Argentina

Políticos, juristas e profissionais de imprensa criticam Marcha do Silêncio

Protesto foi convocado para esta tarde por opositores ao governo de Cristina Kirchner para lembrar a morte do promotor Alberto Nisman, que completa um mês hoje (18)

Raúl Ferrari/ Télam

‘Trabalhamos muito para chegar a esse ponto. Não podemos aceitar que tentem nos afrontar’, disse Cristina

São Paulo – Jornalistas, políticos e juristas argentinos criticaram fortemente a Marcha do Silêncio, convocada para hoje (18), às 18h, por grupos opositores ao governo de Cristina Kirchner para lembrar a morte do promotor Alberto Nisman. Ele investigava o atentado de 1994 contra o Centro Comunitário Judaico Amia e morreu há exatamente um mês com um tiro na cabeça, em crime ainda não explicado. Para os críticos, a marcha é oportunista e será utilizada para desestabilizar o governo. A Argentina passará por eleições presidenciais em outubro.

“Há uma reação desmedida da corporação judicial. No fundo estão tentando plantar a ideia de um crime de Estado, oculto, em silêncio. Porém, (o crime) está sendo utilizado para fazer oposição a um governo e a um poder legislativo que mudaram as regras do jogo para o futuro”, avaliou o magistrado Luis Duacastella Arbizu, em entrevista à Telesur, emissora de TV estatal da Venezuela.

O subdiretor do jornal argentino Página 12, Luis Bruschtein, concordou. “Se essa morte teve algum objetivo, foi ser uma operação contra o governo. Não há outra explicação. E a oposição que se presta a esse jogo acaba sendo cúmplice dessa operação. Qualquer analista político que está acostumado a ver esse tipo de situação pode chegar a essa conclusão”, disse à Telesur.

“Vai ser uma marcha provocativa. Certamente vão levar cartazes ou algo assim. Nada pode assegurar que seja uma marcha de silêncio. Também não estou de acordo com a ficha de convocação, que diz ter a justiça de todos os argentinos como convocador. Não, é só um setor”, afirmou o advogado constitucionalista Eduardo Bascesat.

A viúva de Nisman, a juíza Sandra Arroyo Salgado, confirmou ontem (17) que irá à marcha com as duas filhas, mas ressaltou que “não por outros motivos políticos ou sociais”. “(A finalidade) é homenagear o trabalho dele como promotor”, disse em comunicado. No texto, ela se diferencia de “outros setores sociais, políticos e midiáticos” que participarão do ato com outras reivindicações.

O próprio governo da Argentina acusou os organizadores de quererem tirar proveito político do caso. “Trabalhamos muito para chegar a esse ponto, trabalhamos para conquistar o desenvolvimento científico, educativo. Não podemos aceitar que tentem nos afrontar, entre argentinos”, disse a presidenta hoje, em cadeia nacional, do complexo nuclear Atucha.

O secretário de Segurança da Argentina, Sergio Berni, insistiu que “80% do que se diz (sobre o caso Nisman) são mentiras” e reafirmou que tudo faz parte de um golpe para debilitar o governo. Ele pediu aos responsáveis pelo policiamento das ruas, por onde passarão os manifestantes, que não levem armas “porque pode haver provocações”.

O pedido de indiciamento da presidenta Cristina Kirchner, apresentado na última sexta-feira (13), foi considerado uma “escalada antidemocrática gravíssima e evidente”, por Martin Sabbatella, presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina (Afsca), agência responsável por fiscalizar o cumprimento da lei de meios. “Os setores conservadores do país têm um plano para desestabilizar a presidente e contam para isso com os serviços do pior do Poder Judiciário e da maior empresa de mídia do país”.

O indiciamento foi feito pelo promotor Gerardo Pollicita acolhendo denúncias que vinham sendo reunidas por Nisman, apresentadas por ele quatro dias antes de ser encontrado morto em seu apartamento, em 18 de janeiro. O processo acusa Cristina de ter acobertado responsáveis pelo atentado terrorista à Amia, ocorrido no dia 18 de julho de 1994, que matou 85 pessoas e feriu mais de 300. Tanto esse ataque como o anterior (em 1992, contra a embaixada israelense em Buenos Aires, que matou 29 pessoas) nunca foram esclarecidos.

A morte de Nisman segue cercada por rumores que envolvem desde os serviços secretos da Argentina e do Irã, até a CIA, dos Estados Unidos, e a Mossad, de Israel. As primeiras investigações apontavam para a chamada “pista síria”. Os atentados seriam uma vingança do regime sírio contra o então presidente Carlos Menem (1989-1999), cuja candidatura teria sido financiada, em troca de tecnologia nuclear, que nunca recebeu. Menem – que é de origem síria – também enviou tropas ao Golfo, para apoiar os Estados Unidos na guerra contra o Iraque, após a invasão iraquiana do Kuwait.

Os resultados das primeiras investigações tiveram que ser arquivados, quando se descobriu que o juiz responsável tinha comprado um testemunho falso. O próprio Menem está sendo processado por encobrir o crime. O caso Amia voltou a ganhar destaque no governo de Néstor Kirchner (2003-2007), que encarregou o promotor Alberto Nisman de retomar as investigações.

Nisman acusou o Irã de planejar o atentado, que teria sido executado pelo grupo xiita libanês, e pediu a captura de ex-altos funcionários do regime iraniano para interrogá-los. Em 2007, a Interpol emitiu alertas vermelhos para cinco dos oito acusados, entre eles dois ex-ministros.

O Irã sempre negou qualquer participação e tanto Néstor Kirchner como sua viúva e sucessora, Cristina, acusaram os iranianos de não colaborar com a Justiça argentina para apurar um ato terrorista. Em 2013, finalmente o Irã aceitou criar uma comissão da verdade para o caso. O acordo foi criticado por organizações judaicas, pela oposição e pelo próprio Nisman.

Em 14 de janeiro deste ano, Nisman acusou Cristina e o chanceler argentino Héctor Timerman de terem negociado o acordo secreto com o Irã para acobertar os suspeitos e enterrarem a investigação, por motivos econômicos: supostamente a Argentina queria se reaproximar do Irã para trocar grãos e armas por petróleo.

O governo desmentiu as acusações (que Nisman colocou por escrito em um documento de 300 páginas, baseado em escutas telefônicas), alegando que o petróleo iraniano não podia ser refinado na Argentina. Timerman também apresentou uma carta, da Interpol, confirmando que ele jamais pedira a suspensão dos alertas vermelhos – como dissera Nisman.

O promotor tinha sido convocado pela oposição para detalhar os motivos que o levaram a acusar a presidenta e o chanceler e iria prestar depoimento ao Congresso da Argentina em 19 de janeiro, mas na madrugada daquele dia foi encontrado morto com uma bala na cabeça. O tiro tinha sido disparado no dia anterior por um revólver calibre 22, emprestado por um colega de trabalho.

Um mês depois, a Justiça ainda não pode afirmar se Nisman suicidou-se, se foi “induzido” a se matar ou se foi assassinado. O governo e a oposição trocaram acusações. Para Cristina, a morte dele é parte de um complô para desestabilizar seu governo, e não um assassinato para calar o homem que a acusava.

Com informações da Telesur, Página 12 e Agência Brasil


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