Política externa

‘Relações com Estados Unidos e Mercosul são igualmente importantes’, diz professor

Thomas Heye, da Universidade Federal Fluminense, comenta informação de que o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, virá ao país para cerimônia de posse de Dilma Rousseff, em janeiro

Wilson Dias/Agência Brasil

Vice-presidente norte-americano tem sido designado para restabelecer boas relações com governo Dilma

São Paulo – As relações políticas entre Brasil e Estados Unidos estão frias desde a suspensão, pela presidenta Dilma Rousseff, da visita oficial que faria a Washington no segundo semestre de 2013, devido às denúncias de Edward Snowden, ex-analista da NSA (Agência de Segurança Nacional, na sigla em inglês), segundo as quais as comunicações de empresas, ministros e da própria presidenta eram espionadas pela NSA.

Nos últimos meses, a diplomacia dos EUA e a Casa Branca têm tentado uma reaproximação com o Brasil. A informação de que o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, virá ao país para a posse de Dilma, em 1° de janeiro, é mais um indicativo de que, nos bastidores, as intenções são mesmo de quebrar o gelo. A Casa Branca já teria confirmado a presença do vice de Barack Obama. Será a mais alta autoridade norte-americana a prestigiar a posse de um presidente brasileiro desde Fernando Collor de Mello, em 1990, quando o então vice-presidente de George H. W. Bush (o “Bush pai”), Dan Quayle, veio a Brasília.

Biden tem sido designado a cumprir a missão de “fazer as pazes com o Brasil”. Em junho deste ano, ele se reuniu com Dilma em Brasília para tentar desfazer o clima nebuloso.

Seja como for, para Thomas Heye, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, as rusgas entre o Palácio do Planalto comandado por Dilma e a Casa Branca chefiada por Obama são mesmo políticas, já que, “nas trocas comerciais, nunca houve maiores problemas”.

Na verdade, na questão comércio exterior quem ganha são os norte-americanos. Em 2013, a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos foi favorável a Washington em mais de U$ 11 bilhões: o Brasil exportou U$ 24,6 bilhões e importou U$ 36 bilhões ao país do Norte. Na relação com o Mercosul, o saldo é favorável ao Brasil em U$ 5,4 bilhões (exportações de U$ 24,7 bi e U$ 19,3 bilhões em importações). A título de comparação, o Brasil exportou U$ 46 bilhões para a China e importou U$ 37 bilhões em 2013.

Na opinião de Heye, ao contrário da avaliação de analistas que consideram que, na medida em que se torna uma potência global, o Brasil está perdendo interesse na União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a relação “está bem firme”. Na sexta-feira (5), Dilma participou de reunião de cúpula da Unasul, em Quito (Equador), e pediu que o bloco seja uma entidade “renovada, fortalecida e atuante”.

Leia a entrevista com Thomas Heye

Se confirmada, a presença do vice-presidente Joe Biden na posse da presidenta Dilma Rousseff, sinalizaria um esforço concreto, por parte dos Estados Unidos, de superar a crise diplomática instaurada a partir do episódio Snowden?

É um bom indício. Os Estados Unidos assinalam assim uma vontade de reaproximação entre os países. Se bem que, na prática, nas trocas comerciais, por exemplo, nunca houve maiores problemas. Mas talvez represente retomar uma relação de forma talvez menos ideologizada e mais pragmática. O Brasil está num momento de ajuste fiscal e com certeza interessa aprofundar nossas relações com um grande parceiro comercial. Por outro lado, para os Estados Unidos também não é diferente.

Como o sr. vê essa reaproximação, considerando as avaliações de que, no período dos governos Lula e Dilma, ao expandir e privilegiar relações com os Brics e Mercosul-Unasul, o Brasil caminhou no sentido de uma independência dos EUA que não tinha antes?

Realmente, as relações vão se transformando ao longo do tempo. Mas é a famosa história, se um país se pretende global, a gente tem de conversar com as grandes potências e a maior delas são os Estados Unidos. E quanto mais, digamos, fluida, mais fácil essa comunicação, as relações vão ser mais sólidas e mutuamente benéficas.

Os Estados Unidos demonstram estar preocupados com o fato de o Brasil ter em parte mudado foco da política externa, e por isso tentam forçar uma reaproximação?

Não acho que os Estados Unidos tenham uma preocupação maior em relação ao Brasil com os Brics. Mas com certeza têm interesse em manter os canais de comunicação abertos com o Brasil. Até porque qualquer política externa norte-americana para a América do Sul necessariamente tem de passar pelo Brasil.

Há quem diga que, até por estar se alçando a potência global, o Brasil está perdendo o interesse na Unasul. O sr. concorda?

Não, pelo contrário. Estou justamente pesquisando isso, e posso dizer que a Unasul está bem firme. O que está acontecendo, em geral, na América do Sul, é que as economias estão freando por causa da China, e os projetos brasileiros na região também obviamente estão sendo freados ou diminuindo seu ímpeto. As economias dos países da região ficaram mais fortes exportando commodities, matérias-primas, para a China. Isso inclusive favoreceu o Brasil a se afastar dos Estados Unidos. Mas, agora que a China está freando (as importações), a região começa a frear também.

O que está levando a China a “frear”?

A China está fazendo um freio de arrumação. Não é que esteja com um problema maior na economia, mas a sociedade chinesa mudou. Uma parcela grande de chineses migrou para a classe média, foi para grandes centros urbanos e está consumindo mais. Querem as mesmas coisas que todo mundo quer. E isso aumenta os custos do trabalhador chinês, então a economia chinesa está ficando menos dinâmica. Convenhamos, é uma perda de dinamismo muito relativa, mas o suficiente para as economias periféricas, como a sul-americana, sentirem.

Na campanha eleitoral, o candidato tucano Aécio Neves minimizava o Mercosul afirmando ser necessário retomar as relações bilaterais com os Estados Unidos. Não é possível haver um equilíbrio entre as relações brasileiras com EUA e Mercosul?

O candidato Aécio estava sinalizando a pouca atividade econômica do Mercosul, da Unasul, esta principalmente uma atividade mais política. Agora, nas relações com os Estados Unidos nós temos um déficit em torno de US$ 10 bilhões (U$ 11,36 bilhões em 2013). Já o único superávit que o Brasil tem em produtos manufaturados é com o Mercosul. É mercado importante para as fábricas brasileiras, que empregam o maior número de pessoas e dinamizam nossa economia. São parcerias muito diferentes. O que a gente tem de conversar com os Estados Unidos é sobre a exportação de manufaturas para eles, o que é bem mais complicado.

Seria então simplista afirmar que um ou outro, Estados Unidos ou Mercosul, é mais importante?

Eu acho que, no nosso caso, não estamos excluindo possibilidades, mas somando e buscando alternativas de desenvolvimento. A América Latina tem uma série de características muito positivas. Nossas relações com os países latino-americanos são muito pacíficas, e todo mundo tem um mesmo denominador comum, todos querem o desenvolvimento.

A relação Brasil-Estados Unidos é mais importante para eles ou para o Brasil?

É uma pergunta difícil, mas é importante para os dois, embora com pesos diferentes. O fato é que eles sinalizam que têm vontade de repensar essas relações.

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