Reatamento

Estados Unidos e Cuba têm interesses claros na viagem de Obama a Havana

Para Luis Fernando Ayerbe, da Unesp, presidente americano tem objetivos políticos em ano de eleições, e Cuba amplia seu protagonismo nas relações internacionais e, como os americanos, ganha na economia

Divulgação/Pete Souza/White House

Presidentes Raúl Castro e Barack Obama em encontro histórico no Panamá, em abril do ano passado

São Paulo – A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a Cuba, em 21 e 22 de março, tem importância política para ambos os países. Obama anunciou a visita hoje (18), em sua conta no twitter. Segundo a análise do coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luis Fernando Ayerbe, o presidente americano tem objetivos claros com a visita a Raúl Castro. “No próximo mês, viajarei a Cuba para avançar em nosso progresso e nossos esforços que possam melhorar a vida do povo cubano”, afirmou.

Apesar da conotação arrogante da frase, é preciso considerar que a primeira viagem de um presidente americano a Cuba em 88 anos é um lance político bem calculado, em ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos. Ayerbe lembra que os republicanos criticaram duramente a iniciativa de Obama de reaproximação com Cuba há pouco mais de um ano, e a bem-sucedida política do presidente americano coloca os opositores numa saia-justa. O último presidente americano a visitar Cuba foi Calvin Coolidge, em 1928.

“Os republicanos têm pré-candidatos de origem cubana, Marco Rubio e Ted Cruz, que sempre criticaram a normalização das relações diplomáticas, mas a população americana é francamente favorável. Do ponto de vista eleitoral, esse fato político é interessante para o Partido Democrata, e beneficia sua candidatura, qualquer que seja, Hillary Clinton ou Bernie Sanders. Nesse contexto, os republicanos ficam um pouco acuados para apresentar sua posição”, diz Ayerbe. Rubio e Ted Cruz, junto com o magnata Donald Trump, são os mais fortes candidatos republicanos para disputar as eleições.

Em dezembro de 2014, Rubio manifestou sua posição sobre a reaproximação com essas palavras: “Tudo o que faremos é dar ao regime dos Castro, que controla todos os aspectos da vida humana, a oportunidade de manipular essas mudanças para se perpetuar no poder”.

Evidente que o presidente americano não vai deixar de lado os eleitores mais conservadores que pode angariar para seu partido na viagem. Como lembra Ayerbe, “Obama sempre disse que se fosse a Cuba conversaria com setores de oposição (a Raúl Castro) e tocaria no tema de direitos humanos. E afirmou que fará isso agora. Ele deve se encontrar com lideranças da chamada oposição.”

O encontro é simbólico pelo fato de que é o primeiro entre Obama e Castro em território “não-neutro”, em Cuba. Os dois presidentes haviam se reunido em setembro de 2015 na sede da ONU, em Nova York. Antes, em abril do mesmo ano, apertaram as mãos durante a Cúpula das Américas, no Panamá.

Para o professor, a visita de Obama também interessa a Cuba, país que tem feito grande esforço, a partir do reatamento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, para ganhar credibilidade internacional. “Na medida em que se elimina o obstáculo da situação da relação com os Estados Unidos, isso permite que Cuba avance na inserção internacional. Com a visita de Obama, essa posição se fortalece bastante, simbolicamente.”

A visita também reforça os avanços que estão ocorrendo no terreno comercial, que interessam aos dois países, como a recém-anunciada abertura dos voos comerciais e a abertura de trocas econômicas.

Cuba tem a ganhar ao ampliar seu protagonismo, bastante destacado na semana passada, por exemplo, quando o papa Francisco se reuniu com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa Kirill, no primeiro encontro entre os líderes das duas vertentes cristãs desde 1054. “Cuba ganhou muito espaço e ressonância e a visita de Obama sinaliza que o passo que foi dado na reaproximação é irreversível”, avalia Ayerbe.

Para terminar, o professor da Unesp não vê ameaças a conquistas da revolução cubana com a consolidação das relações diplomáticas, políticas e econômicas. “A reação majoritária da esquerda, quando começou esse processo de reatamento, foi com uma interpretação de que isso foi uma vitória de Cuba, da América Latina. Não vejo essa preocupação de que a aproximação vai reverter alguma coisa, já que não foi uma reaproximação com condições de nenhum dos dois lados. Se houver mudanças econômicas em Cuba, isso vai ser por iniciativa do governo, não porque os Estados Unidos entraram lá.”