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Atentado na Somália é resultado de conflito histórico e aliança com EUA

Ataque que matou mais de 300 pessoas é fruto da instabilidade da política somali. Para professora, invisibilidade de conflitos na África atesta indignação seletiva do mundo com dor e sofrimento

UN Photo/Tobin Jones

Atentado do Al Shabab, na Somália, foi ‘reação à política ineficaz de combate ao terrorismo’

São Paulo – Queda de ditador na década de 1990, invasão da Etiópia e aliança com o governo de Donald Trump. Esses são os três principais fatores apontados pela doutora em Relações Internacionais Marta Fernández, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, para explicar o conflito histórico na Somália, que sofreu um dos atentados mais violentos de todos os tempos, deixando mais de 500 vítimas (entre mortos e feridos), no último sábado (14). 

De acordo com a professora, para entender o maior atentado da história da Somália é preciso voltar ao passado, desde a queda do ditador Siad Barre, em 1991, que resultou em guerra civil. De lá para cá, houve intervenções dos Estados Unidos, da ONU e a construção de governos, porém com institucionalidade frágil.

Segundo a especialista, o grupo terrorista Al Shabab, a quem é atribuído o ataque do último sábado, só ganhou força por causa dessa fragilidade. “Esse ambiente de instabilidade funcionou como terreno fértil para a ascensão do terrorismo a Somália. Muitos jovens, que fazem parte do Al Shabab, nasceram e cresceram nesse contexto instável”, explica. 

Marta conta que o grupo terrorista também é oriundo do caos político do país. Criado em 2006, o Al Shabab surge quando a Etiópia fez uma intervenção na Somália. “Houve uma invasão da Etiópia apoiada pelos Estados Unidos. A partir daí a União das Cortes Islâmicas foi deposta e surge a Al Shabab, que vem a ser uma facção das Cortes, que se radicaliza e mobiliza a sociedade na luta contra a Etiópia.”

A aliança do atual presidente da Somália, Mohamed Abdullahi Mohamed, com o líder americano Donald Trump é mais um dos pilares da explosão do caminhão-bomba, em Mogadíscio, capital somali. Para a professora, o atentado pode ser uma “reação à política ineficaz de combate ao terrorismo”. Em agosto, o governo norte-americano realizou um ataque à cidade de Bariire, deixando dezenas de mortos. “Há boato de que o autor do atentado veio desta região”, diz.

A Somália é um dos países presentes no veto migratório idealizado por Trump, que proíbe a entrada de cidadãos de oito países aos Estados Unidos. Além disso, em abril, o presidente norte-americano enviou dezenas de tropas para o país africano.

“Por mais que a Al Shabab tenha entrado numa guerra global contra o Ocidente (ao se aliar com a Al Qaeda), a princípio, a orientação é nacional, com o objetivo de derrubar um governo que eles consideram ‘fantoche dos Estados Unidos'”, explica.

Sem mídia 

Desde o ataque do último dia 14, repercutiu nas redes sociais a falta de cobertura midiática e a baixa comoção da sociedade. Para a doutora em Relação Internacionais, há uma seletividade em relação aos conflitos do mundo. “Houve uma invisibilização. Parece que a dor e sofrimento do Ocidente é mais digna de atenção do que a dos países africanos”, lamenta.

Segundo ela, a falta de cobertura pode ser explicada por pelos preconceitos sobre a Somália, por se tratar de um país pobre, negro e muçulmano. “Há uma visão negativa e preconceituosa sobre os somalis, o que explica essa pouca repercussão”, conta. 

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