Tributação

Jerry Brown, o governador Robin Hood

PIB da Califórnia supera os da França e do Brasil depois do aumento do imposto dos ricos por Jerry Brown. Medidas bem que poderiam inspirar os políticos no Brasil

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Jerry Brown em comício eleitoral: ele defende a taxação dos ricos e a elevação do salário mínimo

CartaCapital – Ele é um político dos Estados Unidos, defende a taxação dos ricos e a elevação do salário mínimo, é detestado por conservadores republicanos e democratas e pela Fox, mas não se chama Bernie Sanders, o ex-candidato esquerdista à Presidência.

Mais surpreendente ainda, Jerry Brown, o governador democrata da Califórnia, o estado mais opulento do país, transformou aquelas duas proposições em realidade. No começo deste mês, anunciou o encaminhamento da proposta de Emenda 55 à Constituição estadual para prorrogar a Emenda 30, baixada em 2012, que aumentou o imposto de renda dos abastados. Em março, decretou a elevação do salário mínimo dos atuais 10 dólares por hora para 15 dólares, iniciativa inédita no país.

As medidas coincidiram com a divulgação dos dados do Produto Interno Bruto do estado, pelo Departamento de Comércio, e dos países, pelo Banco Mundial. O PIB da Califórnia, submetida a políticas para melhorar a distribuição de renda, que, segundo seus críticos, provocariam uma debandada de empresas e queda da produção, cresceu 4,1% – de 2,31 trilhões de dólares em 2014 para 2,5 trilhões no ano passado. Em um ano, na comparação com os PIBs dos países, saltou da oitava para a sexta posição. Superou a França, com queda de 2,85 trilhões para 2,42 trilhões de dólares, e o Brasil, que despencou de 2,35 trilhões para 1,77 trilhão de dólares.

A Emenda 30 aumentou entre 1 e 3 pontos porcentuais a tributação das camadas de renda mais alta. As novas alíquotas vão de 10,3% para rendimentos entre 250 mil e 300 mil dólares anuais até 12,3% na faixa superior a 1 milhão. Com a elevação, os impostos pagos sobre os ganhos do 1% mais rico totalizarão metade da receita do estado. A arrecadação adicional será depositada em uma conta para investir no aperfeiçoamento do sistema educacional, um dos mais avançados do mundo.

Sede de três das seis melhores universidades do planeta, tem sete das principais escolas de engenharia dos EUA e lidera em número de prêmios Nobel. Um dos resultados é a maior concentração de indústrias de alta tecnologia, como Google, Apple e Facebook, no Vale do Silício e outros parques avançados. A grande quantidade de estúdios de cinema em Hollywood e outros produtores de conteúdo garante à Califórnia o pódio do complexo de tecnologia e entretenimento.

Quando anunciou o aumento do salário mínimo diante de uma multidão de trabalhadores de redes de fast-food, os mais mal remunerados do país, Brown, no seu segundo mandato, explicou a decisão em termos semelhantes aos usados por líderes latino-americanos até pouco tempo atrás.

“Faz todo sentido moral, social e político, porque une a comunidade e dá segurança aos pais de que poderão criar os seus filhos de modo muito mais satisfatório.” Seis milhões de trabalhadores recebem salário mínimo na Califórnia e reajustes graduais elevarão os seus rendimentos anuais de 20 mil para 30 mil dólares em 2022.

Segundo a organização não partidária California Budget & Policy Center, dedicada a avaliar políticas públicas e o seu impacto nos segmentos de baixa e média rendas, os mais ricos tiveram ganhos significativos na geração anterior, enquanto os restantes perderam terreno. Entre 1987 e 2010, a renda média do 1% do topo aumentou 82% acima da inflação, de 785 mil para 1,4 milhão de dólares anuais, enquanto os ganhos dos quatro quintos mais pobres da população caíram 16,8%, de 42 mil para 35 mil dólares.

Os republicanos, representados por governadores como Ronald Reagan, entre 1975 e 1983, e Arnold Schwarzenegger, antecessor de Brown, perderam o domínio no estado por causa do atraso das suas propostas. “Suas políticas são exatamente aquelas que afastam os novos eleitores: a oposição aos direitos dos gays e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a rejeição aos imigrantes, o combate aos direitos da mulher, à proteção no trabalho, à contracepção e ao aborto, e a recusa em aumentar o salário mínimo”, acusa a escritora e ativista Deborah Montesano.

A situação começou a piorar para os republicanos em 1994, quando a Emenda Constitucional 187 foi aprovada com forte apoio do governador Pete Wilson. A medida negava educação pública e assistência médica não emergencial para imigrantes ilegais e afetou grande número de famílias de latino-americanos, equivalentes a 40% da população, e milhares abandonaram o partido. Foi o início das vitórias dos democratas. Perto de 40% dos eleitores integram grupos de minorias e 17% deles estão registrados como republicanos, 52% são democratas e 27%, independentes.

O desastre da política neoliberal de desregulação da economia praticada pelos conservadores no mercado de energia contribuiu para desgastar as alas mais retrógadas dos dois partidos. A texana Enron, falida em 2001, e outras empresas do setor fizeram generosas doações de recursos a políticos em troca da extinção dos controles do estado.

Com liberdade de mercado plena, as tarifas cairiam, garantiam os empresários. O resultado foi oposto. A especulação dominou o setor, as empresas impuseram altas tarifas, desorganizaram o fornecimento e provocaram sucessivos black outs.  Os custos da energia subiram 1.000% para o consumidor.

As medidas de Jerry Brown bem que poderiam inspirar os políticos no Brasil, o único país do mundo, além da Estônia, a isentar a distribuição de dividendos à pessoa física, anota o economista Sérgio Wulff Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O benefício foi instituído em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, 53,8% do total de impostos e tributos é pago por trabalhadores com renda de até 3 salários mínimo, que representam 79% da população.

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