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‘Governo Temer enfraquece Brasil no Brics’

Para professor de Relações Internacionais, a postura do governo Temer impõe uma posição 'secundária' ao Brasil, o que resulta no afastamento de parceiros, especialmente a Rússia

Beto Barata/PR

Putin (1º à dir.) se reuniu com todos os líderes do Brics, exceto Temer

São Paulo – “O governo Temer não busca protagonismo internacional e isso enfraquece o Brasil no Brics. A nova postura do país é de seguir grandes potências, especialmente os Estados Unidos, e achar que deve ter uma posição secundária”, afirma o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Geraldo Zahran sobre a postura de Michel Temer diante do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Os chefes de estado do Brics se reuniram na cidade indiana de Goa entre os últimos dias 15 e 16. A reunião de cúpula do bloco foi marcada por discursos sobre o posicionamento dos países diante da conjuntura externa atual, além de reuniões bilaterais para realização de acordos de colaboração. “Devemos contribuir com sabedoria para ampliar a força dos países do Brics para encontrar formas de responder aos desafios neste ambiente externo complicado e severo”, afirmou o primeiro-ministro chinês, Xi Jinping.

Entretanto, o governo Temer parece não compartilhar dos anseios de desenvolvimento do bloco, amplamente incentivados nos governos do PT. O presidente russo, Vladimir Putin, por exemplo, firmou 20 acordos com a Índia, e realizou reuniões com todos os líderes do bloco, exceto Temer. “É sensata a leitura que os países do Brics estejam receosos com o Brasil. Isso se deve, em boa parte, pelo alinhamento de Temer e do Itamaraty que dá indícios de redução da atuação brasileira, seguindo automaticamente as decisões de potencias como os Estados Unidos”, explica o professor.

O Planalto chegou a divulgar nota afirmando que Putin e Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, teriam se interessado na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, projeto de autoria do governo que congela os gastos em áreas como saúde e educação por 20 anos. “Há uma identidade muito grande de questões econômicas entre a Rússia e o Brasil”, disse o peemedebista.

Entretanto, a realidade foi outra. De acordo com o Russia Today, o canal russo internacional de notícias, o líder Russo escolheu manter a distância de Temer após a “mudança brusca” na política brasileira. “Os líderes prestam muita atenção para entender quais serão os rumos do país”, completa o canal. “O momento é delicado para o bloco”, diz Zahran, que ministra aulas sobre o Brics. “A Índia tem um governo recente. O Brasil passa por uma crise e a Rússia vê um acirramento de tensões com o ocidente. O caminho é incerto e as desconfianças são naturais.”

“O governo Lula também assume a questão da pobreza do país, mas existe a diferença entre ser pobre e buscar alguma coisa diferente e ser pobre satisfeito com sua posição”, afirma Zahran

Para o professor, cada país enxerga o Brics à sua maneira. “O bloco serve diferentes propósitos para cada membro. A Rússia vê muito como um elemento para evitar um isolamento no sistema internacional. As alianças feitas ali são tentativas de evitar barreiras impostas por Estados Unidos e Europa, especialmente depois de 2014, com a invasão da Crimeia”, observa Zahran.

A decisão da política externa brasileira de, de certa forma, deixar de lado as parcerias com o Brics, causa estranhamento, para o professor. Nos últimos dez anos, o bloco foi responsável por mais da metade do crescimento econômico mundial. “É interessante que na corrida eleitoral de 2014, tanto o candidato do PSDB, Aécio Neves, quanto a vencedora Dilma Rousseff falavam da importância do Brics. Ironicamente isso não parece importar para o governo Temer, que nem mencionou o bloco em seu primeiro discurso nas Nações Unidas (na Assembleia Geral da ONU em 20 de setembro).”

Brasil estagnado

Para Zahran, o distanciamento brasileiro do bloco não deve provocar impacto em instituições como o New Development Bank, o chamado Banco do Brics. “O projeto do banco já decolou e vai acontecer independentemente do que o governo Temer possa dizer. Já existe uma estrutura. O que pode acontecer é a diminuição progressiva do nosso protagonismo, mas o projeto não é só brasileiro e ele será desenvolvido”, afirma.

Uma das resoluções da reunião em Goa foi o anuncio da liberação de US$ 2,5 bilhões em empréstimos até o próximo ano para projetos de desenvolvimento sustentável dos países do bloco. “O Brics vem se colocando como uma alternativa retórica no mundo. A criação do banco foi uma clara resposta e demonstração de insatisfação com instituições financeiras globais, especialmente com o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, banco com sede na capital norte-americana, Washington, e que vem estreitando relações com o Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff.

Em seu discurso de posse, Temer disse que o Brasil é um país pobre. Para o professor, essa deve ser a posição brasileira nos próximos anos, secundária, onde “política externa é coisa de peixe grande, e nós não somos”. “De certa forma, o governo Lula também assume a questão da pobreza do país, mas existe a diferença entre ser pobre e buscar alguma coisa diferente e ser pobre satisfeito com sua posição, sem buscar mudanças”, completa.