"Novo Brasil"

Celso Amorim: crise do Brasil com Irã mostra efeitos concretos da ‘política externa’ de Bolsonaro

O presidente do STF, Dias Toffoli, determina que Petrobras deve abastecer navios daquele país, carregados de milho e ancorados no litoral do Paraná há quase dois meses

Reprodução: Yutube/Folha do Litoral News
Reprodução: Yutube/Folha do Litoral News
Embarcação iraniana deve ser abastecida e voltar ao seu país após impasse provocado por governo Bolsonaro

São Paulo – Em política externa, a única postura que chegou perto do atual posicionamento brasileiro de alinhamento total aos Estados Unidos foi a de Juracy Magalhães, embaixador brasileiro em Washington no período da ditadura, autor da frase célebre: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. “Mas a frase de Juracy Magalhães voltou pior, porque não voltou em abstrato, mas aplicada a um caso concreto, e diretamente contrário aos nossos interesses e ao próprio agronegócio brasileiro”, diz o ex-chanceler Celso Amorim, sobre a crise desencadeada pela recusa do Brasil em abastecer dois navios iranianos parados no porto de Paranaguá (PR) há 50 dias.

A Petrobras se recusou a fornecer combustível para as embarcações devido às sanções norte-americanas ao Irã. Como o governo de Jair Bolsonaro alinhou-se à política do presidente Donald Trump de impor sanções aos iranianos, a Petrobras temia, por sua vez, também sofrer retaliações. Na noite desta quarta-feira (24), porém, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a estatal brasileira forneça combustível aos navios Bavand e Termeh, carregados de milho brasileiro.

“A sanção, hoje, é contra o Irã? Mas amanhã pode ser contra o Brasil, e não por um motivo político, mas por um motivo econômico”, avalia o ex-chanceler brasileiro.

A decisão de Toffoli contrariou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que, na sexta-feira (19), se manifestou contra a Petrobras fornecer combustível aos navios iranianos. Já o próprio Bolsonaro, no domingo (21), comentou a crise dizendo que “nós estamos alinhados à política deles (Estados Unidos). Então, fazemos o que tem de fazer”.

“A decisão do ministro Toffoli é boa e correta. Mas, independentemente dos aspectos jurídicos, politicamente era um desastre o Brasil aceitar isso. Posso até não concordar, mas posso especular que a Petrobras deve ter medo de sofrer uma retaliação. Tudo bem, mas o chefe do governo dizer que a gente vai fazer isso por estar totalmente alinhado com os Estados Unidos… Isso é uma coisa que nunca vi na história do Brasil”, diz Amorim.

Para ele, a situação envolvendo o Irã tem repercussão em dois problemas igualmente graves. A primeira, a perda imediata para o agronegócio brasileiro, já que os iranianos compram do Brasil não apenas milho, mas carne, proteína animal e soja, entre outros produtos.  A balança comercial do Brasil com a República islâmica é altamente superavitária: o Brasil importou US$ 26 milhões, e exportou US$ 1,3 bilhão no primeiro semestre.

Parceiro comercial

O Irã é o maior parceiro comercial brasileiro no Oriente Médio e o principal importador do milho brasileiro. No primeiro semestre, o país persa comprou o equivalente a US$ 470 milhões do produto – cerca de 30% das exportações brasileiras desta commodity.

O embaixador do Irã em Brasília, Seyed Ali Saghaeyan, ameaçou na terça-feira (23) cortar as importações do Brasil, se o impasse persistisse.  De acordo com a Bloomberg, ele afirmou que seu país poderia facilmente encontrar novos fornecedores de milho, soja e carne.

A preocupação de representantes do agronegócio brasileiro tem sido crescente. Segundo eles, o impasse pode repercutir negativamente no valor do milho, principalmente o de Mato Grosso, que tem uma safra muito grande em 2019.

A política externa de Bolsonaro e seu ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, ressalta Celso Amorim, afasta o país da doutrina que sempre seguiu, independentemente do governo, que é de respeitar soluções multilaterais. “Sempre fomos contrários a sanções unilaterais, como neste caso.”