Carta à ONU

Irã diz que não busca guerra, mas se defenderá de ‘outra aventura militar’

Embaixador iraniano na ONU, Majid Takht Ravanchi recusou cooperar com os EUA enquanto sanções econômicas e atitudes hostis contra o país forem mantidas

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EUA e Irã tentam controlar a temperatura, mas atentados terroristas podem ocorrer, segundo especialista

São Paulo – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta quarta-feira (9) que deverá impor novas sanções econômicas ao Irã, após o país ter atacado com mísseis duas bases no Iraque com presença de militares norte-americanos, em retaliação ao atentado que matou o general iraniano Qassem Soleimani. O Irã, por sua vez, afirmou por intermédio do embaixador Majid Takht Ravanchique nas Nações Unidas, que o país não busca uma guerra, mas se defenderá de qualquer agressão.

Em carta enviada às ONU, Majid Takht Ravanchi afirmou que o ataque “uma resposta militar medida e proporcional sobre a base aérea no Iraque a partir da qual foi lançado o covarde ataque contra o mártir Soleimani”.

Ele também classificou como “inacreditáveis” as propostas de cooperação anunciadas por Trump, em meio ao recrudescimento das sanções econômicas e atos de hostilidades. Ravanchi disse ainda que não aceitará “qualquer outra aventura militar”, como a que culminou no assassinato do general.

Fatos e análises sobre o conflito EUA x Irã

Para o professor Reginaldo Nasser, de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o tom “moderado” do discurso de Trump indica que Washington não deseja um “conflito aberto”, mas deve reforçar as apostas nas sanções econômicas. Uma das consequências, segundo ele, é o aumento do sentimento antiamericano no Irã e nos demais países do Oriente Médio.

“Inclusive dissidentes e opositores ao governo do Irã estão contra os Estados Unidos. Existe um sentimento de unidade nacional muito maior”, afirma o professor ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (9). Ele acredita que o Irã deverá reforçar ainda mais a sua presença em países do Oriente Médio, como vem fazendo há cerca de 15 anos, em países como o Iraque, por exemplo. Ele também aponta que deverá aumentar as presenças russa e chinesa na região.

Segundo Nasser, são vários os eventuais motivos para os Estados Unidos terem decidido eliminar Soleimani. As motivações iriam desde temas domésticos, como a pressão sofrida por Trump em função do processo de impeachment que tramita no Congresso americano, bem como as eleições presidenciais que se aproximam. O lobby da indústria de armas também teria exercido papel importante. Nasser lembra que o orçamento militar dos Estados Unidos para 2020 é de cerca de US$ 800 milhões. Interesses israelenses também teriam pesado no cálculo norte-americano.

Além de Israel, os norte-americanos ganharam pontos também com a Arábia Saudita e com os Emirados Árabes, segundo o professor. Por outro lado, a presença norte-americana no Iraque se torna cada vez mais difícil, pois ocorria a partir de uma cooperação com as próprias autoridades iranianas no combate ao grupo terrorista Estado Islâmico.

Apesar dos discursos “moderados” da parte de norte-americanos e iranianos, e até mesmo do líder xiita no Iraque Moqtada al-Sadr, Nasser diz que um ataque de grupos paramilitares contra os Estados Unidos é questão de tempo. “Não é improvável um ataque terrorista, mesmo que de forma isolada, com a atuação dos chamados lobos solitários. As organizações terroristas gostam desses momentos de tensão e instabilidade.”

Isolamento

A postura do governo brasileiro, que declarou apoio ao ataque norte-americano contra Suleimani foi “única no mundo”, destacou Nasser, destoando até mesmo dos tradicionais aliados europeus, que adotaram postura mais moderada. O alinhamento automático com os Estados Unidos contrasta não apenas com posição adotada em governos anteriores, como nos períodos Lula e Dilma, mas também com todo o histórico de atuação da diplomacia brasileira, segundo o professor. Ele lembra que, até mesmo durante a ditadura, o Brasil adotou uma política externa independente.

Ele também rebateu críticas do presidente Bolsonaro que, após assistir ao pronunciamento de Trump, acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de apoiar o enriquecimento de urânio acima 20% – níveis necessários para a construção de um artefato nuclear. Segundo Nasser, a Declaração de Teerã, firmada entre o Irã, Brasil e Turquia, serviu para evitar um ataque iminente dos Estados Unidos naquele momento. “O risco de um ataque dos Estados Unidos contra o Irã era muito alto. Aquela movimentação, se não resultou num acordo, foi muito importante para acalmar os ânimos e barrar qualquer tipo de ataque. É uma das grandes realizações da política externa brasileira.”

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