análise

‘Trump tenta criar narrativa de sucesso em sua operação terrorista’

Para especialista em política internacional Marcelo Buzetto, operação terrorista de Trump pode levar a um levante anti-imperialista na região

reprodução/yt
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"Irã vem construindo com a Rússia e a China uma política que ameaça os interesses dos EUA"

São Paulo – “Trump tenta criar uma narrativa de que foi bem sucedido em sua operação que, na verdade, foi um ato terrorista, criminoso e ilegal”, disse o pós-doutorando em políticas internacionais pela Unesp e integrante do coletivo de relações internacionais do MST Marcelo Buzetto. O especialista falou com a Rádio Brasil Atual a situação política no oriente médio e as tensões na região, provocadas pelo governo de Donald Trump ao comandar uma operação que matou o general iraniano Qassem Soleimani na última semana.

O atentado dos Estados Unidos aconteceu na última sexta-feira (3), próximo ao aeroporto de Bagdá. Soleimani estava na capital iraquiana em uma missão diplomática de paz quando foi assassinado por mísseis disparados por um drone. Na noite de ontem (7), o Irã iniciou ações de retaliação, com o bombardeio de duas bases militares com presença dos EUA no Iraque.

“O assassinato desencadeou um movimento forte contra os EUA no Iraque, no Irã e em todo o Oriente Médio. Acho que foi um grave erro e ele (Trump) pode sim pagar um preço por isso”, disse Buzetto.

Após o início da retaliação, Trump concedeu entrevista coletiva na tarde de hoje. Tentou passar impressão de vitória e de que o Exército não contabilizou baixas na operação iraniana. A informação é controversa. “As informações que temos de órgãos de imprensa do mundo árabe falam de 80 mortos nos ataques iranianos. Dizem que todos os mísseis atingiram as bases (…) O discurso do Trump é uma tentativa de criar uma narrativa falsa”, completou o cientista político.

Eixo de resistência

Alguns países, como Alemanha e Austrália, anunciaram a retirada de aparatos militares da região. O parlamento iraquiano já solicitou a saída completa das tropas da Otan de seu território. Como um dos efeitos reversos da operação terrorista de Trump, pode acontecer um levante anti-imperialista na região, algo já trabalhado pela política externa iraniana ao longo dos anos. “O Irã faz parte de uma estratégia política e militar regional. É uma potência regional. Qassem Soleimani foi um dos idealizadores de uma estratégia de construir uma coalizão de forças”, explica o especialista.

“O Irã também vem dialogando com os árabes, aumentando influência no Iraque, Afeganistão. Soleimani chamava isso de ‘eixo da resistência’ contra o imperialismo dos EUA, Europa e aliados regionais, principalmente Israel e Arábia Saudita. O Irã também tem diálogo com Rússia e China. O posicionamento iraniano tem sido bem planejado. O país se preparou para uma situação como essa. Soleimani tinha consciência do risco de seu assassinato covarde enquanto estava em missão diplomática”, completou Buzetto.

O mencionado “eixo de resistência” possui um histórico recente de vitórias, como a retirada de tropas israelenses do Líbano no início dos anos 2000 e, mais recente, com o sucesso de operações de combate a grupos terroristas como o Estado Islâmico. “O eixo de resistência conseguiu enfraquecer grupos terroristas na Síria que eram patrocinados por Israel. EUA nunca mobilizou grandes tropas na Síria, mas apoiou muitos grupos terroristas. Israel invadiu o espaço aéreo Sírio e bombardeou o exército sírio para salvar o Estado Islâmico várias vezes.”

Questão econômica

Além de possíveis ligações de forças imperialistas com grupos terroristas, outros elementos podem ter contribuído para que Trump resolvesse promover um atentado terrorista. “O Irã vem construindo com a Rússia e a China uma política que ameaça os interesses dos EUA. Parece que o pessoal não olha muito pra isso. O Irã tem realizado encontros com Rússia e China tentando discutir a utilização de outra moeda que não o dólar em transações comerciais (…) Hugo Chavez, Muammar Kadafi e Saddam Hussein chegaram a discutir essa questão. Agora, qual foi o destino deles?”, provoca o especialista.


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