Estados Unidos

Em posse, Trump mantém discurso populista, mas governo permanece imprevisível

Bilionário do setor imobiliário, agora presidente da maior potência da Terra, prometeu que “todas as decisões” relativas ao comércio terão apenas um objetivo: “beneficiar os americanos”

Twitter/White House

Donald Trump e sua esposa, Melania, durante a cerimônia de posse do 45° presidente dos Estados Unidos

São Paulo –  Foi oficializada hoje (20), ao meio-dia em Washington (15h de Brasília), a posse do novo presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Na cerimônia, o 45º presidente do país fez um discurso marcado por um tom protecionista, nacionalista e populista, apontando para a defesa dos interesses do país, dos trabalhadores e da classe média norte-americana, para os interesses comerciais de seu país e de suas próprias fronteiras. Como na campanha. 

Ele começou o discurso elogiando a postura do agora ex-presidente Barack Obama e sua mulher Michelle, dizendo que o casal foi “magnífico” nas relações e reuniões relativas à transmissão de cargo. Mas o elogio parou aí. Trump abriu novo parágrafo e assumiu sua personalidade real: “Não estamos apenas transmitindo o poder de uma administração a outra, ou de num partido para outro, estamos transferindo o poder de Washington, DC, e devolvendo para vocês, o povo. Por tempo demais um pequeno grupo na capital da nação recebeu os louros do governo enquanto as pessoas pagaram pelo custo. Washington florescia, mas o povo não compartilhava de sua riqueza. Os políticos prosperaram, mas o emprego sumiu e as fabricas fecharam”, disse, sob aplausos.

Em outro momento, o bilionário do setor imobiliário prometeu que “todas as decisões” relativas ao comércio terão apenas um objetivo: “beneficiar os americanos”. Segundo ele, a proteção vai levar o país “à maior prosperidade e força e os Estados Unidos vão começar a vencer como nunca antes”.  Prometeu unir o mundo civilizado contra o terrorismo, “que vamos erradicar da face da Terra”.

O novo presidente disse que um novo lema “vai governar” o país: “primeiro os Estados Unidos, e primeiro os Estados Unidos”. “(Durante os último anos) defendemos as fronteiras de outras nações, e não defendemos as nossas”, afirmou.

Mas discurso à parte, somente a partir de agora vai ser possível diferenciar o que é apenas discurso do que será a prática do governo Donald Trump. Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra que, apesar de se comportar e se apresentar como um outsider, na prática o presidente “está colocando nos cargos  principais da economia gente de Wall Street”.

O Conselho Nacional Econômico da Casa Branca vai ser comandado por Gary Cohn, presidente do banco de investimentos Goldman Sachs. Steven Mnuchin, que também vem da mesma instituição, é o secretário do Tesouro. “Ele colocou milionários em diversos ministérios. Tem uma equipe de pessoas oriundas dos setor empresarial, enquanto seu discurso apela para setores populares. É uma contradição, mas, no entanto, ele se elegeu com esse discurso de tentar se colocar contra a elite estabelecida”, avalia Ayerbe.

Apesar dos nomes trazidos do mercado financeiro, o que é uma tentativa de dar credibilidade a seu governo, o problema é que Trump está longe de convencer o establishment político e econômico dos Estados Unidos.

“O receio do establishment é pelo estrago que ele pode causar, por incompetência, improvisação, falta de visão estratégica. Ele preocupa fundamentalmente os setores do establishment tradicional, representados pelos que se reúnem em Davos, as chamadas elites orgânicas do capital. Trump, até o momento, é imprevisível, tem ainda que formar sua base, depois de se eleger graças a ele mesmo com um discurso competente e articulado.” Como a imprevisibilidade ainda é sua marca, paradoxalmente até mesmo as desconfianças ele pode acabar superando. “De repente, ele se mostra um total pragmático, o que não se mostrou ainda. No entanto, ninguém apostou nele, nem a mídia, nem Hollywood, nem os setores tradicionais, nem líderes econômicos. Riram dele, subestimaram, e ele ganhou as eleições”, lembra o professor.

Para ele, apesar dos calafrios que Donald Trump provoca em vastos setores da esquerda latino-americana, o republicano “não fará grande diferença” em relação às políticas atuais dos Estados Unidos. “Obama também era um falcão, era do sistema, do establishment. Não é porque é negro que é de esquerda. As pessoas confundem isso. Obama foi um presidente assertivo, que potencializou o poder estadunidense.”

América Latina

Na opinião do professor, na América Latina, os países que mais devem se preocupar com o governo Trump, ironicamente, são os que têm acordo de livre-comércio com o Estados Unidos. E é nesse ponto que Donald Trump demonstrou sua falta de tato, ou sua inexperiência política, ao “criar caso” com o México, país com o qual tem acordo e tem sido fiel aliado seu. “Ele mesmo gerou uma situação desconfortável se posicionando dessa forma com o México (ao propor a construção do muro entre os dois países), e sem necessidade nenhuma.”

Devido à posição comercial protecionista que vem apregoando no discurso, ao defender, por exemplo, que “todas as decisões sobre comércio vão beneficiar os americanos”, Trump aponta para possíveis problemas que enfrentarão os países que têm acordos comerciais com os Estados Unidos: além do México, o Peru, o Chile e a Colômbia. “Mas para Brasil, Argentina e Mercosul, não vai fazer grande diferença”, avalia Ayerbe. Ele lembra que, por via das dúvidas, o presidente argentino, Mauricio Macri, já estabeleceu várias pontes com membros da gestão Trump.

De resto, ao anunciar, em dezembro, o nome do general reformado James Mattis como secretário de Defesa de seu governo, Trump provocou mais calafrios. Apelidado de “Mad Dog” (Cachorro Louco), Mattis é um militar linha dura, como um John Wayne do Exército: comandou uma divisão que invadiu o Iraque em 2003. No governo Obama, ele foi chefe do Comando Central, incumbido das operações no Oriente Médio.

No entanto, apesar do “Cachorro Louco”, do ponto de vista da segurança, “Trump tende a ser um presidente pouco invasivo, não intervencionista”, avalia Ayerbe. “O discurso dele é mais dos Estados Unidos se voltarem a seus próprios interesses, e não se envolver em questões que não fazem grande diferença para eles.”

Internamente é outra questão. Hoje, a polícia de Washington DC informou que cerca de 90 pessoas foram presas em protestos contra Donald Trump. E ao menos dois policiais ficaram feridos.

Na realidade, com Trump, aparentemente os Estados Unidos continuarão a ser o que sempre foram, com Bush ou Obama. O que vai ser realmente seu governo ainda é uma incógnita. “Há muitas questões que só vão ser esclarecidas a partir de agora”, diz Ayerbe.

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