Espanha

Partidos pró-independência ganham referendo na Catalunha; eleitores se dividem

Eleição realizada neste domingo deu a vitória a partidos que defendem a independência; eleitores opinam

CC/Junts pel Sí/Fotos Públicas

UE avisou que Catalunha independente não será um país membro e seus cidadãos perderão a nacionalidade espanhola

Brasília – As eleições na Catalunha, realizadas ontem (27) e convertidas num referendo “de fato” sobre a soberania da região, terminaram com os partidos pró-independência obtendo maioria absoluta em deputados, mas falhando no objetivo de reunir mais da metade dos votos populares. Com quase 99% dos votos contabilizados, a principal plataforma pelo sim à independência, a Junts pel Si (Juntos pelo Sim, do presidente Artur Mas) conseguiu 62 deputados, a seis de conseguir sozinha a maioria absoluta. No entanto, o outro partido que defende uma declaração de independência, a CUP (Candidatura de Unidade Popular, de extrema esquerda), obteve dez deputados.

Os dois juntos poderiam aprovar uma declaração de independência no novo Parlamento catalão. No entanto, não é certo que isso ocorra, uma vez que a CUP sempre defendeu maioria popular e ambos os partidos não revistaram mais do que 47,8% dos votos (os partidos contrários à esta via obtiveram 52,2% dos votos).

Por outro lado, a CUP já afirmou que não votará favoravelmente à eleição de Artur Mas como novo presidente regional (nas eleições na Espanha, o povo elege os deputados e esses depois votam no Parlamento para escolher o presidente regional, o que permite acordos pós-eleitorais).

Os líderes da Junts pel Si declararam-se triplamente vitoriosos, ao considerar que “ganhou o sim, em votos e assentos, ganhou a democracia” e ganhou a Catalunha porque se realizou um plebiscito sobre a independência.

Artur Mas (Convergência Democrática Catalana), Oriol Junqueras (Esquerra Republicana Catalana) e Raul Romeva – unidos na Junts – consideram ter obtido “um mandato claro” para avançar com a separação em relação à Espanha.

O restante dos partidos, com a exceção da CUP, considerara que Artur Mas perdeu o plebiscito, uma vez que a definição de vitória num referendo depende da obtenção de 50% dos votos mais um. Os partidos do “não” conseguiram mais cerca de 150 mil votos que o “sim”.

O grande vencedor da noite foi o partido Ciudadanos (uma formação que começou na Catalunha e que se tornou um emergente no âmbito nacional), pois o partido de Albert Rivera passou dos atuais nove deputados no Parlamento catalão para 25, com mais de 700 mil votos, e lançou avisos ao PP em Madrid de que terão de contar com ele para as eleições gerais.

Já o PP catalão perdeu oito deputados em relação a 2012 e, ao contrário de todos os outros partidos, o seu líder nem apareceu na noite das eleições, cabendo as declarações a um dos integrantes da cúpula popular.

O Podemos também classificou de “decepcionante” os resultados obtidos na Catalunha, mas considerou-se “um partido que apostou na responsabilidade” e lançou críticas a Artur Mas e ao presidente do governo central, Mariano Rajoy.

A noite eleitoral terminou com todos os lados fazendo leituras diferentes, os defensores do “sim” agitando bandeiras da Catalunha independente e cantando o Hino da Catalunha, enquanto o candidato da CUP se despedia do Estado espanhol, mas com poucas pistas sobre o que se poderá passar agora, quer nas negociações para constituir o Parlamento, nomeadamente o nome do possível presidente, quer sobre a existência de condições para avançar com o processo de independência.

Divisões

Mesmo tendo maioria, porém, não são todos os eleitores que apoiam a independência da comunidade que, como declarou a União Europeia, não será um país membro caso consiga a independência; e seus cidadãos perderão a nacionalidade espanhola, como já definiu o governo da Espanha.

Eleitores que foram às urnas neste domingo em Barcelona mostram que o tema ainda divide a região e que a independência catalã ainda enfrenta resistências dentro de seu próprio território:

Ester Martínez, 48, professora de música

Sou a favor da independência, porque estamos em um momento para a Catalunha em que está impossível de aguentar toda essa pressão do governo espanhol. Não só economicamente, mas também culturalmente, com o desmantelamento da língua catalã que nos é imposto. Nós deveríamos ter o direito de decidir o que queremos enquanto um povo e o governo espanhol nos está impedindo de fazer isso. Essas eleições são nossa única opção. Se o Sim [coalizão Junts pel Sí] ganhar hoje [como ocorreu], vai começar um processo para iniciar a independência e um processo de articulação para formar todas as instituições que se é preciso em um governo, e se a Espanha não nos escuta, ela com certeza terá que nos escutar. A Europa terá que nos escutar. Eu estou muito otimista, a mobilização foi muito grande e acredito que a participação vai ser muito alta. Esse é um momento decisivo para a nossa história. Nós sempre fomos solidários, economicamente. Este não é o problema. O que acontece é que a distribuição de renda está muito injusta para o povo catalão.

Fernando Garcia, 73 anos, aposentado

Eu não sou a favor da independência. Para mim ela não vai servir para nada. Isso que estamos fazendo hoje é algo imposto. Esse território não é um povo, não é nada. A Catalunha não conseguiria se manter economicamente se não fosse pela Espanha, porque tem uma dívida enorme que não pode assumir. Isso tudo pra mim são fantasias. Nós não somos os melhores do mundo, para mim essa ideia está errada.

Mireira Soto, 20 anos, estudante

A possibilidade de o povo poder votar hoje já é um ponto muito favorável para nós, porque é ele que vai decidir o que quer para o seu futuro. Eu não sou independentista, mas acredito que o que o povo catalão escolher, realmente vai ser o que eles querem. Eu aceito a independência, eu sou catalã. Para mim, culturalmente, existem muitas coisas que nos diferenciam dos espanhóis e, economicamente, basicamente, somos mais potentes e as pessoas ficam indignadas com o tanto que nos tiram e não investem na região.

Cristian Sobrepera, 34 anos, técnico de audiovisual

Eu quero a independência, tanto por uma herança familiar como pelos dias de hoje. Vivemos momentos difíceis, em que não nos sentimos respeitados em muitos aspectos, tanto econômicos, sociais e políticos e chegamos em um ponto em que estamos cansados disso tudo e queremos uma mudança. Queremos mudar para tentar melhorar. O mínimo é ter o direito de podermos mudar nossa situação. Se o sim ganha, nada de tão grave vai acontecer do dia para a noite, como estão dizendo. Vão ser mudanças progressivas e que pouco a pouco vão nos levar a o que seria um estado. Não precisa ser nada traumático, mas sim algo feito com diálogo e paciência e assegurando que todos fiquem bem. Hoje em dia está mais difícil de enganar o povo. Existem mais meios de comunicação, sem ser os meios tradicionais, que podem nos informar sobre os diversos pontos de vista. Acredito que o povo deve ter dúvidas, mas medo, não.

Maria Muñoz, 18 anos, estudante

Eu quero a independência porque estou cansada da Espanha nos roubando. Não gosto como está a qualidade de vida para muita gente agora, com o desemprego crescendo. Também sei que existe muita gente na Espanha que odeia os catalães só por eles serem catalães, e por quererem a independência. Se o sim ganha hoje, acho que vai criar um conflito grande entre a Espanha e a Catalunha. Se desde o começo a Espanha tivesse escutado o que a gente dizia, não chegaríamos a esse extremo. Não tem um diálogo, eles nos dizem não para tudo. Isso também, por conta do partido político que está no poder na Espanha hoje, que é muito conservador.

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