telhado de vidro

Serra contraria própria declaração e Itamaraty se abstém sobre direitos humanos no Irã

Organizações pró-direitos humanos acreditam que governo Temer age para estreitar relações comerciais sem considerar 966 execuções naquele país em 2015

Alan Marques/Folhapress

“No Itamaraty de Serra, o pragmatismo econômico vale mais do que direitos humanos”, diz conectas

São Paulo – Contrariando posições anteriores do chanceler José Serra, o Brasil se absteve novamente em votação anual de resolução da ONU sobre a situação de direitos humanos no Irã. Com caráter político, o documento – aprovado por 85 votos a favor, 35 contra e 63 abstenções – explicita preocupação dos países membros com questões humanitárias e sociais naquele país. A votação ocorreu na última semana, na Terceira Comissão da Assembleia Geral, em Nova York.

Em 2010, quando concorreu à Presidência da República, Serra qualificou o Irã como uma “ditadura fascista e feroz” e questionou sua então adversária Dilma Rousseff a se pronunciar sobre as relações bilaterais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva com o país. “A abstenção desconsiderou fatos importantes e mostra que, no Itamaraty de Serra, o pragmatismo econômico parece valer mais do que o compromisso com os direitos humanos”, afirmou a coordenadora de Política Externa da organização Conectas Direitos Humanos, Camila Asano.

De acordo com o mais recente informe do relator especial da ONU sobre os direitos humanos no Irã, Ahmed Shaheed, publicado em setembro deste ano, entre 966 e 1.054 pessoas foram executadas no país em 2015 – o maior número nos últimos 20 anos. Não há números precisos porque o Irã não recebe relatores das Nações Unidas desde 2005.

“Em outubro, a mais alta autoridade iraniana em direitos humanos, Mohammad Larijani, foi recebido pelo ministro da Justiça e os compromissos firmados não foram divulgados. À época, afirmamos que a falta de transparência sobre a reunião levantava dúvidas sobre a posição do Brasil na ONU. Lamentamos que essas dúvidas tenham se confirmado e que o governo federal tenha optado por se abster, mesmo diante do grave quadro de abusos que a própria diplomacia brasileira reconheceu”, afirma Camila.

Em junho, o então diretor do Departamento de Promoção Comercial e Investimentos do Itamaraty, Rodrigo de Azeredo Santos, liderou uma missão comercial para estreitar os laços com Teerã. Em outubro, ele foi indicado para chefiar a embaixada brasileira na capital iraniana. A nomeação foi aprovada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado em outubro, mas ainda precisa ser confirmada pelo plenário da Casa.

“É grave que o comunicado do Itamaraty sobre a missão não tenha mencionado nenhuma preocupação do Brasil diante das violações que acontecem no país. É mais um indicativo de que a diplomacia do novo governo é exemplar na incoerência”, diz Camila.

O Brasil já se absteve nessa votação em outros anos, apesar de pedidos de organizações pró-direitos humanos para que o governo ajude a aprovar a resolução. A Comissão de Relações Exteriores do Senado (CREDN) também já criticou a posição do Brasil, tanto que em maio de 2015 o então chanceler Mauro Vieira foi convocado para explicar a abstenção do Brasil em outra resolução sobre direitos humanos no Irã, proposta no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Tanto na ocasião, como agora, o governo federal justificou o voto afirmando que possui informações que apontam para avanços em direitos humanos no Irã. O Itamaraty afirmou, oficialmente, que “reconhece os esforços” do governo iraniano na área, como a publicação de leis sobre os direitos dos cidadãos e sobre maior participação de mulheres no Parlamento. Organizações de direitos humanos denunciam, no entanto, que as promessas não foram concretizadas e que a situação segue preocupante.

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