidade do poder de fogo entre os dois lados ficou novamente evidente agora, já que, até o cessar-fogo da semana passada, foram mortos 243 palestinos – entre eles, 66 crianças e 39 mulheres – e 12 israelenses, sendo uma criança. 

“Ou seja, essa conversa de que Israel tem o direito de se defender é a narrativa israelense de algo que não é fato. Muitas vezes a mídia tradicional, que se alinha aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos e de Israel, coloca essa versão, de que é uma disputa de territórios. Mas não é. O território pertence à Palestina. Eles não estão disputando nada, estão em seu próprio país resistindo contra a ocupação (por Israel). Não é “Guerra de Gaza”, é um massacre. Porque uma guerra não tem essa desproporção que se apresenta nos diversos ataques que Israel promoveu contra o povo de Gaza e da Cisjordânia”, enfatiza o secretário-geral da Copal. 

Confira a entrevista na íntegra

Redação: Clara Assunção


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