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Nobel da Paz valoriza mais a conjuntura política do que a figura do ganhador

Presidente colombiano Juan Manuel Santos, que saiu enfraquecido do referendo que aprovou o “não” ao acordo com as Farc, volta a se fortalecer com o prêmio

Reprodução/Youtube

Nem Henry Kissinger (1973), nem Obama (2009), nem o colombiano Santos (foto) são pacifistas

São Paulo – Por que o Prêmio Nobel da Paz foi concedido ao presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos? “O prêmio, nesse caso, tem um significado político-conjuntural, da mesma forma que quando foi atribuído a Henry Kissinger (1973), pelo acordo de paz no Vietnã, ou para Barack Obama, quando assumiu seu primeiro mandato (2009)”, diz Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Nesses três casos, valoriza-se mais uma situação conjuntural do que a figura do ganhador do prêmio como alguém vinculado historicamente ao pacifismo. No caso de Santos, valorizam-se as negociações de paz em uma guerra de mais de de 50 anos dentro da Colômbia. Nem Kissinger, nem Obama, nem Santos eram pacifistas ao ganhar o Nobel”, acrescenta o professor. “Obama ganhou o prêmio pelo que poderia vir a fazer pela paz, não pelo que fez até então. Precisa levar em consideração esse lado político do Nobel.”

Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, também ressalta o significado político-conjuntural do Nobel obtido pelo presidente colombiano no contexto das negociações para se chegar à paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), lideradas por ele.

Em 24 de agosto deste ano, as Farc e o governo anunciaram um acordo de paz para o conflito de cinco décadas. Porém, a população do país rejeitou por estreita margem (50,2% a 49,7%) e votou “não” ao acordo em referendo realizado no domingo (2). “O acordo ou não, na Colômbia, tem um significado que não tem para o resto do mundo. O acordo parece uma coisa fácil, votar ‘sim’ ou ‘não’, mas esse processo é complexo e diz respeito a uma reestruturação da sociedade colombiana”, avalia Nasser.

“Embora Santos não seja de esquerda, o ‘sim’ passou a ser visto como uma causa de esquerda. Quem se opõe ao acordo raciocina que com ele as Farc serão reconhecidas como força política. Se forem reconhecidas, vão disputar eleição e podem ser um partido importante na Colômbia”, diz o professor da PUC-SP.

Sobre o perfil do ganhador do Nobel, Ayerbe lembra, aliás, que Santos está longe de ser um militante da paz. O atual presidente colombiano foi ministro da Defesa no governo de seu predecessor e hoje adversário Álvaro Uribe, e foi ainda ator fundamental na escalada da guerra contra a guerrilha.

Vitórias militares

Como ministro, o ganhador do Nobel da Paz obteve sucesso nesse confronto contra a guerrilha e conseguiu várias vitórias militares, além da libertação, em 2008, de Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência colombiana que ficou por mais de seis anos em cativeiro. “Tudo Isso permitiu que, ao chegar ao poder, ele colocasse a paz como agenda central, num momento em que o Estado está fortalecido e as Farc numa situação de perda de poder político e militar.”

Para Nasser, se Santos ganhou o prêmio, certamente há “consentimento” das grandes potências. “Difícil alguém que não tem esse consentimento ganhar o Nobel da Paz”, diz. Porém, o professor considera o prêmio para Santos “muito significativo, se a gente pensar que a guerra na Colômbia é um evento que começou na Guerra Fria, com milhares de mortos, e dura até hoje”.

Nasser lembra outros ganhadores do prêmio que obtiveram esse “consentimento”: Menachem Begin (em 1978, por negociar a paz entre Egito e Israel) e Yasser Arafat (em 1994, pelos acordos de paz de Oslo). Como se sabe, tanto o israelense como o palestino são homens forjados na guerra, e não na paz.

Ayerbe ressalta que Santos saiu enfraquecido do referendo que aprovou o “não”, diante do líder da oposição Álvaro Uribe, de quem foi ministro da Defesa. Mas, em contrapartida, “o Nobel o fortalece politicamente, na medida em que o grande vitorioso do ‘não’ havia sido justamente Uribe, que estava capitalizando essa vitória”.

Agora, vai-se iniciar um novo processo de negociação, no qual, para Ayerbe, as Farc serão pressionadas a abandonar uma série de conquistas que tiveram no processo, como o uso de espaços territoriais próprios, a questão dos militantes que poderão exercer ou não cargos públicos, a questão dos territórios em que há cultivo de coca e áreas em que as Farc têm influência.

Na quarta-feira (5), após se reunir com Uribe, Juan Manuel Santos disse que “a paz na Colômbia está muito próxima e vamos alcançá-la”.

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