Imperialismo capitalista não cabe na democracia, e vice-versa
Durante seminário que antecede a reunião de Cúpula dos Brics, em Brasília, lideranças populares debateram a natureza da escalada autoritária no mundo
Publicado 12/11/2019 - 20h07
São Paulo – O seminário internacional “Brics dos Povos” chegou ao fim hoje (12), após dois dias de debates que abordaram temas como novos desafios do trabalhismo, solidariedade entre nações e enfrentamento ao imperialismo na busca por soberania. O evento antecedeu a reunião da Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que acontece entre amanhã e quinta-feira.
Em pauta, nas duas mesas do dia, a luta entre o capitalismo financeiro e a democracia em todo o mundo. Neste momento, o convívio entre ambos mostra-se cada vez mais insustentável. “Um por cento da população mundial acumula 50% da riqueza; 50% dos mais pobres tentam se virar com 3% da riqueza. Isso leva, certamente, a uma bifurcação entre capitalismo e democracia”, disse a líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Jandira fez uma apresentação sobre as contradições da atual fase do capitalismo durante a primeira mesa do dia, intitulada “Crise Política Internacional e a Luta Popular”. A parlamentar defendeu a existência do Brics como um bloco de resistência ao processo de derretimento das democracias populares. “O capitalismo contemporâneo representa uma agressividade do império que resiste à multipolaridade. Os Brics são uma expressão da multipolaridade.”
Para a deputada, o bloco possui, hoje, um elo de fragilidade nessa busca por independência e autodeterminação dos povos: o Brasil. Com a eleição do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil viu sua política guinar completamente. A agenda bolsonarista reúne o autoritarismo a serviço do capital financeiro, a entrega do patrimônio nacional a empresas estrangeiras e o alinhamento aos interesses dos Estados Unidos.
As investidas do capital através de golpes de Estado e governos autoritários podem ser uma reação do poder econômico e geopolítico norte-americano contra os avanços dos últimos anos, em especial na América Latina e na Ásia. “Neste momento em que existe um deslocamento do polo tecnológico para a Ásia, existe um incômodo no império que sofre um relativo declínio, os Estados Unidos. Relativo declínio econômico, tecnológico e político”, comentou Jandira.
Agora, a restauração do império pede o aprofundamento da desigualdade, como completa a parlamentar. “O capital financeiro busca uma desregulação do mundo do trabalho, a quebra da soberania, dos estados nacionais, sequestro de direitos sociais, que aprofunda com grande força a desigualdade (…) É impossível estabelecer uma agenda de profunda desigualdade, com uma massa de descartáveis, sem que a supressão da democracia se dê. Você cria uma agenda de supressão de direitos e impossibilidade de sobrevivência.”
Ilam Shaheen Khan, integrante do recentemente fundando Partido Socialista dos Trabalhadores da África do Sul, observou que a crise capitalista internacional vem se arrastando há mais de uma década, e a “burguesia não tem apresentado soluções” Segundo ele, o cenário caminha para um movimento de intensificação da pobreza no mundo.
“A crise capitalista leva os governos burgueses ao redor de todo o mundo a atacar os ganhos sociais. A crescente erosão da base social e do apoio popular a esses governos, os forçam cada a se apoiar em práticas autoritárias e na repressão”, disse.
Golpe na Bolívia
A pausa entre as duas mesas do dia foi marcada por um ato em solidariedade ao povo boliviano em frente à embaixada em Brasília, contra o golpe de Estado que desmontou toda a estrutura do governo eleito de Evo Morales. Evo, para preservar sua vida de ataques da extrema-direita, teve de fugir de seu país. Fora recebido como exilado político no México. O ato contou com a participação de trabalhadores do Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Mauritânia, Marrocos, Nepal, Congo, Peru, Estados Unidos e Venezuela.
“O povo boliviano luta, assim como o venezuelano, pela autodeterminação, pela distribuição justa das riquezas. Lamentavelmente, as Forças Armadas, que antes eram leais a seus princípios e a sua visão de construção do país, hoje saem a massacrar seu povo”, disse o venezuelano José Uzcatagui, militante da Frente Francisco de Miranda.
Ainda na primeira mesa, o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC) defendeu a solidariedade com a Bolívia como parte de uma política simbolizada pela articulação dos Brics. “A Bolívia é simbólica para entendermos a America Latina. Fortalecer os Brics, passa por fortalecer a soberania dos povos. Os países da América Latina não participam dos Brics, então, esse é o maior desafio que precisamos ampliar a articulação política latino-americana tendo os Brics como horizonte em correlação com o império estado-unidense”, disse.
Vontade política
Durante a mesa final do evento, concluído com a elaboração de um documento a ser entregue para a Cúpula do Brics (leia no final), o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stedile reafirmou a solidariedade com o povo boliviano e a necessidade de ações contra as investidas do capital financeiro.
“Precisamos de vontade política e deliberação para fazermos algum movimento anti imperialista. Contra Donald Trump, que espero que caia, e contra outros imperialistas que às vezes se manifestam em nossas regiões. Os companheiros árabes vivem falando sobre ações imperialistas de Israel e da Arábia Saudita, assim como os companheiros curdos denunciam a política imperialista do governo turco”, disse Stedile.
O coordenador do MST resumiu as ações imperialistas que influenciam nas políticas locais e promovem, entre outras influências, golpes de Estado, como “apenas uma expressão dos interesses do capital”. “Podemos fazer essa luta anti-imperialista como uma forma de enfrentar os interesses do capital que agora se manifestam, inclusive, utilizando métodos fascistas. Em cada um dos nossos países há símbolos da ação do imperialismo; seja pelos governos, seja por corporações internacionais; Monsanto, Bayer, Banco Mundial. Eles estão presentes em todo o mundo e contra eles vamos nos insurgir.”
Com informações do Brasil de Fato
Brics dos Povos – Declaração final
OS POVOS EXIGEM MUDANÇAS, PARA TERMOS FUTURO!
Nos dias 11 e 12 de novembro de 2019 nos reunimos – militantes de organizações populares, sindicais e políticas de 60 organizações de 9 países – no Seminário Internacional Brics dos Povos, para discutir a atual conjuntura política internacional e os desafios dos povos frente as ações imperialistas. Essa reunião antecede a 11ª Cúpulas dos Presidentes do BRICS, que ocorrerá nos dias 13 e 14 de novembro.
Nos reunimos no Brasil num momento internacional de acirramento da luta de classes. A crise estrutural capitalista, que produz contradições decisivas nas dimensões ambiental, política, social e econômica, se aprofunda. O capital financeiro impõe ao mundo uma nova etapa do neoliberalismo, onde a apropriação do Estado, dos fundos e serviços públicos se soma a privatização dos bens comuns como a água, a terra, a biodiversidade, o ar.
É nesse momento que o Imperialismo age de forma mais contundente. A dinâmica geopolítica contemporânea se materializa na disputa pelos territórios em várias partes do mundo, principalmente no Oriente Médio, África e América Latina.
Essa nova fase se utiliza da manipulação de falsos valores, com caráter fundamentalista e conservador, por meios sofisticados de controle das mídias convencionais e digitais, num conjunto de táticas e formas chamada de “Guerras Híbridas”, para derrotar governos democráticos, se apropriar dos bens naturais, retirar direitos dos trabalhadores e derrubar a soberania das nações.
Além disso, o atual avanço tecnológico segue uma lógica de disputa interna entre as transnacionais para acumulação de riquezas, provocando uma mudança profunda na estrutura produtiva dos países e da divisão internacional do trabalho. A classe trabalhadora está excluída desse processo, atrasando o desenvolvimento pleno dos povos.
Diante disso, denunciamos:
1. O golpe de Estado na Bolívia, orquestrado pelos EUA com apoio dos governos do Brasil e da Argentina de Macri;
2. A posição do governo brasileiro contra o fim do embargo a Cuba, rompendo uma tradição histórica na Assembleia da ONU, se somando ao EUA e Israel, únicos países a defender essa medida dentre os demais 190 votantes;
3. Os ataques imperialistas à Venezuela e desestabilização a várias democracias latino-americanas;
4. Rechaçamos veementemente a destruição ambiental crescente e os ataques aos direitos dos trabalhadores;
5. O aumento dos investimentos na indústria militar subordinada ao Império, que se expressa na reativação da 4ª Frota, as mais de 300 bases militares no mundo, o que afeta diretamente a soberania dos países;
6. A perseguição política ao presidente Lula e, celebrando a sua liberdade após 580 dias de prisão injusta, nos comprometemos a lutar pela anulação de todos os processos jurídicos que buscam criminaliza-lo.
Nós, povos aqui reunidos, reivindicamos:
• A soberania e autodeterminação dos povos, a paz e novas relações entre seres humanos e natureza;
• A integração dos povos baseada na solidariedade internacional;
• Aprofundamento da democracia em nossos países e a defesa de projetos que tenham centralidade nos interesses da classe trabalhadora;
Neste momento da história, se reforça a importância da luta e da unidade internacional dos povos como ferramente das mudanças estruturais da sociedade.
Nos somamos à convocatória a todas as forças progressistas para construção da Jornada Internacional de Luta Anti Imperialista, que ocorrerá de 25 a 31 de maio de 2020.
Brasília, 12 de novembro de 2019
INTERNACIONALIZEMOS A LUTA, INTERNACIONALIZEMOS A ESPERANÇA!
Assembleia Internacional dos Povos
Capítulo Brasil – Alba Movimentos
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
Frente Brasil Popular
Frente Povo Sem Medo