Disputa de projetos

Segundo turno na Colômbia mostra que esquerda está no jogo no continente

Apesar do turbilhão de retrocessos no continente na região, esquerda alcança votação histórica (25%) em eleições presidenciais e disputará tira-teima contra candidato do sistema em junho

Soma do votos de Gustavo Petro, 2º colocado, e Sergio Fajardo, 3º, alcança 49% e revela tendência pró-mudanças

São Paulo – A hegemonia neoliberal, ditada pelos interesses norte-americanos no continente e maquiada por um toque de juventude. Ou a restauração democrática como ponto de partida para um modelo econômico e social inclusivo e que desafie, com projetos, a crise do capitalismo.  

A Colômbia terá esse confronto de ideias no próximo dia 17 de junho, no segundo turno das eleições presidenciais. No primeiro turno, neste domingo (27), os colombianos escolheram para essa disputa o candidato da direita Iván Duque (39,14% do votos) e o ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro (25,09%), apoiado por uma coalizão progressista.

Indicado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, cacique da política local desde os anos 1990, Duque se beneficia dos discursos que questionam o acordo de paz firmado com as Farc – organização guerrilheira transformada em partido. Petro, por sua vez, reúne uma história de gestão bem sucedida na capital do país, apoiado num discurso que prega mais autonomia da Colômbia em relação à política dos Estados Unidos, além de defender o aprofundamento do acordo de paz celebrado em 2016.

O esforço de desconstrução da política conduzido pela imprensa hegemônica, lá como cá, fez com que quatro em cada 10 colombianos com direito a voto não saíssem de casa para votar. A grande abstenção de 40% torna imprevisível saber qual será a influência do terceiro colocado na disputa, Sergio Fajardo. O ex-prefeito de Medellín (2004-2007) e também ex-governador de Antioquia, departamento (estado) que abriga a segunda maior cidade do país, somou 23,74% dos votos.

Bandeiras

Matemático, professor universitário e colunista de jornais e emissoras de rádio, Fajardo é tido como personalidade “independente” e de “centro” pelos analistas colombianos. Suas práticas de gestão, porém, permitem uma associação ideológica progressista, já que a adoção de modelos como orçamento participativo e construção de grandes equipamentos educacionais nas periferias de Medelim – comparáveis aos CEUs de São Paulo e Cieps do Rio – guardam semelhanças com a gestão de Gustavo Petro em Bogotá (2012-2015).

Petro tem em seu currículo a militância, nos anos 1970/80, no movimento guerrilheiro de esquerda M-19, cuja militância rendeu-lhe também a prisão. No movimento, desenvolveu o ativismo pelas negociações de paz. Nos anos 1990, elegeu-se deputado constituinte e chegou a ter de se exilar diante de ameaças de morte vindas das forças paramilitares. Desde os anos 2000 tem disputado a cena política contra os conservadores com bandeiras em defesa da paz, da democracia e de um governo que trabalhe pelos mais pobres.

Agora, pela primeira vez na história eleitoral colombiana um candidato de esquerda alcança mais de 4 milhões de votos – foram 4,7 milhões, apenas 200 mil à frente de Fajardo. “Vamos vencer. É possível mudar a história da Colômbia”, disse Gustavo Preto. A parada não será fácil. Apesar de apoiado por Uribe, Iván Duque, o mais jovem candidato presidencial da história, com 41 anos, apesar de impulsionado pela oligarquia colombiana, tem discurso de “renovação” que agrada à elite econômica, mas também parte da população mais pobre – como aconteceu com João Doria, em São Paulo.

A diferença é que a Colômbia terá segundo turno. E se em eleições anteriores se travava uma batalha obscura entre milícias paramilitares e as Farc, cenário que afugentava os colombianos em dia de eleição, a pacificação e o clima de tranquilidade podem encorajar os ausentes do domingo a comparecer no próximo dia 17. Fajardo ainda não declarou se e quem apoiará. E com seus 4,5 milhões de votos, não deverá ser desprezado por nenhum deles.

O analista político Víctor DeCurrea, ativista de direitos humanos, se disse preocupado com a forma como se mantém o “uribismo”, o que faz com que Duque, “um perfeito desconhecido”, hoje se perfilar como presidente, mas não por suas próprias qualidades. Segundo disse ao jornal argentino Página 12, o fenômeno indica uma “direitização” da Colômbia. “Um país em que não lhe doem as vítimas (da guerra), em que falta memória e gratidão pela paz conquistada até agora.” 

De todo modo, pondera DeCurrea, o fato de Gustavo Petro e Sergio Fajardo não fazerem parte nem dos partidos mais tradicionais, nem da elite econômica não deixa de ser uma mensagem ao país sobre o potencial renovador capaz de emergir das urnas.


Com informações de Página 12 e Opera Mundi

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