Cúpula das Américas

Dilma destaca avanços no continente e elogia reaproximação Cuba-EUA

Presidenta pede fim do bloqueio econômico e cobra fim das sanções dos EUA à Venezuela. Raúl Castro condena histórico de agressões norte-americanas, e elogia postura de Obama, “fiel a suas origens humildes”

Dilma: “Hoje AL e o Caribe têm menos fome, analfabetismo e mortalidade. Mas ainda é preciso mais riqueza, dignidade, educação

São Paulo – A presidenta Dilma Rousseff disse hoje (11) que a democracia e os novos paradigmas políticos dos últimos anos, na América Latina, inverteram a lógica da ação do Estado conferindo prioridade ao desenvolvimento sustentável aliado à justiça social na região. As declarações foram feitas na manhã deste sábado, na primeira sessão plenária da 7ª Cúpula das Américas, que ocorre no Panamá.

A presidenta atribuiu os avanços ao rigor democrático da região e à capacidade dos países latino-americanos de se organizarem em fóruns como o Mercosul, a Aliança do Pacifico, a Unasul e a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), nos últimos anos. Para a presidenta, essa integração entre os países da América Latina e do Caribe tem o papel de reduzir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento da região.

“Hoje a América Latina e o Caribe têm menos pobreza, menos fome, menos analfabetismo e menos mortalidade infantil e materna.(…) Mas é preciso mais riqueza, dignidade, educação e é isso o que vamos construir nos próximos anos”, afirmou Dilma Rousseff. “Mas não podemos fechar os olhos para a persistência de desigualdades, que ainda afetam, em diferentes graus, a todos os países do hemisfério”, acrescentou. A presidenta também defendeu a necessidade de se aumentar e consolidar a justiça social no continente.

Segundo Dilma, a educação ocupa papel fundamental no combate às desigualdades e é hoje o maior desafio na região. “Educação inclusiva e de qualidade é o maior desafio do nosso continente, porque ela é indispensável para romper o ciclo de reprodução da desigualdade para gerar oportunidade de inovação, democratizar o acesso e a produção do conhecimento”.

Para a presidenta, o desenvolvimento deve ser baseado no investimento em pesquisa e ciência, que seria capaz de romper um ciclo histórico dos países latino-americanos baseado na exportação de produtos primários. “O nosso objetivo é não sermos apenas produtores de commodities e sim entrarmos na economia do conhecimento e introduzirmos a inovação. Sim, temos riqueza (…) Podemos ser grandes produtores de commodities, mas também temos homens e mulheres que serão capazes de criar um novo século de inovação baseada na pesquisa e ciência”, disse.

Avanços diplomáticos

Dilma Rousseff elogiou a reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos, negociada pelos presidentes Raúl Castro e Barack Obama. E pediu ao norte-americano o fim do embargo econômica que perdura desde 1962. “Celebramos a iniciativa corajosa dos presidentes Raúl Castro e Barack Obama de restabelecer relações entre Cuba e Estados Unidos, de pôr fim a este último vestígio da Guerra Fria na região que tantos prejuízos nos trouxe”, disse.

O presidente de Cuba, Raúl Castro, durante seu pronunciamento, criticou o histórico de “agressões imperialistas” e fez uma retomada histórica das relações entre Estados Unidos, Cuba e América Latina. Destacou as “guerras, conquistas e intervenções” dos Estados Unidos, país que classificou como “força hegemônica que despojou de territórios toda nossa América e se estendeu até o rio Bravo”.

No entanto, Castro enfatizou que Obama não tem responsabilidade pelo passado e elogiou o norte-americano pelo diálogo que estabeleceu com Havana. “A paixão me sai pela pele quando se trata da revolução, mas peço desculpas ao presidente Obama porque ele não tem nada a ver com tudo isto”, declarou. “Todos têm dívidas conosco, mas não o presidente Obama”, que “é um homem honesto” e com uma “forma de ser que obedece a sua origem humilde”, comentou.

Assim como a presidente Dilma Rousseff, o líder exigiu um novo posicionamento norte-americano em relação à Venezuela.”Nós sabemos porque (os venezuelanos) estão passando pelo mesmo caminho pelo qual nós passamos e estão passando pelas mesmas agressões pelas quais nós passamos”, disse.

Barack Obama também discursou hoje (11) e disse que o seu país “não será prisioneiro do passado” com Cuba nem com a América Latina. Obama disse estar convencido que, se continuar o diálogo bilateral entre seu governo e o de Raúl Castro, haverá progressos, apesar das “diferenças”.

A presidenta Dilma Rousseff incluiu críticas em seu pronunciamento, depois de observar que a aproximação entre os países “abre uma nova era nas Américas”, na qual todos os países do continente deverão compreender que “nenhum pode impor nada a outro”. Foi o gancho para assinalar que “antagonismos que tanto afetam nossas sociedades” e comentar as sanções norte-americanas à Venezuela. “Este bom momento das relações hemisféricas já não admite medidas unilaterais de isolamento”, motivo pelo qual “rejeitamos as sanções (dos Estados Unidos) contra a Venezuela”, um país que, em sua opinião, “reivindica moderação de todas as partes”.

Com informações de Agência Brasil e Operamundi

Leia abaixo o discurso de Dilma na íntegra

Agradeço ao Povo e ao Governo do Panamá, na pessoa do Presidente Juan Carlos Varela, a calorosa acolhida e a eficiente organização desta VII Cúpula das Américas. Panamá – “ponte do mundo” – é hoje o lugar de reencontro das Américas. Celebramos, aqui e agora, a iniciativa corajosa dos Presidentes Raúl Castro e Barack Obama de restabelecer relações entre Cuba e Estados Unidos, pondo fim a este último vestígio da Guerra Fria na região.

Saúdo, igualmente, Sua Santidade, o Papa Francisco, pela contribuição dada para que essa aproximação se realizasse. Com o aplauso de todos os líderes presentes neste encontro, os dois Presidentes deram uma primeira prova do quanto se pode avançar quando aceitamos os ensinamentos da História, deixando de lado preconceitos e nocivosantagonismos, que tanto afetaram nossas sociedades.

Estamos seguros que outros passos serão dados, como o fim do anacrônico embargo – que, há mais de cinco décadas, vitima o povo cubano e enfraquece o sistema interamericano. Aí,sim, continuaremos construindo as linhas que pautarão nosso futuro e estaremos sendo contemporâneos de nosso presente.

Amigas e amigos,
Inúmeras oportunidades nascem desse novo ambiente, razão pela qual saúdo o tema escolhido pelo Panamápara esta Cúpula. A prosperidade, a equidade e a cooperação são valores muito caros a todos nós e, ao Brasil. Refletem o espírito que deve presidir essa nova etapa das relações hemisféricas.

Desde a Cúpula de Miami, nossos avanços econômicos, sociais e políticos foram notáveis. Enfrentávamos em 1994 problemas crônicos como a fome, a miséria, o desemprego, causados, em grande medida, por visões e políticas equivocadas que agravavam a exclusãosocial.

Recém-saídos de regimes autoritários, recebemos um legado de recessão, endividamento e concentração de renda. Hoje, estamos reunidos em um contexto muito diferente. A consolidação da democracia e novos paradigmas políticos inverteram a lógica da ação do Estado, conferindo prioridade ao desenvolvimento sustentável com justiça social.

A América Latina e o Caribe têm agoramenos pobreza, menos fome, menos mortalidade infantil e materna, menos analfabetismo. Aumentamos a expectativa de vida, o Índice de Desenvolvimento Humano e o PIB per capita. Também temos mais comércio, investimentos, turismo.

Em meu país, erradicamos a fome, objetivo que parecia inatingível. Essas conquistas sociais são uma demonstração do vigor democrático e da capacidade de mobilização de nossas sociedades. A afirmação da democracia – em seu sentido mais completo, com participação social – é um patrimônio de grande valor em nossa região. É preciso preservar e ampliar essas conquistas.

Mas não podemos fechar os olhos para a persistência de desigualdades, que ainda afetam, em diferentes graus, a todos os países do hemisfério. Esse fenômeno não passa despercebido a uma sociedade cada vez mais esclarecida e exigente. A concentração de renda e de riqueza ainda ameaça a coesão social e o desenvolvimento de nossas economias.

Essa disparidade é ainda maior quando analisada sob os prismas de gênero e raça, em especial no acesso à educação, à renda e ao poder. Combater a desigualdade em todas as suas manifestações, no espírito da cooperação que coroa o lema desta VII Cúpula, é o maior desafio das Américas e do mundo no século 21.

Esse combate, aqui na nossa América, demonstra também a necessidade de umc rescimento econômico contínuo de nossos países, capaz de assegurar a sustentabilidade da inclusão social. Esse combate deve estimular uma verdadeira cultura e prática daintegração. A integração comercial e de cadeias produtivas é um dos mecanismos capazes de assegurar que em todos os momentos e, em especial diante de problemas ou crises, possamos sustentaro desenvolvimento.

Nosso hemisfério foi capaz de construir arranjos de integração diversos, concretos e complementares, que ampliaram o diálogo político, o intercâmbio comercial, a realização de investimentos e a integração de cadeias produtivas. Já não se pode pensar em temas como comércio, saúde e drogas de maneira local. Já não se pode pensar em democracia, em promoção dos direitos humanos e em políticas econômicas com base em modelos únicos.

Presidentes e Presidentas,
Há tempos, celebramos o fato de que, do Alasca à Terra do Fogo, nossos países vivem em paz uns com os outros. Esperamos comemorar, em breve, o fim do mais longo conflito interno nas Américas. Saúdo a coragem do povo colombiano, de seus atores políticos e do Presidente Santos, demonstrada no esforço de pôr fim ao ciclo de violência que infelicitou, por décadas, seu país. A opção por uma paz negociada constitui precedente inestimável para a região e para o mundo.

Celebramos também os avanços na consolidação da paz no Haiti e reafirmamos nosso firme compromisso com a estabilidade democrática, o desenvolvimento e a soberania haitiana. Apoiamos a reconfiguração da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minutash), tal como determinada pelo Conselho de Segurança.

O bom momento das relações hemisféricas já não admite medidas unilaterais e políticas de isolamento, em geral contraproducentes e ineficazes. Por isso, rechaçamos a adoção de sanções contra a Venezuela. O atual quadro nesse país irmão pede moderação e aproximação de posições de todas as partes.

É com esse propósito que a Unasul trabalha para acompanhar e apoiar o diálogo político entre o governo e a oposição na Venezuela, buscando contribuir para o pleno respeito, por todos, ao Estado democrático de Direito e à Constituição do país.

Senhoras e senhores,
A cooperação facilita a busca de soluções para problemas comuns a nossos países. Quatro temas são especialmente relevantes: a segurança, a educação, as migrações e a mudança do clima. Assegurar o direito humano à segurança para os cidadãos das Américas continua a ser um desafio premente.

Temos de buscar uma cooperação que privilegie um enfoque abrangente e atente para as diversas causas e consequências da violência, conferindo especial atenção aos grupos mais vulneráveis – as mulheres, os jovens, especialmente os negros, os povos originários, e as pessoas discriminadas por sua orientação sexual e identidade de gênero.

O combate ao tráfico de drogas devecombinar repressão e prevenção. As pessoas que usam drogas têm direito a uma política de saúde pública integrada e multidisciplinar, baseada em evidências científicas e no respeito aos direitos humanos.

Uma educação inclusiva e de qualidade, em todos os níveis, é indispensável para romper o ciclo de reprodução da desigualdade; para gerar oportunidades e inovação; para democratizar o acesso e a produção do conhecimento, como aponta a Agenda Educativa Interamericana. Essencial, sobretudo, para não sermos apenas produtores de commodities e simentrarmos na economia do conhecimento,baseada na educação de alta qualidade e na pesquisa científica e tecnológica, como base para a inovação.

O século XXI requer um novo enfoquesobre migração, que deve ser centrada nos direitos humanos dos migrantes, ser sensível ao crescimento dos fluxos migratórios entre países em desenvolvimento; favorecer o trabalho decente; e prevenir e mitigar os efeitos de desastres socioambientais.

Sigamos no sentido oposto ao da xenofobia e da intolerância, ascendentes em diversas partes do mundo. A agenda global de mudança do clima também requer avanços. Com base nos debates realizados em Lima, é fundamental que a próxima Conferência das Partes, em Paris, produza um acordo ambicioso, equilibrado e legalmente vinculante, firmemente ancorado no marco da Convenção do Clima.

O combate à mudança do clima exige equilíbrio entre o crescimento da economia, a diminuição da desigualdade social e a proteção do meio ambiente. O Brasil reafirma seu engajamento nesse tema, refletido em compromissos voluntários audaciosos. Reafirmamos e adotamos as conclusões da Conferência Rio Mais Vinte de que é possível preservar, incluir e crescer.

Caros amigos e amigas,
A 7ª Cúpula inaugura uma nova era nas relações hemisféricas, na qual poderemos conviver com diferentes visões de mundo, sem receitas rígidas ou imposições. É nossa responsabilidade fazer deste século um período de paz e de desenvolvimento para todos. O século 21 tem de resgatar a esperança que um dia marcou nossa região. Região que, como disse Eduardo Galeano:
“(se encuentra) al otro lado de la mar – mágica mar que transfigura destinos – la gran promesa de todos los tiempos.”

A geografia nos legou um só continente, onde vivemos juntos, separados do resto do mundo por dois oceanos. Estamos todos neste mesmo e imenso barco. Cabe a nós levá-lo a porto seguro.

Muito obrigada.

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