Acerto histórico

Chile decide em plebiscito se derruba Constituição da Era Pinochet

Mudança do texto constitucional, que instituiu um Estado autoritário combinado a uma economia de livre mercado, pode ser mais um passo do país rumo à consolidação da democracia

David Lillo/Minsal
David Lillo/Minsal
Pressão sobre Sebastían Piñera, após represssão violenta do governo a protestos, foi um dos fatores para a convocação do plebiscito

São Paulo – O Chile realiza neste domingo (23) um plebiscito nacional que poderá abrir caminho para a construção de uma nova Constituição, encerrando mais uma etapa da história do país rumo à consolidação da democracia.

Elaborada em 1980, pode-se dizer que a atual Carta Magna é o principal representante do chamado “entulho autoritário” decorrente do período em que o país viveu sob a ditadura comandada pelo general Augusto Pinochet. Quando os protestos contra as tarifas de metrô se transformaram em um levante nacional, em 2019, o texto constitucional se tornou um dos alvos principais das manifestações.

A Carta Magna teve como um dos seus principais autores o conselheiro Pinochet, Jaime Guzmán, que consagrou a filosofia neoliberal dos chamados Chicago Boys, um grupo de economistas conservadores chilenos orientados pelo estadunidense Milton Friedman. O historiador Renato Cristi, autor do livro El pensamiento político de Jaime Guzmán, aponta que Guzmán conseguiu forjar um regime constitucional com um Estado autoritário forte e uma economia de livre mercado.

Assim, foi aberto o caminho para a privatização de serviços públicos como educação, saúde e previdência, mudanças que, com o passar dos anos, foram responsáveis pelo aprofundamento da desigualdade social no país.

O que o plebiscito vai decidir

Hoje, os chilenos decidem se aprovam ou não a mudança constitucional. E, independentemente desta opção, o eleitor tem que decidir como deseja que uma possível nova Carta Magna seja escrita respondendo à pergunta “Que tipo de órgão deve redigir a Nova Constituição?”.

As alternativas colocadas são “convenção constitucional mista” , composta em partes iguais por representantes eleitos por voto direto e parlamentares que já estão em exercício, e “convenção constitucional” , uma assembleia composta integralmente por cidadãos eleitos para esta finalidade.

Caso seja aprovada a mudança da Constituição e vença a “convenção mista”, o Parlamento terá que escolher internamente 86 deputados para redigir a Constituição e outros 86 serão indicados em eleição direta. Se a “convenção constitucional” triunfar, os membros, homens e mulheres divididos em partes iguais, serão eleitos de forma direta , sem que representantes do Congresso Nacional possam participar do pleito para fazer parte desta convenção.

Entulho autoritário

A convocação do referendo só ocorreu após o presidente Sebastián Piñera enfrentar um dos períodos mais violentos da democracia chilena em 2019. Desde o início dos protestos, mais de 30 pessoas foram mortas pelas forças de segurança no país.

À época, a própria resposta do governo evidenciou a herança da ditadura chilena e a permanência de métodos de tortura e execução. Estima-se que ao menos 445 pessoas tenham sofrido lesões nos olhos no período de quase cinco meses em que o país conviveu com protestos de rua, e mais de 34 perderam um olho pelos impactos das balas de borracha. Diversas pessoas ficaram totalmente cegas. 

Por conta da necessidade de mudança, a expectativa em relação a uma nova Constituição é grande. O cientista político da Universidade Mayor de Santiago José Cabezas aponta ao The Guardian que existe uma distância entre o que as pessoas acreditam que uma nova Carta pode mudar e o que efetivamente pode acontecer. Mesmo assim, ele considera este um ponto de inflexão significativo para que o Chile finalmente consolide sua transição para a democracia.

“Estamos construindo uma nova base. Não sabemos que tipo de casa teremos, mas será melhor”, acredita. “A percepção do público sobre a Constituição vai mudar porque nós vamos fazer parte dela. Não foi escrita por pessoas com sangue nas mãos.”

A participação no plebiscito do Chile

Uma preocupação em relação ao referendo deste domingo diz respeito à participação popular. O chile é um dos países cuja abstenção em eleições é das mais elevadas da região. Nas eleições presidenciais de 2017, por exemplo, o comparecimento às urnas não ultrapassou os 50%.

Por um lado, as pesquisas indicam que há uma predisposição maior para votar em comparação com outras eleições, mas em geral as pesquisas com voto voluntário não são bons preditores de comportamento ”, explica a deputada adjunta no Chile do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD), Marcela Ríos, ao site espanhol El Pais. “Você vota em um contexto de uma pandemia e, por outro lado, a participação em geral tende a ser um pouco menor nos plebiscitos do que nas eleições regulares. Nesta ocasião, o Chile não votará por pessoas, mas por preferências.”


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