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Primeiro prefeito muçulmano, Sadiq Khan é esperança de mudança em Londres

Comparado por alguns a Obama, Sadiq Khan marca a chegada ao poder de uma geração de londrinos filhos de imigrantes que alcançaram o 'british dream'

Berita Duapuluhempat/Flickr

Khan é um retrato da mistura de credos, cores e sotaques que forma a Londres dos dias de hoje

Opera Mundi – “Meu nome é Sadiq Khan e eu sou o prefeito de Londres”. A frase, carregada de emoção e de simbolismo, marcou o discurso de posse do trabalhista Sadiq Khan na Catedral de Southwark, no último sábado (7). Khan, 45 anos, advogado defensor dos direitos humanos e muçulmano de ascendência paquistanesa, assume a prefeitura da maior capital europeia trazendo consigo a esperança de dias melhores para tantos que, como ele e sua família, vêm de origem popular e, muitas vezes, de lugares distantes do globo. Assumirá o comando de uma Londres cosmopolita e altamente globalizada, na qual um terço da população tem nacionalidade estrangeira e um a cada oito habitantes segue o Alcorão, livro sagrado do islã.

Coincidentemente, o novo prefeito tem como principal desafio melhorar políticas municipais em duas áreas que guardam uma relação próxima com seu passado: habitação e transporte. Khan, um filho de motorista de ônibus que cresceu em habitação social, precisa dar resposta aos 63% dos londrinos que consideram moradia o maior problema atual da cidade, assim como os 42% que clamam por melhorias no transporte. Dados do instituto de pesquisas políticas YouGov, divulgados pouco antes das eleições, mostram ainda que, entre os eleitores de Khan, o anseio por melhores políticas de moradia é ainda maior que a média geral: essa foi apontada como uma prioridade por 80% dos seus votantes.

A julgar pelos dados da pesquisa, os londrinos enxergaram em Khan um perfil mais adequado para resolver esses temas urgentes do que o filho de milionário Zac Goldsmith, candidato derrotado do Partido Conservador, considerado o maior adversário do trabalhista durante as eleições.

“British dream”

Nas palavras da socióloga Parveen Akhtar, que compartilha com Khan as raízes paquistanesas, a eleição do novo prefeito pode ser analisada como a realização do “British dream”, o “sonho britânico” de tantos imigrantes que chegaram à capital inglesa no último século. “Ele é a história do imigrante de sucesso”, resume ela a Opera Mundi.

Akhtar, que é professora na Universidade de Bradford, acredita que, em termos simbólicos, a chegada de Khan ao poder compara-se à eleição de Barack Obama nos Estados Unidos. Durante a campanha, surgiu inclusive um mote, paródia do slogan usado por Obama na corrida americana, que dizia “Yes, we Khan”.

“Da mesma maneira que a eleição pelos norte-americanos de um presidente negro foi profundamente simbólica, o mesmo podemos dizer dos londrinos elegendo o primeiro prefeito muçulmano”, avalia a pesquisadora. Especialmente após uma campanha agressiva, marcada por acusações pelos adversários conservadores de que Khan compartilharia plataformas com extremistas islâmicos.

“Acredito que sua eleição lançará um sinal positivo em relação ao islamismo. É comum vermos a imagem dos muçulmanos associada ao terrorismo, e Khan é uma oportunidade para mostrar a quão redutora e islamofóbica é essa associação”, fala Zeinab Yassin, secretária da Associação Ogaden, organização que reúne a comunidade somali de Londres, a Opera Mundi. A Somália, assim como o Paquistão, está entre os dez países com maior população na capital londrina e tem o islamismo como religião dominante.

Político, acima de tudo

Em termos religiosos, Khan é considerado um muçulmano liberal, que sempre fez questão de deixar claro sua opção religiosa, mas nunca a deixou interferir em suas responsabilidades políticas. Ele foi o primeiro muçulmano eleito por Londres para o Parlamento britânico, em 2005, mas sua atuação política sempre passou longe de qualquer estereótipo sugerido pela religião. Ele é a favor do casamento gay e lutou contra o fechamento de um tradicional bar de seu bairro quando era membro do Parlamento – apesar de ele mesmo não consumir bebidas alcoólicas.

Quando foi convidado a participar do comitê privado que assessora a rainha, em 2009, ele, novamente o primeiro muçulmano a receber tal convite, fez questão de pedir para usar o Alcorão, em vez da Bíblia, na cerimônia de juramento.

Ao mesmo tempo em que seu perfil desafia classificações, Khan é um retrato da mistura de credos, cores e sotaques que forma a Londres dos dias de hoje. Como ele mesmo gosta de se definir, é londrino, europeu, britânico, inglês, adepto do islamismo, de origem asiática, descendente de paquistaneses e torcedor do Liverpool, time de futebol da cidade natal dos Beatles.

Por isso mesmo, resumir sua eleição a uma questão religiosa diminui sua significância, assim como é redutor não analisar a importância de sua vitória em termos mais globais, acredita Akhtar. “A vitória de Khan diz tanto sobre mobilidade social quanto ela diz sobre raça ou religião”, afirma a pesquisadora. “Se o pai dele tivesse permanecido no Paquistão, é inimaginável que seu filho pudesse ter êxito dentro do sistema político de um país onde privilégio e conexões ganham as eleições, onde o gabinete é visto como o lugar de direito inato da elite”, diz a socióloga.

Exemplo das chances de mobilidade social em Londres, Khan tem diante de si o desafio de fazer um governo capaz de criar condições para que tantos outros possam trilhar o mesmo caminho de sucesso que o levou a ocupar o posto máximo do Executivo londrino – o que faria deste um governo bem diferente daquele realizado por seu antecessor, o conservador Boris Johnson, nos oito anos em que ocupou o cargo.

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