Buenos Aires

Marcha do Silêncio é marcada por forte tom crítico ao governo de Cristina Kirchner

Participaram ontem (18) pelo menos 60 mil pessoas, em geral com faixa etária elevada e membros da elite. Pelo twitter, milhares de usuários apoiavam a presidenta usando a hashtag #TodosComCristina

Telám

Sob forte chuva, manifestantes caminharam do Congresso até a Praça de Maio, região central de Buenos Aires

São Paulo – Apesar de ter sido convocada com o nome de Marcha do Silêncio, o protesto que reuniu milhares de pessoas ontem (18), no centro de Buenos Aires, foi marcado por um forte tom crítico ao governo de Cristina Kirchner. Ao mesmo tempo, milhares de usuários do Twitter enviavam mensagem de apoio à presidenta, com as hashtags #TodosComCristina e #NãoAoGolpeBrando.

O ato foi convocado por opositores do governo argentino para homenagear o promotor Alberto Nisman, morto há um mês em condições ainda não esclarecidas, um dia antes de prestar depoimento no Congresso argentino sobre sua investigação a respeito do atentado de 1994 contra o Centro Comunitário Judaico Amia.

De acordo com o jornal argentino Página 12, alguns manifestantes levaram cartazes pequenos pedindo justiça e apontando suposta responsabilidade de Cristina Kirchner na morte de Nisman. O periódico destaca que a participação foi menor que de outras manifestações contrárias ao kirchnerismo, mas que o perfil dos participantes era o mesmo: de meia idade e de poder aquisitivo entre médio e alto.

O governo federal argentino calcula que o protesto tenha reunido pelo menos 60 mil pessoas. A Polícia Metropolitana, no entanto, estima que 400 mil manifestantes tenham participado. “Senhora, está dizendo ‘Argentina, Argentina’ ou ‘assassina, assassina’?”, perguntou o repórter do Página 12 a uma manifestante. “Não sei. É a mesma coisa”, respondeu.

Durante o ato, milhares de argentinos enviaram mensagens de apoio à presidenta pelo Twitter. “Mudam os atores, continuam os golpistas. Uma e outra vez, usando disfarces diferentes. Porém, uma vez mais, #NãoPassarão!”, disse um internauta. “Homenagear um promotor que jamais comprovou um delito é como homenagear um goleiro que nunca pegou uma bola”, disse outro usuário.

Ontem, jornalistas, políticos e juristas argentinos criticaram fortemente a Marcha do Silêncio e a consideraram uma manobra oportunista para desestabilizar o governo. A Argentina passará por eleições presidenciais em outubro. O próprio governo do país acusou os organizadores de quererem tirar proveito político do caso.

“Há uma reação desmedida da corporação judicial. No fundo, estão tentando plantar a ideia de um crime de Estado, oculto, em silêncio. Porém, (o crime) está sendo utilizado para fazer oposição a um governo e a um poder legislativo que mudaram as regras do jogo para o futuro”, avaliou o magistrado Luis Duacastella Arbizu, em entrevista à Telesur, emissora de TV estatal da Venezuela.

O subdiretor do jornal argentino Página 12, Luis Bruschtein, concordou. “Se essa morte teve algum objetivo, foi ser uma operação contra o governo. Não há outra explicação. E a oposição que se presta a esse jogo acaba sendo cúmplice dessa operação. Qualquer analista político que está acostumado a ver esse tipo de situação pode chegar a essa conclusão”, disse à Telesur.

A morte de Nisman segue cercada por rumores que envolvem desde os serviços secretos da Argentina e do Irã, até a CIA, dos Estados Unidos, e a Mossad, de Israel. As primeiras investigações apontavam para a chamada “pista síria”. Os atentados seriam uma vingança do regime sírio contra o então presidente Carlos Menem (1989-1999), cuja candidatura teria sido financiada, em troca de tecnologia nuclear, que nunca recebeu. Menem – que é de origem síria – também enviou tropas ao Golfo, para apoiar os Estados Unidos na guerra contra o Iraque, após a invasão iraquiana do Kuwait.

Os resultados das primeiras investigações tiveram de ser arquivados, quando se descobriu que o juiz responsável tinha comprado um testemunho falso. O próprio Menem está sendo processado por encobrir o crime. O caso Amia voltou a ganhar destaque no governo de Néstor Kirchner (2003-2007), que encarregou o promotor Alberto Nisman de retomar as investigações.

Nisman acusou o Irã de planejar o atentado, que teria sido executado pelo grupo xiita libanês, e pediu a captura de ex-altos funcionários do regime iraniano para interrogá-los. Em 2007, a Interpol emitiu alertas vermelhos para cinco dos oito acusados, entre eles dois ex-ministros.

O Irã sempre negou qualquer participação e tanto Néstor Kirchner como sua viúva e sucessora, Cristina, acusaram os iranianos de não colaborar com a Justiça argentina para apurar um ato terrorista. Em 2013, finalmente o Irã aceitou criar uma comissão da verdade para o caso. O acordo foi criticado por organizações judaicas, pela oposição e pelo próprio Nisman.

Em 14 de janeiro deste ano, Nisman acusou Cristina e o chanceler argentino Héctor Timerman de terem negociado o acordo secreto com o Irã para acobertar os suspeitos e enterrarem a investigação, por motivos econômicos: supostamente a Argentina queria se reaproximar do Irã para trocar grãos e armas por petróleo.

O governo desmentiu as acusações (que Nisman colocou por escrito em um documento de 300 páginas, baseado em escutas telefônicas), alegando que o petróleo iraniano não podia ser refinado na Argentina. Timerman também apresentou uma carta, da Interpol, confirmando que ele jamais pedira a suspensão dos alertas vermelhos – como dissera Nisman.

O promotor tinha sido convocado pela oposição para detalhar os motivos que o levaram a acusar a presidenta e o chanceler e iria prestar depoimento ao Congresso da Argentina em 19 de janeiro, mas na madrugada daquele dia foi encontrado morto com uma bala na cabeça. O tiro tinha sido disparado no dia anterior por um revólver calibre 22, emprestado por um colega de trabalho.

Um mês depois, a Justiça ainda não pode afirmar se Nisman suicidou-se, se foi “induzido” a se matar ou se foi assassinado. O governo e a oposição trocaram acusações. Para Cristina, a morte dele é parte de um complô para desestabilizar seu governo, e não um assassinato para calar o homem que a acusava.

Com informações das agências Telám e Brasil, do jornal Página 12 e da Telesur