A Rede

Sabatina de Zuckerberg não elimina risco do Facebook de promover fake news

Presença do fundador da rede social no Congresso americano não afasta possibilidade de quem tiver mais dinheiro e disposição para o jogo sujo se dar bem

reprodução/youtube

Zuckerberg: ‘Foi meu erro, e sinto muito. Eu comecei o Facebook, eu o administro e sou o responsável pelo ocorrido’

São Paulo – O ponto central da sabatina do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, no Congresso americano foi o papel da rede social nas democracias burguesas liberais. O ponto de partida do depoimento, terça-feira e quarta-feira da semana passada (10 e 11), foi o escândalo de vazamento de dados privados de usuários pela empresa Cambridge Analytics, que atua no segmento de influência política em diferentes países.

O pouco convincente mea-culpa de Zuckerberg não o impediu de defender sua invenção. “Farei tudo que puder para tornar o Facebook um lugar onde todos possam estar próximos daqueles que se importam e fazer da rede social uma força positiva no mundo”, disse Mark. Para o senador socialista do Partido Democrata Bernie Sanders, o depoimento foi “um bom primeiro passo”. “Claramente, além de outras coisas, precisamos acabar com a epidemia de propagandas políticas fraudulentas que existem”, completou.

De acordo com o próprio Facebook, a empresa de consultoria política utilizou um aplicativo dentro da plataforma para ter acesso a dados de pelo menos 87 milhões de usuários. Zuckerberg se desculpou por diversas vezes diante dos congressistas e anunciou mudanças na rede social. Entre elas, maior rigidez na verificação de páginas falsas e na análise de anúncios relacionados a política. “Com importantes eleições se aproximando nos Estados unidos, México, Brasil, Índia, Paquistão e mais outros neste ano, a minha prioridade é prever interferência nestes processos”, disse.

Vamos requisitar que pessoas que gerenciam grandes páginas sejam verificadas. Isso vai tornar muito mais difícil que cresçam ou viralizem os que utilizam perfis falsos, disseminando informações incorreta”, disse. “Foi meu erro, e sinto muito. Eu comecei o Facebook, eu o administro e sou o responsável pelo ocorrido.” A recepção do mercado às palavras do empresário foram positivas. Após quedas expressivas no valor das ações da empresa no início do mês, o movimento da semana nos indicadores da Nasdaq mostram uma tendência de recuperação.

reprodução/nasdaq
Comportamento das ações do Facebook nos últimos meses (em dólar)

Caminhos e perspectivas

Pedro Markun é ativista de transparência digital e toca, desde 2014, o projeto Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, o LabHacker. “É um ponto de encontro entre ideias e ações aonde jornalistas, gênios da computação, engenheiros, gastrônomos e estudantes são convidados a participar da construção colaborativa de boas práticas sociais”, nas palavras do próprio grupo. Nas eleições de 2016, Markun foi candidato a vereador pela Rede Sustentabilidade na cidade de São Paulo e, agora, é pré-candidato a deputado federal.

A base de sua candidatura é estruturada no conhecimento dos novos movimentos tecnológicos. “É parte de um discurso de colocar lá gente mais qualificada para nos representar. Muito da minha plataforma é essa, de colocar gente que entenda de internet para tratar da legislação no século 21″, afirma.

Assim como Bernie Sanders, Markun vê como positiva a sabatina do CEO do Facebook. “Acho que o mea-culpa do Zuckerberg é super importante e estratégico. A primeira e mais drástica medida é o usuário saber quem está pagando pelo anúncio que apareceu na tela, conseguir entrar em qualquer página e entender a lista de anúncios dela. Só essa mudança de transparência já vai mudar um pouco o jogo”, acredita. “Pode permitir, por exemplo, entrar na página do João Doria (PSDB) e ver se ele de fato está publicando discursos modelados para audiências específicas. Não vai proibir isso, mas vai explicitar”, observa.

Entretanto, Markun teme pelo futuro da propagação das notícias falsas em outros ambientes. “Se formos pegar pelo outro lado, está se falando muito de Facebook, como um bode na sala, mas estão falando pouco de WhatsApp. Existem centenas de robôs que disseminam uma série de fake news. Isso está passando incólume na discussão e você não tem como fazer o mesmo tipo de controle, a priori, porque ele não é um espaço público. E quem controla isso?

Outra preocupação permeia o quanto a empresa vai de fato executar do que foi dito, já que a lógica comercial das redes sociais gratuitas gira em torno da venda de dados. Além disso, para muitos especialistas, não foi o erro conceitual por trás da essência do Facebook que incomodou o Congresso americano, mas o fato de o sistema político ter sido ele próprio vítima de um “defeito” em um dos aparatos de mídia hoje hegemônica, a rede social.

“Sabe-se que, uma vez findado esse teatro da sabatina pública, isso pode servir para acalmar os ânimos. Mas agora entra pesado o lobby das redes sociais a quem interessa sim a defesa de privacidade, mas, esses caras vivem hoje, essencialmente, do aluguel dos dados pessoais, do comportamento dos usuários para o mercado”, diz Markun.

Fake news

As redes sociais,  como toda a web, é inundada diariamente com as notícias falsas. O fato acaba funcionando como um mecanismo de destruição de personalidades, em especial, políticos, ou de alavancagem de campanha de outros. A influência desse fenômeno no panorama político global está no cerne do problema da utilização dos dados privados pela Cambridge Analytica.

“Já vimos que as fake news influenciaram muito na construção da narrativa política. Para mim, toda a questão do Lula está completamente permeada pela lógica da fake news”, diz Markun, para quem a grande acusação, a narrativa e a interpretação disseminada têm peso mais forte no episódio do que os fatos propriamente ditos.

O descontrole das notícias falsas, quando aliado aos avanços das tecnologias de inteligência estratégica, cria perspectivas sombrias para a política. Quem tiver mais dinheiro e disposição para o jogo sujo pode sair sempre vitorioso. Neste cenário, a verdade entra no centro da discussão social, de acordo com Markun. “Vejo com muita preocupação o cenário das eleições em 2018 e além.”

“Temos a discussão sobre a verdade em pauta, de tão descontrolado que esse negócio das fake news está. Tende a piorar muito. Tenho feito experimentos com vídeos fakes, que você consegue usar um vídeo para fazer uma pessoa fazer e falar qualquer coisa. Isso surge no mercado da pornografia, mas para ser usado com cunho político é um pulo. Aí acabou, quando chegar um vídeo do Lula ou da Marina falando alguma coisa, como você faz o contracheque disso? Então, estamos perto de uma linha de não retorno. Vamos precisar sentar coletivamente e pensar no conceito de verdade e mentira”, afirma.

Tendo dito todo o cenário de terras arrasadas, algumas medidas podem ser tomadas para evitar o pior, além do aperfeiçoamento das redes sociais. “A primeira coisa, que é a longo prazo, é investir em formação de leitura crítica de mídia. Precisamos preparar uma geração que vem no médio e longo prazo. No curto prazo, acredito no crescimento de agências de checagem fact chek. Precisamos de ferramentas e canais. Por exemplo, chegou alguma notícia por whatts app e eu encaminho para essa equipe de checadores que em meia hora vão dar um sinal verde, ou amarelo, para ter moderação, ou sinal vermelho: temos apurado e não é verdadeiro”, comenta.

Também ganha novas perspectivas a profissão do jornalista, que passa a atuar no campo da checagem ampla de fatos. “De alguma maneira, também precisamos retomar o papel do jornalista. Ele que era o gatekeeper, fazendo justamente esse filtro, agora precisa retomar esse lugar como observador externo. Ele terá de fazer a filtragem de tudo que vem da rede, não apenas do que ele produz”, finaliza.

 

Leia também

Últimas notícias