Protestos diplomáticos

Impeachment do presidente do Paraguai teria repercussão negativa para Bolsonaro

Palácio do Planalto teme queda de aliado por conta da má gestão diante da pandemia. Professor da Unicamp avalia que as manifestações no Paraguai pavimentam aumento de pressão sobre o governo brasileiro

Reprodução/Twitter
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"O humor da cidadania explodiu com o grau de incúria e corrupção", explica o professor André Káysel sobre os protestos que já duram oito dias

São Paulo – Uma possível destituição do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, por conta da má gestão diante da pandemia do novo coronavírus, traria consequências negativas para o governo de Jair Bolsonaro. É o que analisa o professor doutor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), André Káysel. 

Em entrevista a Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, o especialista avalia que o presidente brasileiro perderia um aliado estratégico num momento em que governos progressistas ganham fôlego na América Latina.

O Paraguai completa nesta sexta-feira (12) oito dias seguidos de protestos nas ruas com bandeiras e cartazes com mensagens contra o governo do partido Colorado. A onda de manifestações eclodiu no país vizinho após o aumento de casos de covid-19, que ultrapassou a marca de mais de mil contaminados por dia. Em termos de comparação, por milhão de habitantes, o Brasil tem o dobro de infectados e três vezes mais o número de mortos em decorrência da doença. Mesmo assim, a escalada da pandemia no país vizinho foi suficiente para colapsar o sistema de saúde público, onde faltam desde medicamentos básicos a leitos de UTI. 

Incúria e corrupção

Além disso, apenas 0,1% dos paraguaios foram vacinados, a cobertura mais baixa na região. E a variante brasileira do coronavírus também já chegou ao país. Nos primeiros meses da crise sanitária, no ano passado, o Paraguai chegou a ser elogiado pelas medidas de controle da covid-19, ao fechar as fronteiras e adotar uma quarentena rigorosa. Neste ano, no entanto, o presidente decidiu flexibilizar as medidas restritivas e os casos logo voltaram a subir.

O governo de Abdo Benítez ainda passou a ser cercado por denúncias de desvios de verbas no Ministério da Saúde. O parlamento, ainda em 2020, havia liberado um crédito de US$ 1,6 bilhão para o Executivo fazer frente à pandemia. Mas apenas 37% desse valor foi gasto. “O humor da cidadania explodiu com o grau de incúria e corrupção”, sintetiza Káysel. O professor doutor indica que o governo paraguaio ganhou uma sobrevida com uma reforma ministerial que tenta acomodar os interesses políticos. Principalmente com nomes ligados ao ex-presidente do Paraguai, Horacio Cartes, do mesmo partido. Mesmo assim, as legendas de oposição, o Liberal Radical Autêntico (PLRA) e o Frente Guasú (FG), já decidiram protocolar um pedido de impeachment. 

Impacto em Bolsonaro

No Brasil, interlocutores do governo federal já admitem que a crise paraguaia preocupa Bolsonaro, que teme a queda de seu aliado. Em 2019, numa negociação do Brasil relativa ao uso da energia hidrelétrica de Itaipu, Abdo Benítez chegou a ser considerado “traidor” pela população, ao assinar um acordo no qual o país se comprometia a revender o excesso de energia por um preço mais baixo a uma intermediária da Eletrobras. Historicamente, os paraguaios já se sentem lesados pelo acordo de Itaipu e as novas negociações provocaram ainda mais indignação entre os civis, que foram às ruas pedir a destituição do presidente. 

À época, o governo Bolsonaro não apresentou objeções ao cancelamento do acordo bilateral para impedir que o processo de impeachment prosseguisse. Para o professor da Unicamp, desta vez, os novos protestos no Paraguai se unem aos movimentos que eclodiram na região nos últimos dois anos. Como no Chile, que questionava a Constituição herdada do período do ditador Augusto Pinochet, e os atos contra os governos de direita de Lenin Moreno, no Equador, e de Iván Duque Márquez, da Colômbia.

Há, de acordo com Káysel, um evidente “desgaste na América do Sul com essa nova onda neoliberal que começou há cinco anos, ainda mais radical que dos anos 90, que só traz empobrecimento e desigualdade. E que no momento de pandemia acaba tendo consequências verdadeiramente genocidas. Estes protestos se inserem nessa tendência regional dos últimos dois anos”, observa. “No Brasil, ainda que seja uma questão ética e sanitariamente complicada ir para a rua agora, – não é nada recomendável –, é preciso aumentar a pressão sobre um governo que em termos de pandemia tem histórico incomparavelmente pior”, pontua o professor.

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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