Ponto de virada

Crise no Equador pode ser divisor de águas na América Latina

Sustentação política de Lenín Moreno interessa aos Estados Unidos, parceiro político-militar do país sul-americano, e a governos de direita na região. Para especialista, modelo de mobilização pode "viralizar"

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É uma manifestação social massiva de pessoas que saíram de maneira espontânea às ruas e estradas para paralisar o país contra o FMI"

São Paulo – A repercussão da atual crise política no Equador, onde o presidente Lenín Moreno tenta se sustentar no comando do país mesmo sendo alvo de grande reação popular contra seu governo, ultrapassam as fronteiras locais. De olho no que acontece no país estão os Estados Unidos, interessados em ampliar sua área de influência na região, e também governos de direita do continente que rezam pela mesma cartilha do mandatário equatoriano e do governo de Donald Trump.

Na segunda-feira (7), o assistente para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Michael G. Kozak, se manifestou a respeito da crise no Equador por meio de seu perfil no Twitter. “Rejeitamos a violência como uma forma de protesto político”, afirmou ele. “Diálogo e respeito ao Estado de direito são valores democráticos fundamentais e a melhor maneira de o povo do Equador desfrutar de uma maior prosperidade econômica.”

Já na terça-feira foi a vez de sete países latino-americanos com governos alinhados à direita manifestarem o seu “forte apoio” a Moreno. “Os governos da Argentina, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Peru e Paraguai expressam sua rejeição contundente a qualquer tentativa desestabilizadora de regimes democráticos legitimamente constituídos e expressam seu forte apoio às ações empreendidas pelo presidente Lenín Moreno”, diz o texto de uma declaração emitida em Bogotá, na Colômbia, pelo Ministério das Relações Exteriores da Colômbia.

A narrativa tanto do representante do governo dos Estados Unidos como dos países signatários do documento segue a pregação do presidente equatoriano, que responsabiliza seu antecessor Rafael Correa  de quem era vice-presidente e aliado  e o presidente da Venezuela Nicolás Maduro pelos protestos que ocorrem em seu país. Lenín Moreno elegeu-se sob o compromisso da continuidade da Revolução Cidadã, mas traiu seu próprio programa. A estratégia não é aleatória.

“No momento em que Lenín Moreno diz que as manifestações de rua são financiadas pelo governo da Venezuela, o que ele quer fazer é escalar internacionalmente um problema que é local. Qual o objetivo disso? De alguma forma a Colômbia, como mecanismo de pressão regional contra a Venezuela faliu. Depois que o presidente Iván Duque apresentou fotos na Assembleia Geral da ONU com supostas guerrilhas de esquerda colombianas protegidas dentro da Venezuela e a AFP, que havia produzido as fotos, disse que não era verdade e que eram imagens de 2015, isso afetou muito a imagem do presidente nessa narrativa contra a Venezuela”, explica o analista e consultor internacional Amauri Chamorro, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabanas e Glauco Faria na Rádio Brasil Atual.

Assim, os ataques de Moreno ao presidente da Venezuela serviriam não apenas para justificar seus próprios fracassos como atingiriam u inimigo comum dos norte-americanos. “Os EUA e o Grupo de Lima estão tentando com o Equador construir a possibilidade de estabelecer uma narrativa da influência de Nicolás Maduro na América Latina financiando movimentos de esquerda que querem desestabilizar a democracia em nosso continente, o que é mentira”, ressalta chamorro. “É Lenín Moreno o responsável por esse processo e também pela radicalização da ação dos militares e da polícia contra a população equatoriana.”

Chamorro lembra que, atualmente, os estadunidenses têm uma grande influência no vizinho sul-americano. “A presença dos Estados Unidos no Equador é muito grande. Lenín Moreno assinou há um ano e meio um convênio de cooperação em matéria de segurança que permitiu a reinstalação no Equador de uma sede com a presença da DEA, também do FBI, CIA e das Forças Armadas dos Estados Unidos”, explica. “Sabemos que parte disso tem a ver com a resistência que os militares têm em retirar o apoio a Lenín Moreno, que não tem o controle do país.”

Em agosto de 2018, após visita do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, o governo de Lenín Moreno anunciou um acordo de cooperação militar com o país, que incluía, entre outros pontos, treinamento e compartilhamento de informações de inteligência entre os dois países. Foi uma guinada em relação ao governo de seu antecessor, Rafael Correa, que havia se recusado a renovar um acordo que permitia aos EUA a base da Força Aérea no porto de Manta em 2007, após os Estados Unidos utilizarem o local por 10 anos.

Divisor de águas

Para Amauri Chamorro, o andamento da crise no Equador pode apontar também para o rumo de outros países na região, que poderiam ser influenciados pelo desfecho da crise.

“Essa revolta popular no Equador pode ser um divisor de águas concreto do futuro da América Latina. Mais do que a expressão nas urnas da votação massiva que teve Alberto Fernández e o setor progressista na Argentina contra o Macri, essa mobilização no Equador é 100% orgânica, não é de um partido político, apenas da esquerda, dos setores indígenas ou de lideranças específicas. É uma manifestação social massiva de pessoas que saíram de maneira espontânea às ruas e estradas para paralisar o país contra o FMI”, aponta.

“Seria a primeira grande manifestação contra um presidente de direita na América Latina que permitiria sua derrubada pela mobilização social. O que Lenín Moreno e as Forças Armadas vêm tentando impedir é que isso aconteça porque seria um ponto importante na história do nosso continente e tenderia a viralizar.”

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