América Latina

‘Em três meses destruíram e redolarizaram economia boliviana’, diz candidato do MAS

Apoiado por Evo Morales, Luis Arce Cataroca promete que reconstruirá estrutura do país, em franco retrocesso desde golpe patrocinado por OEA e EUA

Adrián Pérez
Adrián Pérez
Arce foi o candidato escolhido por Evo Morales e pelo MAS para disputar as eleições na Bolívia em maio

Buenos Aires – Luis Arce Catacora, conhecido por alguns como Arce e por outros como Catacora, é o homem atrás do exitoso modelo econômico dos últimos 14 anos na Bolívia. E que foi interrompido abruptamente em outubro passado, com o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales.

Economista, com dois filhos engenheiros e uma filha que está para começar também na carreira de engenharia, Arce não se deixa abater pelas adversidades. Após o golpe, em 12 de novembro, viajou para o México com Morales e o vice-presidente deposto Álvaro García Linera. Quando em 28 de janeiro regressou a La Paz, onde reside, era esperado com uma citação judicial. 

O candidato a presidente pelo Movimento ao Socialismo (MAS) ainda espera que o Tribunal Supremo Eleitoral habilite sua postulação às eleições de 3 de maio. Está convencido de se tratar de um tema político. “Querem meter medo às pessoas dizendo que não vamos nos candidatar”, afirmou em entrevista ao jornal argentino Página 12, em uma casa de San Telmo, depois de reunião com o chefe de campanha, Evo Morales.

Luis Arce Catacora lidera a última sondagem difundida esta semana com 31,6% de intenção de votos, seguido pelo ex-mandatário de direita Carlos Mesa, com 17% e pela presidenta de fato Jeanine Añez, com 16,5%.

“O primeiro que temos que fazer é reconstruir a economia boliviana, que destruíram em três meses”, diz o aspirante do MAS à presidência da Bolívia, preocupado com o que possa suceder de agora até a eleição. “Quem nomeou o presidente do tribunal eleitoral, Salvador Romero? O governo de fato. E este governo de fato se candidata. Onde está a transparência?”

Essa profunda inquietação foi transmitida ao presidente argentino Alberto Fernández no encontro que mantiveram antes que Arce voltasse ao seu país. 

Confira a entrevista

Ainda falta que o Tribunal Supremo Eleitoral habilite sua candidatura. É uma questão administrativa ou há algo mais de fundo?

Veja bem, para mim é um tema eminentemente político o que está ocorrendo com este Tribunal Supremo Eleitoral. Quer observar absolutamente tudo. A primeira vez que me fizeram observações foi na semana passada, quando me disseram que devia substituir minha declaração jurada de residência e em que consistia o erro. Tinha de declarar que resido na Bolívia pelo menos há cinco anos. Tudo é um show. Querem meter medo às pessoas dizendo que não vamos nos candidatar, que não temos os requisitos para postular. E agora vêm com outro tema. Em 2018 fui integrante da diretoria da YPFB Transporte e da YPFB Andina, duas empresas subsidiárias de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos. Disseram que não tinha renunciado, mas não tinham me pedido esse requisito. Quando assumi em janeiro de 2019 outra vez o Ministério de Economia, é claro que renunciei aos dois cargos, porque é eticamente incorreto. (Nota da Redação: Arce foi ministro de Economia entre 2006 e 2017, quando deixou o cargo para se submeter a um tratamento médico e o recuperou em janeiro de 2019).

Ainda está em suspenso a candidatura de Evo Morales para o Senado.

Sim. Não conheço os detalhes, porque não sei o que estão observando para o companheiro Evo. Mas imagino que são coisas absolutamente fora de lugar. É basicamente colocar pedras no caminho porque é uma decisão política. Existe uma pressão política para que não nos habilitem, para que o MAS não tenha sua candidatura. Estamos em primeiro lugar nas pesquisas.

O que promete aos bolivianos? 

O primeiro que temos que fazer é reconstruir a economia boliviana. Destruíram-na em três meses. O que está acontecendo em meu país é atroz: diminuíram os depósitos, a economia foi dolarizada outra vez, caiu a atividade econômica, os micro empresários tiveram suas vendas reduzidas em 50%. Temos que continuar nossos processos industrializadores, vamos retomar o que nunca devíamos ter deixado de fazer. Temos que voltar a ser a economia de maior crescimento econômico na região. E continuar aprofundando modelos de distribuição de renda do nosso modelo econômico.

Evo Morales disse que o golpe foi em parte por causa do lítio. Está de acordo? 

Totalmente. Esse projeto teve de ser paralisado e agora esse governo transitório está negociando um contrato estrutural para a economia boliviana que tem que ver com o lítio, mas não é só isso. Havíamos avançado em uma negociação com uma empresa alemã para que se instale na Bolívia e produza baterias de lítio. Este governo desfez o contrato. Além disso, o governo transitório está negociando um contrato de volumes e preços de exportação de gás ao Brasil. Não é uma coisa menor, já que vai ter seu impacto nos anos seguintes. Como pode ser possível isso de parte de um governo transitório? A única coisa que tinha de fazer este governo era convocar as eleições e tinha de fazê-lo em 120 dias. 

O que teme desta negociação com o Brasil?

Que não se vele pelos interesses dos bolivianos. O senhor Montes, que estava a cargo da empresa estatal de comunicação, fugiu para Miami porque incrementou os salários e fez pagar indenizações, e foi embora (Nota da Redação: Élio Montes, nomeado pelo governo de fato, foi denunciado por malversação de fundos). Voltamos ao passado escuro, quando umas poucas famílias eram as únicas que manejavam os desígnios das empresas do Estado.

Crê que haja garantias hoje na Bolívia para que se realizem as eleições de 3 de maio?

O governo de fato nomeou o presidente do tribunal eleitoral. E a presidenta se candidata. Onde está a transparência? Não é só por isso que pedimos a ajuda da opinião internacional. Nos disseram que o anterior tribunal tinha um sistema que foi vulnerabilizado. Quem nos garante que o atual sistema não tenha tudo o que eles denunciaram? E digo mais ainda: este Tribunal Supremo Eleitoral eliminou a contagem rápida, disse que só vai anunciar os resultados depois de dez dias de ocorridas as eleições. Quem garante que não ocorra nada aí dentro? 

Imagino que haverá observadores internacionais.

Estamos pedindo que venha a maior quantidade de observadores, mas também é importante que durante todo o processo eleitoral vejam o que nos estão fazendo com essas impugnações, superficiais e arbitrárias, que não fazem para nenhuma outra candidatura. Queremos que eles possam certificar diante da imprensa internacional e dos observadores que o sistema é invulnerável. Temos claros indícios de que o processo não está nada transparente para todos os bolivianos. 

A OEA voltará a participar?

Quiséramos que outras instituições especializadas no tema eleitoral, como a Fundação Carter, venham garantir tudo o que venho dizendo: que o sistema funcione. Que seja imparcial, que alguém possa nos dar a segurança de que estão fazendo o mesmo com todos os candidatos, se é que estão fazendo, e que nos garanta eleições transparentes.

Quando regressou à Bolívia, a Promotoria o notificou de um processo contra o senhor, relacionado com o Fundo Indígena. De que o acusam?

Cheguei à Bolívia, desembarquei e antes de ir a migrações já havia um policial me esperando com uma notificação. É amedrontamento, é perseguição política. Citaram para o dia seguinte na Promotoria e eu fui. Não tenho nada que ocultar, não sou nenhum corrupto. Eu não fiz absolutamente nada mal feito. Aí felizmente teve gente das Nações Unidas que percebeu a irregularidade na notificação e a irregularidade do processo. Até agora não pudemos ver do que sou acusado. 

A última pesquisa divulgada esta semana mostra que o senhor lidera a intenção de voto, mas que não evitaria um segundo turno

Nós acreditamos que podermos fazer melhor. O nível de votação que queremos vai além do que nos mostrou essa pesquisa. Vamos continuar trabalhando humildemente para consegui-lo. Há uma maior inclinação para nós por parte da população por tudo o que está acontecendo na Bolívia: estão dividindo as empresas públicas, estão pondo em risco todas as políticas sociais, não estão pagando nossos bônus e rendas que havíamos estabelecido como política social; os salários do setor público se pagam nos dias 10 ou 15 do mês seguinte, quando pagávamos no fim do mês. Isso as pessoas não aguentam. Estavam acostumadas a que houvesse um manejo adequado da economia com gente séria e responsável que sabia o que estava fazendo. Portanto, isso vai se traduzir em mais votos para nós. E digo mais: existe um voto oculto. Ao caminhar pelas ruas de Santa Cruz, de Cochabamba, de La Paz, se vê que as pessoas estão temerosas. Se dizem que vão votar no MAS, as culpam de sediciosas, as perseguem, as agridem. Isso acontece. Então as pessoas têm medo e quando perguntam não vão dizer que votam no MAS. Há um voto oculto como aconteceu no ano de 2005 com o então candidato à presidência Evo Morales. As pessoas tinham medo, e tivemos 54% quando as pesquisas não nos davam nem 30%.


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